Edição 228 – Com vitória reconhecida pela China, Lula estuda visitar Xi
Acabou, mas o Congresso ainda dá o que falar. A economista política Yuen Yuen Ang escreveu um texto opinativo para o The New York Times argumentando que a confirmação de Xi Jinping em seu terceiro mandato simboliza o fim da era de “Abertura e Reforma”, inaugurada por Deng Xiaoping após a morte de Mao Zedong. Mas o que vem a seguir? O China Policy coloca a Prosperidade Comum no centro do debate daqui para a frente e o MERICS comenta sobre os desafios para implementar as reformas econômicas enunciadas no Congresso. No podcast Antes Que o Mundo Acabe, os shumianers Aline Tedeschi e Bruno Gomes Guimarães falaram sobre o resultado e a política doméstica e externa de Xi. Já o South China Morning Post mostra como a questão de segurança será a chave dos compromissos do PCCh sob o terceiro mandato de Xi. O jornal afirma isso com base no fato de dois nomes importantes na área de segurança, incluindo Chen Wenqing (que já serviu como agente de inteligência) terem ascendido ao Politburo.
O China Power do CSIS também publicou uma avaliação inicial das mudanças na Comissão Militar Central (CMC) do PCCh, notando que a nova composição traz um domínio do Exército sobre as demais forças, que não têm mais representantes no órgão. O instituto também ressaltou que os critérios para a composição da CMC parecem ter sido experiência operacional, foco em ciência e tecnologia e lealdade a Xi. Por falar em cargos e em promoções, o The Japan News analisou textos da Xinhua sobre o processo de escolha das lideranças do PCCh e concluiu que já não se vê mais a influência de líderes antigos como Jiang Zemin e Hu Jintao. Por fim, a Xinhua disponibilizou a tradução oficial para o inglês do Relatório do 20º Congresso Nacional do PCCh.
Shanghai quer mais. Ainda assombrada com o impacto das políticas restritivas contra a Covid-19, Shanghai quer virar a chave. No dia 11 de outubro, a cidade lançou um plano sobre como pretende se tornar um polo industrial de inovação no país (e talvez no mundo). Para isso, segundo o China Policy, a ideia é abrir centros de pesquisa e inovação como foco em “indústrias do futuro”. A lista traz até a busca do desenvolvimento da tecnologia 6G. Parece ambicioso? Está bem alinhado com as expectativas do governo central, que promoveu o prefeito de Pequim, Chen Jining, a chefe do PCCh em Shanghai. Como conta o SCMP, o movimento parece fazer parte de uma estratégia de colocar figuras com vínculos com ciência e tecnologia em posições-chave no país. Chen foi secretário do meio ambiente na capital antes de ser prefeito e é considerado responsável pela melhora da qualidade do ar na cidade.
Indústria de games em maus lençóis. De julho a setembro deste ano, as vendas de jogos na China caíram 19% em comparação com o mesmo período de 2021 e há uma expectativa que 2022 seja o primeiro ano de queda em duas décadas. O principal responsável é o setor de jogos de celular, que representa ⅔ do mercado de games no país. A tendência de queda é mundial, mas está mais acentuada na China, onde não só as licenças para novos jogos estão dificultadas, como jogadores estão dedicando menos tempo e dinheiro à atividade. Nesse cenário de desaquecimento do mercado, desenvolvedores chineses estão procurando intensificar sua internacionalização para contornar a queda de rendimento, como conta a Caixin.
Eleição de Lula vai reaproximar Brasília e Pequim? A confirmação de que o ex-presidente Lula comandará o Brasil pelos próximos quatro anos é vista como um bom sinal para as relações com o país asiático, principal parceiro comercial brasileiro. Ainda que durante a gestão Bolsonaro os negócios não tenham ido mal, a relação bilateral se manteve fria e protocolar. O correspondente Marcelo Ninio escreve que Pequim aguarda a volta do Brasil ao mundo. Em coluna para o Poder 360, o pesquisador e ex-assessor de Dilma, Thomas Traumann, diz que Lula planeja ir ao país asiático ainda antes de tomar posse em 1º de janeiro. Xi Jinping esteve entre os líderes que já cumprimentaram o petista por sua vitória. Também na literatura houve comemoração: Xiran Jay Zhao, cuja obra lemos recentemente no Clube do Livro, celebrou a vitória do ex-presidente.
Ainda sobre as relações sino-brasileiras, o think tank Carnegie Endowment for International Peace publicou uma análise do economista Celio Hiratuka sobre como o Brasil vem tentando diversificar sua produção industrial através de exigências de conteúdo local e como isso afeta as empresas chinesas. O trabalho faz parte de uma série de publicações que discutem a inserção econômica chinesa no mundo, explicada neste fio.
A China fechou um “centro de serviços policiais” em Dublin após ordem do governo irlandês. A instalação operava no centro da cidade sem autorização das autoridades do país europeu e está ligada à denúncia, que trouxemos na semana passada, de que Pequim teria estabelecido delegacias no exterior para controlar dissidentes ao redor do mundo. Diversos países, entre eles Portugal, Alemanha, Países Baixos, Canadá e Espanha, começaram a investigar a atuação desses “centros de serviços policiais” em seus territórios. Em todos os casos, as autoridades chinesas negaram as acusações, e ainda não surgiram evidências que as corroborem. Segundo Pequim, as unidades foram criadas para facilitar a cooperação policial transnacional e a prestação de serviços como renovação de documentos a cidadãos chineses no exterior.
