Edição 227 – Homens e aliados: nova composição do Politburo de Xi
Conforme esperado, Xi conquistou o terceiro mandato como secretário-geral do PCCh. Com isso, o atual líder se consolida no poder rompendo uma tradição, criada nos anos 1980, de limitar a 10 anos o tempo de permanência no ofício. Assim, Xi deve permanecer na presidência da China, cargo normalmente ocupado pelo secretário-geral do PCCh. Ao ser confirmado, Xi disse que o mundo precisa da China, ao mesmo passo que o país asiático não pode se desenvolver sozinho.
Além de Xi, foi anunciada no evento toda a estrutura de poder do topo do PCCh: Li Qiang (que foi responsável pela política de lockdown em Shanghai) deverá ser o premiê no lugar de Li Keqiang, possível opositor de Xi, que sai do Politburo. Um dos antigos favoritos como herdeiro de Xi, Hu Chunhua, não entrou (estragou o bolão). A estrutura mais elevada de poder do gigante asiático segue formada 100% por pessoas da etnia han, sem uma única mulher entre elas, e por aliados de Xi. Mas houve algumas surpresas: o número final ficou em 24 representantes, quando normalmente são 25 pessoas que compõem o órgão, e agora há maior flexibilização da regra de aposentadoria, tornando a política chinesa um pouco mais imprevisível. Para saber os números todos envolvendo os congressistas, vale ler este fio. A Aline Tedeschi, nossa gerente de mídias e artigos, falou na Band News sobre o assunto.
Além do Politburo. Como a confirmação de Xi não era uma surpresa, os holofotes do evento foram virados para a forma atípica como o ex-presidente chinês Hu Jintao foi removido da cerimônia. A imprensa oficial, com a agência Xinhua, informou que Hu insistiu em participar do evento, mas foi retirado por motivos de saúde. Nem todo mundo teve essa percepção e algumas explicações alternativas surgiram. Para James Palmer, da Foreign Policy, a cena teria sido uma forma de Xi humilhar o antigo líder do partido. A teoria do expurgo é, por enquanto, descartada por Bill Bishop, do Sinocism, e por nossa editora sênior Júlia Rosa. Kaiser Kuo, do The China Project, pondera as variáveis em jogo, mas já antecipa que jamais saberemos o que realmente aconteceu. Leta Hong Fincher, numa análise à queima roupa, conta sua experiência na China para tentar entender o episódio. Se você quiser tentar tirar suas próprias conclusões, aqui está o vídeo visto e revisto por muitos palpiteiros do Twitter. Ainda chamou a atenção a presença de Zhang Gaoli no Congresso. Ele foi fotografado participando do evento mesmo com o escândalo sobre as acusações que recaem sob ele de ter cometido abuso sexual da tenista Peng Shuai.
E ainda temos o Relatório do Congresso para decifrar. Vale acompanhar o China Talk e o China Media Project para tornar a leitura menos árdua. Este texto do Merics também dá a pista sobre o que importa na terceira gestão de Xi, segundo o documento. Esta nuvem de palavras mostra o que mais foi repetido no Relatório. Se você tem curiosidade em saber qual o impacto do Congresso para as relações exteriores da China, esta análise de David Finkelstein te ajuda a entender.
Demorou, mas saiu o PIB. Superando as expectativas, a China cresceu 3,9% no terceiro trimestre deste ano, quando especialistas projetavam uma alta de 3,4%. O South China Morning Post diz que a expansão econômica surpreende, principalmente pelos impactos das políticas restritivas adotadas na China em meio à Covid-19. O resultado foi divulgado às vésperas da conclusão do Congresso do PPCh, depois de bastante expectativa diante do atraso dos números.
Por falar em atividade econômica, o governo vem encontrando formas de estimular os investimentos em infraestrutura para impulsionar a atividade produtiva no país, como conta a Caixin.
