Edição 259 – Tensão na Rússia também ecoa na China
Comida em pauta. Nesta segunda-feira (26), as autoridades parlamentares chinesas iniciaram a discussão de uma nova legislação acerca de segurança alimentar. O tema foi um dos focos do último encontro das Duas Sessões, ano passado. Os membros do Comitê Permanente da 14ª Assembleia Popular Nacional irão analisar a proposta, que inclui novas regras para a terra que poderá ser usada para plantações e estratégias para evitar o desperdício e manter o fornecimento de grãos, por exemplo. No início do ano, na ONU, o embaixador Zhang Jun enfatizou a necessidade de atenção global para a segurança alimentar, especialmente pelo perigo de criar crises humanitárias, e criticou a financeirização do setor de alimentos.
E se a segurança alimentar é pauta, não dá para esquecer das mudanças climáticas. Começaram as ondas de calor do verão na China, afetando a agricultura e a colheita deste ano, inclusive com animais morrendo pelo calor. Em Pequim, houve recorde de 41 graus registrados em junho, e outras cidades ao redor também estiveram em alerta. No início do ano, as autoridades chinesas haviam avisado sobre o risco de eventos climáticos extremos em 2023, como ondas de calor, enchentes e chuvas intensas – o que tem se mostrado verdade, como conta esta matéria do The Guardian. No verão do ano passado, cidades chinesas já sofreram com ondas de calor extremo seguidas de enchentes. Especialistas sinalizam que o governo central e os locais precisam se preparar para essas situações.
Em Paris, foi hora de discutir um pacto financeiro para o meio ambiente. Realizado entre os dias 22 e 25 de junho, a Summit for a New Global Financial Pact reuniu diversos líderes de Estado e figuras importantes, inclusive o premiê chinês Li Qiang – que discursou durante o evento, pedindo cooperação global para enfrentar as mudanças climáticas. Para o China Dialogue, You Xiaoying escreveu um artigo discutindo o papel da China no evento, como um ator importante e que tem uma visão diferente dos costumeiros países credores do Norte Global. A diplomacia ambiental chinesa é algo que entra nas prioridades do país e é citada no Pensamento de Xi Jinping da política externa, como relata este texto do Sinocism.
Além do evento multilateral, Li aproveitou a viagem para estreitar os laços com a França. Li também esteve na Alemanha, onde se encontrou com autoridades e representantes de empresas alemãs, marcando um momento importante da relação ao relançar as consultas bilaterais (paradas desde a pandemia), como conta o The New York Times. O primeiro-ministro Olaf Scholz esteve na China logo após a reeleição de Xi Jinping, inaugurando as visitas europeias ao mandatário. Esta viagem de Li vem num momento tenso das relações comerciais (como já havíamos comentado), em que a Comissão da União Europeia sinalizou para os países membros que os equipamentos das chinesas ZTE e Huawei oferecem riscos maiores do que outras empresas da lista de fornecedores de rede 5G.
O motim de paramilitares na Rússia ecoou em Pequim. Na sexta (23), o grupo Wagner – uma força de segurança contratada e até então aliada ao governo russo para atuar na guerra da Ucrânia – começou a marchar até Moscou em algo que talvez tenha sido uma tentativa de golpe, talvez tenha sido só um protesto. As notícias logo começaram a ser difundidas pela mídia estatal chinesa, além de comentadas nas redes sociais. Este fio de Wen-Ti Sung mostra um resumo de como houve ênfase na mídia da China em evitar indicar instabilidade, e esta matéria do The Guardian também discute o tema. As reações populares online foram mais intensas e diversas entre as pessoas pró-Rússia e pró-Ucrânia, algo mostrado também pelo What’s On Weibo. Para o Atlantic Council, diversos especialistas indicaram o que a situação pode significar para Xi: ampliação da distância com países ocidentais e aproximação com a Rússia. De fato, o país ofereceu apoio a Putin no domingo (25), durante uma coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores.
