Edição 215 – Provável visita de Pelosi a Taiwan estremece os ânimos em Pequim
Estamos fazendo nosso melhor. Esta foi a mensagem que os integrantes do Politburo transmitiram em nota divulgada após encontro na última quinta (28). A incerteza sobre a capacidade da economia chinesa de conseguir crescer 5,5% este ano, como projetado por Pequim, não é sem razão. No fim de semana, um indicador que provocou desânimo foi o da venda de imóveis: o setor vinha dando bons sinais nos últimos meses, o que não se repetiu em julho, como mostra a Caixin. Para ler mais sobre o mercado imobiliário, recomendamos checar esta análise feita por especialistas, no The Guardian, e a transcrição que o Pekingnology fez de um debate entre especialistas da Universidade de Pequim, ocorrido no início do mês de julho. Valem uma leitura atenta. Apesar das notícias ruins, o número de contratações pela indústria chinesa teve uma alta em julho, à medida em que a Covid-19 parece ter dado uma trégua em algumas regiões do país.
Não está sendo fácil. Em Hong Kong a economia também está passando por maus bocados: o PIB da região encolheu 1,4% no segundo trimestre deste ano. Como no trimestre anterior já havia sido registrada uma queda de 4%, a região está em recessão técnica. Segundo um representante do governo, o ponto de preocupação seriam as exportações, que tiveram uma queda de 8,6% — o que pode ser atribuído ao fechamento das fronteiras com a China continental. A tolerância zero contra a Covid-19, que mantém essas divisas fechadas, segue sendo um grande desafio: segundo apurou o Financial Times, em 2021, apenas 65 mil pessoas entraram em Hong Kong a partir da China — em 2018, o número foi de 55 milhões.
Evergrande vai ter de pagar mais de US$ 1 bilhão. Em crise há tempos, o caso da incorporadora não tem fim, como lembramos na última edição. A novidade desta segunda (1) é que a empresa está sendo obrigada a pagar cerca de 1,1 bilhão de dólares por não ter honrado um contrato de financiamento no qual a Evergrande dera como garantia ações que valiam o que agora está sendo cobrado. A ver até onde a dívida e o caso vão rolar.
Cada vez mais empresas estão investindo em tecnologia quântica. Segundo reportagem da jornalista Dannie Peng para o South China Morning Post, o mercado chinês dessa que é considerada uma das novas fronteiras tecnológicas valerá cerca de 80 bilhões de renminbi (aproximadamente 60 bilhões de reais) em 2023. Em 2018, o mercado valia apenas 32 bi (R$ 24 bi). Antes o setor era limitado ao governo, mas o setor privado vem demonstrando gradualmente mais interesse na tecnologia, sobretudo empresas de telecomunicação, energia elétrica e transporte. Durante o lockdown de Shanghai, por exemplo, a Acadêmia Chinesa de Ciências Ferroviárias entrou em contato com uma empresa especializada no setor para levar a comunicação quântica ao gerenciamento da malha ferroviária de trens de alta velocidade. Apesar das dificuldades, como altos custos e baixa familiaridade, o futuro parece ser promissor para as jovens empresas que fornecem esse tipo de tecnologia.
A China aumentou a extração de carvão em 2022. Isso aconteceu para compensar a escassez e a subida de preços geradas pela guerra na Ucrânia e pelo congelamento de exportações pela Indonésia. Mas como ficam as metas governamentais de descarbonização da economia do país? Segundo especialistas consultados pelo China Dialogue, o processo de descarbonização não está comprometido pela maior produção de carvão, porque o mercado chinês não teria mais espaço para expansão. No curto prazo as emissões até podem aumentar, mas no longo é outra história. Vamos ficar atentos.