Mas nem todo mundo está prosperando. O anúncio da continuidade de Xi Jinping na liderança do PCCh parece não ter agradado investidores do mercado honconguense: nesta segunda-feira (24), o índice Hang Seng fechou o dia com uma queda de 6,3%, atingindo seu nível mais baixo desde 2009, quando estava sob o efeito da crise financeira de 2008. Em seu discurso na abertura do Congresso no domingo 16, Xi Jinping havia destacado o papel de Hong Kong e Macau para os planos da China nos próximos 5 anos, ressaltando a importância do princípio “um país, dois sistemas” e seu papel na prosperidade e estabilidade das regiões. Xi também garantiu que o governo central exercerá jurisdição sobre as duas regiões administrativas especiais, garantindo que sejam lideradas por patriotas, e pediu que os governos locais se dediquem a integrar suas economias “estrategicamente” com o restante da nação. Dias depois, na quarta-feira (19), o chefe de Hong Kong John Lee fez seu primeiro discurso anual sobre políticas públicas, no qual indicou a continuidade da estratégia atual de combate à Covid-19 — o que agrada ao governo central, mas aparentemente desagradou à população. Não dá pra vencer todas.
Estaria a China operando delegacias de polícia no exterior? Segundo relatório da ONG Safeguard Defenders, Pequim teria estabelecido “centros de serviço policial” em mais de 30 países, entre eles o Brasil, com a finalidade investigar e repatriar cidadãos chineses que tenham violado leis chinesas, evitando processos formais de extradição. A afirmação se baseia em publicações oficiais de departamentos policiais chineses que emitem documentos como carteiras de motorista e de identidade no exterior. A ONG, que já se envolveu em outras polêmicas envolvendo a China, alega que essas atividades, corriqueiras em setores consulares, na verdade, serviriam de fachada para a perseguição de opositores no exterior.
Após o diário nigeriano Vanguard e a BCC News Swahili terem reportado a publicação do documento, surgiu uma onda de notícias sensacionalistas sobre o tema na Tanzânia e na Nigéria. O próprio Vanguard foi atrás de autoridades nigerianas e chinesas, que negaram a existência de tais delegacias no país. O Legit Nigeria também publicou uma matéria em que o embaixador chinês explica o que oficiais de segurança pública fazem no corpo diplomático. A Embaixada da China na Tanzânia foi a público negar a existência de delegacias chinesas no país. A história também teve alguma tração em Portugal, onde, segundo o relatório, haveria três dessas delegacias informais.
TikTok espionando cidadãos dos EUA? Segundo reportagem da Forbes na última quinta-feira (20), a ByteDance, teria planejado em ao menos duas ocasiões utilizar dados de geolocalização coletados pelo seu aplicativo TikTok para monitorar cidadãos estadunidenses. A reportagem não concluiu se a estratégia teria sido de fato utilizada, nem definiu o perfil dos usuários-alvo desse tipo de iniciativa. A falta de detalhes sobre o caso atraiu ceticismo por parte de especialistas em China e tecnologia, como neste fio do editor da DigiChina Graham Webster. O TikTok respondeu às acusações afirmando que a reportagem omitiu sua declaração de que não coleta os tipos de dados indicados pela reportagem. A acusação da Forbes ocorre em um momento em que a empresa chinesa se aproxima de fechar acordo com a administração Biden. Essa decisão garantiria a segurança dos dados dos usuários estadunidenses e evitaria que a ByteDance precisasse vender suas operações locais.
Exposição Internacional de Importação da China (CIIE, no inglês) é uma feira conhecida dos brasileiros, sendo a primeira feira nacional de importação do mundo. Lançada em 2018 por Xi Jinping e se tornando um dos destaques da diplomacia econômica chinesa, chega agora a 5ª edição, realizada em Shanghai a partir do dia 5 de novembro. As dinâmicas de Covid Zero seguem valendo, com os participantes tendo que realizar quarentena de sete dias mais três de monitoramento, além da exigência de vacinação e proibição para quem esteve em área de risco, conforme explica o Global Times. Pode ser a chance de dar um gás na economia, envolvendo mais de 100 países, e cerca de 280 empresas da lista da Fortune 500. O evento é de mão dupla (para quem quer importar ou exportar), sendo importante espaço para países da Iniciativa Cinturão e Rota, conta o Panda Paw Dragon Claw.
É domingo. O SCMP publicou um texto sobre o impacto do resultado das eleições presidenciais brasileiras nas relações com a China. Bolsonaro é visto como um caminho para distanciamento de Pequim enquanto Lula, de aproximação. Como analisa Karin Vasquez em artigo para a Folha, a decisão também pode afetar o futuro dos Brics. Por falar nas relações entre os dois países, a China escolheu Zhu Qingqiao, atual embaixador no México, como seu próximo representante no Brasil.