28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+. A experiência das minorias que não se identificam como heterossexuais ou como cisgênero na China é algo que aparece bastante na nossa newsletter. Contudo, as celebrações e paradas temáticas estão em pausa no país nos últimos anos, como conta esta matéria da BBC, que oferece também um panorama de desafios recentes. A famosa (e enorme) parada em Shanghai, por exemplo, foi cancelada em 2021 e nunca retomou as atividades, após 12 anos desde a primeira edição, em formato mais de festival do que de parada, em 2009. Bom, esse artigo de opinião discute que a comunidade LGBT+ chinesa não precisa de paradas “ocidentais”, mas sim de aceitação – e que isso se manifesta no país de maneira diferente e que observar pelo prisma ocidental pode beirar ao orientalismo.
r/China. Reddit: para alguns, um lugar tóxico; para outros, a única maneira de encontrar conteúdo relevante na internet; para um grupo de pessoas chinesas, um espaço livre para falar sobre a China – mesmo que de fora do país ou usando VPN. r/China_irl, um subreddit (fórum hospedado na plataforma) em língua inglesa popular com esse perfil de usuário, tem 180 mil assinantes, como mostra uma reportagem da Rest of World. O apelo do site junto a esse público se dá pela moderação comunitária, o modelo de discussão baseado em interesses compartilhados e a visibilidade que é oferecida a pessoas comuns. Muitos desses usuários frequentavam um fórum chinês, Kai Fang Qu, banido há 4 anos, e perceberam que suas opiniões sobre a China foram ficando mais críticas no Reddit. Com grandes poderes (para postar o que quiser), vêm também as grandes responsabilidades: ao contrário dos fóruns chineses, o Reddit permite que se poste de um tudo, e moderadores se vêem cada vez mais confrontados com posts sinofóbicos e outros conteúdos de ódio.
Tour tiro, porrada e bomba. Neste mês, a Shein convidou 6 influencers de moda e beleza estadunidenses para visitar seu centro de inovação em Guangzhou e um centro de distribuição em Zhaoqing. Até aí, normal. O que causou alvoroço foram as afirmações que as jovens fizeram em seus posts: de que as condições de trabalho nas fábricas da marca seriam ótimas (“eles nem suam!”), que só ouviram depoimentos elogiosos dos funcionários e que dizer o contrário seria uma narrativa usada nos EUA contra a marca. Muito rapidamente, seguidores começaram a encontrar indícios de que os cenários e pessoas escolhidas para a visita talvez não fossem tão autênticos quanto as jovens afirmavam e que elas estavam fazendo um trabalho de limpeza de imagem para a empresa – algo de que a Anitta também vem sendo acusada. Talvez não tenha valido o investimento do time de marketing: algumas influenciadoras acabaram apagando as postagens ou mesmo se retratando, e as redes sociais receberam uma onda de comentários negativos sobre a empresa, relembrando notícias negativas sobre as condições trabalhistas associadas a seus produtos.
Hmm que delícia: os cheiros dos trens lentos são o tema deste texto do pesquisador Cao Yu. Ele relata, com certa nostalgia, a rica experiência de sentir odores de comida e outras coisas mais nos trens na década de 1980, 1990 e 2000.
Arte: saiba mais sobre o artista Du Kun nesta matéria da Radii. Conhecido internacionalmente, ele mistura cultura chinesa (como figuras de deuses e deusas) com influência ocidental, música contemporânea e muito mais.
Música: este fio no Twitter traz recomendações musicais de artistas LGBTQIAP+ de Hong Kong e Taiwan.
Cinema: aproveita e confere também essa lista de filmes de temática LGBTQ+ em mandarim – para treinar o idioma e conhecer essas histórias.
Literatura: e para fechar o trio, que tal leitura queer? Esta entrevista da escritora Jin Zhao para o China Project fala sobre danmei 耽美, as histórias de romance gay entre dois homens e que acumulam fãs – especialmente entre mulheres chinesas.
Voto: a luta pelo sufrágio feminino na década de 1910 nos EUA teve uma imigrante chinesa no centro dos protestos. Essa é a fascinante história de Mabel Ping-Hua Lee. Como mulher chinesa, ela só recebeu o direito ao voto em 1943, com o fim do Chinese Exclusion Act.
Você conhece a tradição das competições anuais de barco-dragão que ocorrem pela Ásia no quinto dia do quinto mês do calendário lunar? O South China Morning Post mostra como são esses eventos em Hong Kong.