Colagem em preto e branco de 3 fotos: na primeira, vê-se galhos secos por trás de persiana aberta; na segunda. a sombra de uma mulher; na terceira, uma textura de parede.

Crédito: fotos e colagem de Robert Couse-Baker

Edição 181 – Caso Peng Shuai pressiona governo chinês

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

A preocupação com Peng Shuai viralizou e gerou pressão por respostas do governo chinês. No começo do mês, contamos o caso da postagem (não verificada) da premiada tenista chinesa, que denunciava o ex-vice-primeiro ministro Zhang Gaoli por coação sexual. O político foi vice durante o primeiro mandato de Xi Jinping (2013-2018), tendo antes ocupado cargos de destaque no Partido. Na edição passada, falamos como Peng havia sumido de aparições públicas desde a postagem e, alguns dias depois, fizemos um fio no Twitter sobre o caso. O Escritório de Direitos Humanos da ONU pressionou o governo chinês por respostas e tenistas, como Naomi Osaka e Serena Williams, também postaram a #whereispengshuai. A WTA ameaçou não realizar mais seus (lucrativos) eventos na China e pediu não apenas a investigação do caso, mas que Peng se pronuncie sem coerção ou intimidação. A organização do Torneio de Wimbledon também se manifestou.

Toda a pressão internacional começou a gerar respostas da mídia chinesa, que andava quieta sobre a questão. Primeiro, foi divulgado um suposto e-mail de Peng para o CEO da WTA, Steve Simon — que não botou muita fé na sua autenticidade, assim como os netizens que notaram um cursor de texto no print compartilhado pela CGTN, o que gerou mais ceticismo e piadas. Em nova tentativa de acalmar os ânimos, o editor do estatal Global Times, Hu Xijin, “adquiriu” e postou no seu perfil dois vídeos de Peng em um restaurante no sábado (20). Nos vídeos, pessoas repetem bastante a data da filmagem, uma artificialidade que gerou mais piada nos círculos da mídia. No domingo (21), um vídeo de Peng assinando autógrafos para jovens tenistas também circulou amplamente entre jornalistas de veículos estatais chineses. Contudo, a preocupação segue para muita gente, já que nenhuma das postagens foi feita pela própria Peng.

O caso ganhou ainda mais escrutínio em meio à já controversa realização da Olimpíada de Inverno, então os pedidos de boicote voltaram à pauta. O The New York Times conta que Biden estaria considerando um boicote parcial, ou “diplomático”: sem a presença de autoridades do governo, mas com a possibilidade de atletas ainda participarem. No final do domingo (21), o Comitê Olímpico Internacional divulgou que fez uma ligação com Peng, na qual ela afirmou estar bem e em casa, pedindo privacidade. Até o momento, não se sabe se haverá investigações sobre a acusação de coação sexual por parte de Zhang Gaoli, já que não houve manifestação oficial das autoridades.

Corra que a privacidade a vem aí O medo da regulação no setor acelera na corrida pela abertura de capital de empresas chinesas que usam Inteligência Artificial para reconhecimento facial. É o que diz esta matéria da Caixin, focando no quarteto SenseTime, Megvii, CloudWalk e Yitu. A volatilidade do mercado e a competição tecnológica têm afastado investimentos nas quatro, que podem se ver em uma situação complicada se uma legislação regulando o uso de IA para reconhecimento facial sair do papel. Na última edição da ChinaAI, Jeffrey Ding contribuiu para a discussão atual com uma tradução não oficial para o inglês do texto do professor Weijun Liu sobre a necessidade de regulamentação do setor. Vale lembrar também que, em agosto, foi aprovada a lei de proteção de dados chinesa (ou PIPL, na sigla em inglês) e, em outubro, foi publicado um conjunto de orientações éticas para o uso de algoritmos de IA.

O tema da regulação do reconhecimento facial na China é algo que já cobrimos algumas vezes e que tem ganhado espaço no debate público, como discute esse texto de Tristan Brown, Celine Sui e Alexander Statman.

Depois de quase duas semanas de expectativas, o PCCh finalmente publicou a famosa terceira resolução histórica, sobre a qual falamos nas últimas edições. O texto passa agora a ser incorporado ao documento que conta a história oficial do partido. Como esperado, o tom foi de consolidação de Xi Jinping no poder — mas não apenas isso. Vale destacar a forma como a resolução fala sobre um dos episódios mais dolorosos para a história do partido: a Revolução Cultural. Os erros são atribuídos a Mao Zedong, mas recaem também sobre os contrarrevolucionários Lin Biao e Jiang Qing, que “se aproveitaram dos erros de Mao”, o que resultou em “dez anos de agitação doméstica, fazendo com que o Partido, o país e o povo sofressem as perdas mais sérias”.