A primeira visita de chefe de Estado a Xi Jinping após confirmação do terceiro mandato veio do Vietnã. A convite da China, Nguyen Phu Trong, Secretário-Geral do Partido Comunista do Vietnã, realizou uma visita de três dias a Pequim, que deve se encerrar nesta quarta-feira (2). Xi e Trong se encontraram na segunda (31) para discutir a parceria bilateral e ambos destacaram sua rejeição à interferência estrangeira em assuntos domésticos. Chamou bastante atenção a pompa pouco comum com que o líder vietnamita foi recebido, como ressaltou Sebastian Strangio no The Diplomat. Segundo análise de Nian Peng, a visita sinaliza que o governo vietnamita não deve se juntar aos esforços estadunidenses de contenção da China.
Erro de tradução ou má fé? Uma reportagem sobre as origens da Covid-19 publicada em parceria pela Pro Publica e a Vanity Fair não para de receber críticas. A investigação do suposto vazamento do laboratório em Wuhan, anunciada em tom de “descobertas explosivas”, tem como base uma interpretação feita por Toy Reid, um analista do Departamento de Estado dos EUA especializado em China. Reid teria encontrado em um texto oficial do PCCh as primeiras “evidências” de que o coronavírus estaria ligado a um erro de pesquisa em laboratório. O foco dos comentários negativos vem de entendedores do mandarim, que reclamam da má tradução e do mau entendimento do documento do Partido que é a base da investigação — que está vinculada a uma equipe de pesquisa financiada por Republicanos do Senado dos EUA. Após a publicação, tradutores foram contatados para revisar a matéria e comparar com o material original. Ainda não há retificação sobre os erros identificados, o que a ProPublica disse que irá fazer, ao mesmo tempo que defende a crítica feita por Reid do contexto da opacidade das informações oferecidas pelo governo chinês, como conta a Semafor.
Trabalhadores em fuga. O grande assunto nas mídias sociais chinesas neste final de semana foram as imagens do êxodo de centenas de trabalhadores de uma fábrica da Foxconn em Zhengzhou. As fotografias e vídeos mostram pessoas caminhando por avenidas vazias com seus pertences, por receio de serem detidas em checkpoints de Covid-19 caso usassem transporte público. Desde então, a situação evoluiu rapidamente: no domingo (30), a Foxconn confirmou a circulação do vírus em suas fábricas e anunciou que disponibilizaria transporte para os trabalhadores que quisessem deixá-las; na terça (31), passou a oferecer incentivos financeiros para quem quisesse continuar trabalhando; nesta quarta (2), o governo declarou lockdown de uma semana ao redor da fábrica, afirmando que a situação é “severa e complicada”. Metade dos iPhones do mundo é montada nessas instalações onde trabalham 300 mil pessoas. Além da apreensão na Foxconn, há também a preocupação de que os trabalhadores que se retiraram estejam infectados e levem o vírus para suas cidades.
Não apenas na fábrica da Foxconn o temor de políticas restritivas contra a Covid-19 tem sido um problema. Visitantes da Disney, em Shanghai, estão (de novo) impedidos de deixar o parque até que testem negativo para o vírus. A capital da província de Qinghai, Xining, está em lockdown. Sobrou até para Wuhan, onde tudo começou, onde o governo local anunciou o fechamento da cidade por cinco dias. Isso tudo não tem acontecido de forma pacífica e protestos contra medidas restritivas chegaram até a Lhasa, capital da região autônoma do Tibete, onde raramente há qualquer tipo de manifestação contra o governo, devido à forte vigilância e controle do estado.
Para além disso, a economia de Hong Kong não vai bem, chegando à sua pior contração desde 2020: uma queda de 4,5% do PIB nos meses de julho a setembro em comparação com o mesmo período no ano anterior, conforme divulgado na segunda-feira (1). Algum otimismo ressurgiu por conta de uma cúpula bancária que está sendo sediada nesta semana na região, mas a adesão ao evento por grandes nomes do mercado foi motivo de protesto por parte de políticos dos EUA e ativistas, que afirmam que a participação seria uma forma de apoio às políticas de Pequim em relação à região desde 2019. Seja por isso ou para evitar as limitações impostas pelas medidas antiCovid-19, nomes importantes já cancelaram a ida ao evento. Segundo o último levantamento da Hong Kong Free Press, ao menos 3 mil pessoas, sendo 517 menores de idade, já foram processadas por envolvimento nas manifestações de 2019.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Halloween: Covid-19 até nas comemorações de dia das bruxas na China. Teve gente fantasiada de código vermelho e testes de infecção e proibição em balada de Shanghai de fantasias “astronautas” antiCovid-19.
Fantasmas que amam: na toada do Dia das Bruxas, o Sixth Tone resgata o filme de 1987 A Chinese Ghost Story, falando sobre como a obra de Hong Kong é uma adaptação de Nie Xiaoqian, escrita na dinastia Qing. Spoiler: fala sobre amor e fantasmas.
Tradução: em 1989, logo após os protestos em Tiananmen, Xi Jinping escreveu um texto sobre arte, política e o Estado. A jornalista Eva Dou encontrou a publicação e o ChinaTalk divulgou uma versão para o inglês, com referências a fatos mencionados por Xi. Um deles é a excelente história sobre uma obra da artista Xiao Lu, que chocou a China alguns meses antes das manifestações. Vale passar um cafezinho.
Polêmica: a exposição Sex Stories do artista Ning Wen causou muita controvérsia em Taipei por discutir sexo através de fotos de conteúdo adulto. Entenda o que aconteceu e contemple as obras de Ning nesta matéria da NeoCha.
Para se aprofundar: em março, contamos sobre o projeto “Dados do Leste, Computação do Oeste” (ou Eastern Data, Western Computing), que pretende conectar a China de ponta a ponta através da infraestrutura de dados. Na Cloudology, Zac Haluza aprofunda o tema, explorando um relatório recente do governo.