Liberdade de imprensa em Hong Kong. Durante uma fala para o Clube de Correspondentes Estrangeiros no Japão, Peter Langan, ex-editor sênior do South China Morning Post, revelou a razão da sua saída do jornal em 2021: a rejeição de uma série em três partes sobre políticas de controle de natalidade em Xinjiang, feita com base em dados oficiais do governo. Segundo o SCMP, o material não estava de acordo com o seu processo de verificação editorial e padrões de publicação. Outros dois repórteres teriam pedido demissão por conta do episódio. Depois que o Hong Kong Free Press trouxe o caso à tona e afirmou ter lido as reportagens em questão, o SCMP enviou uma carta a Lagan reafirmando os direitos autorais da empresa sobre o material. A questão do controle de natalidade em Xinjiang foi uma das possíveis violações de direitos humanos na região apontadas por um relatório da ONU publicado em setembro.
Ai, a ressaca. Jovens chineses estão repensando os hábitos de consumo de álcool que observam em seus pais. A bebida alcoólica mais consumida na China é o baijiu, destilado cuja quantidade de álcool varia de 35% a 60% em geral, mas ela vem sendo posta de lado pela juventude por ser muito forte e pouco saudável, além de fazer parte de uma cultura considerada problemática de beber no trabalho e por pressão dos chefes. Conforme reportou a RadiiChina, jovens têm preferido deixar o consumo de álcool para momentos de lazer apenas e vêm dando prioridade para bebidas com menor teor alcoólico, mais saudáveis (menos açúcar, por exemplo) e com sabores diferentes. Como o consumo de bebidas alcoólicas na China têm crescido muito nos últimos anos, já tendo ultrapassado os EUA em quantidades per capita, o mercado também vem se adaptando a esses novos hábitos, que incluem também a produção artesanal de licores e drinques pré-prontos.
Vício. Uma longa reportagem da SixthTone resgata os vinte anos de história das clínicas de reabilitação de pessoas viciadas em internet na China. Entre os pacientes esteve Zhang Mengtai, co-criador do recém-lançado filme de realidade virtual Diagnosia, que retrata a experiência de passar pela internação. Entre 2002 e 2009, o número de instituições do tipo chegou a 300 — no entanto, os relatos de condições precárias, práticas violentas e óbitos levaram o governo chinês a declarar o fim desses serviços em 2009. Mas a medida não significou o fim do combate ao “vício de tela” entre crianças e adolescentes: como já contamos por aqui, em 2002 medidas regulatórias apelaram a esse problema para justificar desde o controle da atuação de livestreamers à limitação do tempo que jovens podem dedicar a jogos de videogame.
Falando nisso, as questões regulatórias também complicaram a indústria de criadores de conteúdo para a internet, contam Wu Peiyue e Wu Haiyun. Com a situação econômica apertando o setor de tecnologia, o orçamento para pagar por criadores experientes e consolidados começou a esvair. O texto explica a transição entre uma fase de ouro para a criatividade, a posterior de pressão pelos lucros e as atuais demissões.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Arte: o quadrinista taiwanês Huang Liang-Chun, também conhecido como Karmarket, foi assunto de matéria da NeoCha. O estilo excêntrico é combinado com um senso de humor também um tanto peculiar. Não perca.
Televisão: a RadiiChina publicou uma lista com os cinco seriados mais populares de 2022 na China. Bora maratonar?
Acadêmico: a Revista de Economia Contemporânea publicou um artigo, escrito por Luiza Peruffo, André Cunha e Andrés Ferrari, sobre o e-renminbi, a moeda digital chinesa, e o futuro do sistema monetário e financeiro internacional.
Relatório: os pesquisadores Adriana Abdenur, Flávia do Amaral e João Cumarú, da Plataforma Cipó, escreveram um policy brief sobre as exportações de commodities brasileiras para a China e a relação com o desmatamento da Amazônia. Vale também conferir a parte interativa no site.
E a África: episódio do The China in Africa Podcast discute como o continente se encaixa na política externa de Xi Jinping — comentando as sinalizações dadas no discurso do Congresso.