Se você quiser ler o documento completo, a Xinhua disponibilizou aqui em inglês, além dos comentários de Xi Jinping sobre a resolução. No The New York Times, o ex-correspondente do jornal na China Chris Buckler fez comentários sobre o texto. O Council on Foreign Relations também publicou uma breve análise acerca do significado do documento para a política externa chinesa nos próximos anos.

Por falar em documentos oficiais, após a reunião do Politburo na semana passada, o partido também divulgou textos sobre um tema sensível e importante para a China: segurança nacional. Você pode ler esses textos sobre temas militares, segurança e ciência e tecnologia neste apanhado feito pelo China Neican.

De olho no carbono zero. É chover no molhado falarmos aqui sobre a meta do governo chinês de zerar as emissões de carbono até 2060. O que todo mundo se pergunta é como fazer isso, já que o país é bastante dependente de carvão como fonte de energia. Uma forma encontrada agora por Pequim para driblar essa realidade foi dar garantias de linhas de crédito. O Banco Central Chinês vai liberar 31 bilhões de dólares (R$ 174 bilhões) em crédito para que bancos públicos ofereçam linhas de financiamento com taxas especiais para iniciativas que usem carbono de forma menos poluente. Eles cobrirão áreas como mineração inteligente, usinas termelétricas com maior eficiência e aquecimento doméstico e empresarial com uso de fonte mais limpa.

Os resultados da conversa Xi-Biden. Nossa última edição foi distribuída horas antes do diálogo entre os líderes das duas maiores economias do globo, então trazemos aqui o que se comentou sobre o tão esperado “encontro”. Ainda que por meio de videoconferência, essa foi a primeira vez que Xi Jinping falou longamente com Joe Biden desde que ele assumiu a Casa Branca, em janeiro deste ano. Como era esperado, entre os principais pontos esteve Taiwan, já que Biden havia deslizado em afirmações contraditórias sobre o que ele pensa em relação à ilha. O presidente estadunidense negou que seu país apoie a independência de Taipei, diferentemente do que declarou recentemente.

Um dos pontos que pode ser modificado em breve, após a conversa, é a concessão de vistos para jornalistas, tanto por parte dos chineses quanto dos estadunidenses. Isso significaria uma mudança relevante em relação à postura de Donald Trump, que impôs dificuldades para entrada de profissionais de imprensa do país asiático — o que foi, é claro, retribuído por Pequim. Além de política, a videoconferência também tratou de arsenais nucleares e sobre a disputa econômica entre os países. A DW faz uma análise sobre como ficam as disputas neste campo no futuro. Já a Bloomberg diz neste texto que EUA e China parecem ter concordado em algumas mudanças em torno do preço do petróleo e controle da inflação.

O China Neican fez um compilado interessante sobre a forma como o encontro foi oficialmente reportado por cada um de seus governos, vale conferir. A Reuters mostrou que, horas antes dos líderes começarem a conversa, um estadunidense detido na China havia quatro anos foi liberado pelas autoridades, e sete pessoas detidas nos EUA foram deportadas para a China, no que seria um primeiro resultado concreto das tratativas bilaterais.

Por falar em Taiwan, as relações da China com a Lituânia azedaram de vez após o governo do país europeu permitir a abertura de uma embaixada taiwanesa em sua capital, Vilnius. Em agosto, tínhamos falado aqui que Pequim havia convocado seu embaixador na Lituânia após a sinalização de que isso poderia acontecer. Agora, em resposta à ação do país báltico, Pequim rebaixou a relação diplomática com Vilnius, diminuindo sua representação local ao substituir o embaixador por um encarregado de negócios.

Atualização: na newsletter enviada para nossos assinantes, falamos que a Lituânia teria aberto embaixada em Taipei.

As eleições no Chile vão afetar a China? A disputa presidencial chilena que ocorreu no domingo (21) é considerada uma das mais importantes da história do país, como conta o El País. Os principais candidatos são José Antonio Kast (de extrema-direita e apoiador do ex-ditador Augusto Pinochet) e Gabriel Boric (de esquerda). Contrariando a postura de muitos políticos de algumas correntes da esquerda latino-americana, Boric já foi publicamente crítico ao regime chinês em mais de uma ocasião nas suas redes. Já Kast ameaçou expulsar embaixadores de Cuba e da Venezuela caso ganhe, mas admitiu que, no caso da China, não seria bem assim, por questões econômicas. O país asiático é o maior parceiro comercial do Chile, que, graças a essa parceria, atingiu ampla imunização (com vacinas chinesas) em velocidade superior ao restante da América Latina. 

O principal motivo para Pequim prestar atenção nesse resultado é a política de exploração de cobre e lítio, elementos importantes na produção de baterias de veículos elétricos, cuja produção (e exportação para a China) é forte no país latino-americano. Em 2018, a mineradora privada chinesa Tianqi comprou 24% da gigante chilena SQM, garantindo uma presença significativa no Chile. Na semana passada, o diretor da Tianqi, Frank Ha, comentou sobre as percepções erradas sobre o setor de lítio, a empresa e a sua atuação, comentadas durante as eleições. Ele falou sobre confiar que o Estado chileno seguirá com uma visão de longo prazo a respeito do desenvolvimento do setor.