O presidente Xi Jinping passou mais de duas horas ao telefone com Biden. A conversa, realizada na última quinta (28), aconteceu em meio às tensões sobre os fortes indícios, quase confirmados, da visita de Nancy Pelosi a Taiwan durante sua viagem pela Ásia. Não existe confirmação de que a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA vai ao estreito, mas o The Wall Street Journal disse ter conversado com uma pessoa que passou detalhes da agenda da parlamentar, em que constariam reuniões em Taipei, começando na terça-feira. Além disso, como lembram Michael Hunzeker e Aleander Lanoska para o War on the Rocks, o Congresso dos EUA tem um histórico de predileção pela ilha. A possível visita de Pelosi, que já está na Ásia, deve coincidir com as celebrações dos 95 anos do Exército Popular de Libertação, como mostra o SCMP. O noticiário internacional envolvendo China está tomado por esse assunto, sobre o qual falamos também na edição passada. Mas, para além disso, os líderes das duas maiores economias globais também falaram sobre questões climáticas e de segurança, segundo os comunicados oficiais divulgados após a conversa.
Torta de climão no Mercosul. Diante do anúncio do presidente uruguaio Lacalle Pou de querer dar início às negociações de um acordo de livre comércio com a China, integrantes do Mercosul pediram mais cautela e união do bloco em sua reunião de cúpula mais recente, realizada de forma presencial em Assunção, no Paraguai. Composto por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela (suspensa atualmente), o Mercosul não permite que acordos bilaterais do tipo sejam feitos sem a autorização dos demais países membros. Lacalle Pou não terá um caminho fácil pela frente, já que Argentina e Paraguai demonstraram contrariedade à iniciativa, como apurou Fermín Koop para o Diálogo Chino. O Brasil não foi à reunião presencial e apenas participou com um vídeo pré-gravado, sem comentar a questão. Já a China declarou que também tem interesse em negociar um acordo com o bloco como um todo. O Giro Latino conta mais detalhes da reunião.
Movimentação no Sudeste Asiático. No final de julho, o presidente indonésio Joko Widodo esteve na China, buscando aprofundar os laços econômicos com o gigante asiático. Ao que tudo indica, a aproximação tem muito a ver com seu país ter as maiores reservas de níquel do mundo — matéria-prima essencial para baterias de carros elétricos. Widodo também bateu ponto na Coreia do Sul, com visita à Hyundai. Em março, a empresa sul-coreana abriu uma planta para fazer os primeiros veículos elétricos fabricados na Indonésia.
Além da Indonésia, parece que uma reaproximação surge nas relações entre China e Myanmar, que haviam ficado mais complicadas depois do golpe militar de 2021. No início de julho, o chanceler chinês Wang Yi foi ao país, com foco na discussão sobre cooperação em torno do rio Mekong. Também teve grande foco a retomada do Corredor Econômico bilateral, importante projeto da Iniciativa do Cinturão e Rota, como explica a Panda Paw Dragon Claw. A visita gerou críticas, já que estaria legitimando o governo atual e, consequentemente, minando os esforços da Associação das Nações do Sudeste Asiático — a ASEAN. A organização é importante para a China, sendo o seu principal parceiro comercial na primeira metade de 2022. O chanceler, que visitou cinco países no Sudeste Asiático, também aproveitou para reclamar sobre as posturas de em torno de Taiwan e o abandono da Política de Uma China. Em discurso para o secretariado da ASEAN em Jacarta, Wang Yi disse que os países da região deveriam evitar serem usados como “peças de xadrez”, se referindo a disputas geopolíticas.
O Comitê de Direitos Humanos da ONU realizou durante o mês de julho, em Hong Kong e Macau, sua quarta revisão periódica, feita regularmente em países e territórios signatários do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Em seu relatório, o comitê trouxe uma recomendação polêmica: que a China revogue a Lei de Segurança Nacional em vigor em Hong Kong desde 2020. Não pegou bem: Pequim já declarou que as conclusões da ONU não são baseadas na realidade e sugeriu que o órgão “abandone a arrogância” e “lide com o fato” de que a lei restabeleceu a estabilidade social no território. Um dos pontos problemáticos da LSN, segundo o comitê, é que ela permitiria que prisioneiros de Hong Kong possam ser levados a julgamento na China continental — o que muitas vezes significa audiências fechadas ao público e à mídia e prisioneiros “desaparecidos” por longos períodos de tempo. Esse parece ser o caso de um jovem manifestante de Hong Kong levado à China continental pela polícia ao tentar fugir para Taiwan. Como noticiou o Malay Mail na última semana, a família do preso afirma não conseguir contato com ele há mais de seis meses. Enquanto isso, conforme relatório recente do departamento correcional de Hong Kong, a secretaria de segurança local criou um programa de “reabilitação” de presos políticos — o que alguns críticos chamam de “lavagem cerebral” nos moldes da China continental.