Falando em mineração, uma longa matéria do The New York Times discute a presença chinesa na República Democrática do Congo para extrair cobalto (algo sobre o qual já falamos recentemente). O foco da reportagem é analisar como o setor de veículos elétricos e de energia limpa pode deixar pegadas perigosas pelo mundo, desde poluição a explorações que ecoam relações desiguais entre colônias e metrópoles. O país, que foi palco de um genocídio na mão da Bélgica, no final do século XIX, e sofreu com violentas guerras civis no século XX, possui dois terços  da produção de cobalto no mundo. A principal mineradora chinesa por lá, a estatal China Molybdenum ou CMOC, está sob investigação do governo congolês por suposto desvio de dinheiro de royalties.

Trocando aulas por vegetais. O crackdown no setor educacional foi tema de muitas de nossas edições por aqui. Há pouco mais de uma semana (14), o CEO do grupo New Oriental, Yu Minhong, anunciou por meio de uma live que a empresa, até então líder do setor, passará a investir em agricultura. A ideia é empregar alguns dos professores, como mostra esta reportagem do Radii China.

Muito além do céu. É clichê repetir a frase de Mao Zedong sobre as mulheres chinesas, dizendo que elas “carregam meio céu”. Mas quando Ye Shuhua decidiu ser astrônoma em 1951, o céu não foi um espaço em que ela se sentiu bem-vinda. Este texto da Sixth Tone conta a relevância do trabalho dela para a astronomia moderna — e ainda traz uma entrevista com a própria Ye. Ainda muito antes dela, nos tempos imperiais do século XVIII, outra mulher que rompeu com padrões da época foi Wang ZhengYi: além de astrônoma, ela também foi matemática e poeta. Se você nunca ouviu falar dela, vale conferir esta publicação recente que fizemos em nossa conta do Instagram. 

Você já leu os agradecimentos numa tese de doutorado? Durante a semana passada, o pré-textual da tese em engenharia civil de Zhong Jitao foi amplamente compartilhado nas redes, como conta o What’s on Weibo. Nele, Jitan fez um emocionante relato de sua origem no interior da província de Shandong, dos sacrifícios dos seus pais e de seu irmão mais velho e do seu receio por seguir carreira acadêmica. Os agradecimentos geraram discussões no Weibo sobre o mercado de trabalho em crise e a culpa de uma geração que teve mais acesso à educação que seus pais. Bateu na China, mas ecoou no Brasil.

Os chineses estão revolucionando a literatura. Nem estamos falando do nosso Clube do Livro mensal, mas sim da popularidade das webnovels no país e no mundo. Elas viraram fonte de inspiração para uma série de programas de televisão, principalmente a partir de 2010, como explora esse texto do Magpie Kingdom. Mais recentemente, a série hit Os Indomáveis é um bom exemplo de adaptação — o que alimentou a procura pela obra, que está sendo traduzida para o inglês. O que chama atenção é o modelo de produção dessas histórias, que permitem pagamento por cada capítulo à medida que é publicado, e o acesso rápido aos fãs. Outro fator interessante é que, sem o crivo do mercado editorial, abre-se espaço para cobrir temas diferentes e de formas mais criativas. A matéria da Protocol conta como o setor de livros escritos online virou multibilionário na China e cada vez mais abre asas para o exterior com muito sucesso, explorando apps próprios para mercados locais. Por falar nisso, vale resgatar aqui este texto do Radii China que publicamos em junho sobre como voluntários estão traduzindo webnovels do mandarim para outros idiomas.

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Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

China, Torre de Babel: estudo diz que os idiomas turco, coreano e japonês teriam surgido no Norte da China. Confira

Som muito doido: a matéria da Sixth Tone explora o “hyperpop”, uma nova tendência musical na China. Quando Jiafeng apareceu no palco de um reality show, ele colocou em evidência uma divisão entre gerações musicais. Ouça a música Ai Ni Ai Dao 愛你愛到 aqui

Sem carne, por favor: uma entrevista com a pesquisadora Gina Song Lopez sobre a expansão do vegetarianismo e do veganismo na China continental, Hong Kong e Taiwan.

Fotografia: a Radii traz uma série de imagens da vinicultura na região de Ningxia, local de origem de muitos vinhos premiados, e conta um pouco do crescimento desse setor por lá.

Pisa fundo: Zhou Guanyu foi contratado pela Alfa Romeo e será o primeiro piloto chinês na história a competir em tempo integral na Fórmula 1 a partir do ano que vem.

Imagem de fundo vermelho, com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 投鼠忌器 - tóu shǔ jì qì.
A expressão quer dizer literalmente “jogar algo num rato, mas com medo de quebrar um vaso”. Ela é usada quando alguém toma cuidado em tomar alguma decisão que pode gerar efeitos colaterais inesperados
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