A população chinesa pode começar a diminuir já antes de 2025, se é que já não começou. Conforme noticiado pela Reuters, estatísticas divulgadas em julho mostram uma queda acentuada na taxa de natalidade em 2021. A flexibilização da política de filho único (agora famílias podem ter até três filhos) não parece ter surtido efeito algum. Conforme análise de Yi Fuxian para o Project Syndicate, os dados de 1 bilhão de pessoas vazados recentemente apontam para a possibilidade de que a população chinesa tenha começado a envelhecer e diminuir há bastante tempo. Yi inclusive especula que o país possui 1,28 bilhão de habitantes ao invés de 1,41 bilhão, dado oficial do governo. Econômica e socialmente a situação é tão alarmante que a Caixin publicou um editorial reivindicando que o governo adote medidas para adaptar-se à nova realidade.
Ao revisitar Qingdao, uma cidade costeira famosa pelos frutos do mar e pela cerveja que leva o mesmo nome, a escritora Weili Fan narra suas memórias de infância e nos fala da China dos anos 1950 e 1960 — das dificuldades, como a Grande Fome e um relato de violência sexual, e das pequenas alegrias de ir para o mar com as crianças da rua, além das mudanças políticas pelas quais o país passava sob o comando de Mao Zedong. Da mesma forma que é impossível entrar duas vezes no mesmo rio, porque tanto o rio quanto nós mesmos mudamos, retornar aos lugares caros às memórias de infância têm um gosto ambivalente no primoroso relato de Weili, que reflete sobre a rápida urbanização de Qingdao e a perda dos laços afetivos com a cidade que ficou irreconhecível aos seus olhos.
Uma vida sem álcool. Este texto publicado pela Sixth Tone — mas originalmente do Beijing Youth Daily — conta, por meio da vida de Liu, como pode ser difícil tentar ficar sóbrio em cidades da China rural, com pouco ou quase nenhum apoio de instituições como AA ou ajuda médica. Liu, um homem de 55 anos que vive no interior da província de Heilongjiang, decide tentar abandonar o vício após mais de 30 anos e sua jornada é relatada por fotos, vídeos e texto. Para saber mais sobre a questão do alcoolismo na China, vale ler esta pesquisa de 2020, sobre o perfil de quem sofre dessa doença por lá.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Hora da pipoca: lançado este ano, Marcas da maldição tornou-se o filme de terror taiwanês mais bem sucedido da história e chegou há pouco ao catálogo da Netflix no Brasil.
Estupidamente gelada: a DW publicou uma matéria contando como e por que cervejas chinesas estão tendo alta procura no Paquistão.
Hoje é dia de pop, bebê: o lançamento Greatest Works of Art de Jay Chou veio com um clipe que faz jus ao nome da música. É o primeiro álbum do cantor desde 2016.
Investigação: a agência de notícias AFP revelou a dimensão do encarceramento de mulheres latinas em Hong Kong por tráfico de drogas. A pauta repercutiu em veículos em portugês, vale conferir.
Café e seda: o SupChina, que agora passará a se chamar The China Project, acaba de lançar o Café & Seda podcast, feito majoritariamente em espanhol. Mais uma forma de saber sobre a China em língua não inglesa.
Academia: um artigo recém publicado por três pesquisadores estuda como a China divide o movimento transnacional da esquerda, principalmente olhando para o Twitter ao comparar dois grupos midiáticos — o Qiao Collective e o Lausan.