Carros passando em avenidas de Shanghai à noite

Edição 275 – China comemora 10 anos do BRI defendendo IA justa e igualitária

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Um respiro. A divulgação dos dados do PIB chinês referente ao terceiro trimestre trouxe um alívio para a onda de pessimismo com a economia do país: houve uma alta de 4,9% em comparação ao mesmo período de 2022. O número foi considerado positivo por estar acima do esperado — 4,4% —, mas um aspecto negativo foi ainda ter ficado abaixo do que foi visto no segundo trimestre do ano: 6,3%. O indicador foi puxado pela alta no consumo e na atividade industrial dos últimos meses, um sinal de que as ações governamentais podem estar surtindo efeito. 

Não é novidade que segurança alimentar é pauta recorrente na China e gera preocupação para o governo. Porém segundo o professor Huang Jikun, diretor do Centro de Políticas Agrícolas da China da Universidade de Pequim, a situação está sendo um pouco exagerada. Em uma palestra recente, Huang desfaz a ideia de que haja uma crise alimentar motivada por problemas climáticos ou por dependência externa de commodities: a China é a maior produtora agrícola de itens como arroz, trigo, frutas e chá — no mundo. Além disso, é a segunda maior produtora de milho e de aves. Ele coloca como desafios principais a escassez de água (o país possui apenas 5-6% de reservas de água doce do mundo e sofre com poluição dos lençóis freáticos) e de terras aráveis ( apenas 8-9% do total mundial), e a dependência da soja. A China importa 85% da sua demanda pelo grão: por isso a busca recente e pesada pela autossuficiência. O pesquisador também critica políticas do governo e vê o comércio internacional como maneira de mitigar possíveis crises. Pega o café e confere essa palestra realizada em junho pelo LabChina da UFRJ sobre segurança alimentar no país.

Política em Taiwan. A celebração do dia nacional do estreito na terça-feira (10) foi cercada de polêmica. Dias antes das festividades, o ex-presidente Ma Ying-jeou, do partido nacionalista Kuomintang (KMT), anunciou em postagem no Facebook que, pela primeira vez em 40 anos, não participaria da comemoração oficial. O motivo foi a mudança do nome em inglês do evento para “Taiwan National Day” — que, segundo Ma, é um indício do separatismo do governo de Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Popular (PDP). Segundo a constituição taiwanesa, o nome oficial da entidade política é “República da China” e a data celebra, originalmente, o início da Revolta de Wuchang que culminaria com o fim do império e início da república na China. Num movimento de morde e assopra, em seu discurso durante a famigerada celebração, Tsai Ing-wen afirmou que é necessário manter o status quo para garantir a paz nas relações inter estreito.

A polêmica ocorreu faltando poucos meses para as eleições nacionais de Taiwan, cujo resultado influencia diretamente as relações com Pequim. A ambiguidade do PDP parece estar funcionando: seu candidato William Lai Ching-te está na dianteira nas pesquisas de intenção de voto e o KMT, principal partido de oposição, já está em complicadas negociações para montar uma coalizão com o Partido Popular de Taiwan. Ainda no âmbito do pleito, autoridades condenaram dois políticos do pequenino Partido Comunista Popular de Taiwan por conspirarem com Pequim. Como informa a revista Time, eles teriam recebido financiamento e apoio geral do Partido Comunista Chinês para tentar influenciar as eleições.

Na comemoração de 10 anos da Iniciativa Cinturão e Rota, o órgão de alto escalão Conselho de Estado da China lançou o primeiro white paper sobre o projeto, chamado The Belt and Road Initiative: A Key Pillar of the Global Community of Shared Future. No documento, a ênfase é em convocar a participação dos países em desenvolvimento para projetos de cooperação internacional, especialmente de infraestrutura. Esta análise do Panda Paw Dragon Claw traz brevemente alguns dos principais pontos. Vale também ler a reportagem da AP sobre como o projeto se transformou: ela traz um BRI mais enxuto, mas também “mais verde”.

Além disso, como comentamos já, Pequim está recebendo uma galera para a 3ª edição do Belt and Road Forum (BARF): são cerca de 4 mil pessoas, vindas de 140 países e de mais de 30 organizações internacionais. Na terça-feira (16), Xi Jinping fez um discurso na abertura do evento durante um banquete. Um dos destaques foi uma chamada para uma nova ordem, fortalecendo o multilateralismo. Outro foi a defesa de uma governança sobre Inteligência Artificial, com a divulgação de uma proposta de estrutura para promover a igualdade de oportunidades para todos os países.

Entre os 4 mil convidados, nem todo mundo é do mais alto nível hierárquico (como mostra este mapa), mas a lista de destaques não deixa de ser impressionante. Vão falar no evento o presidente russo Vladimir Putin e o secretário geral da ONU António Guterres. Entre os representantes latino-americanos estão o presidente chileno Gabriel Boric, a ex-presidenta brasileira e hoje presidente do Banco dos BRICS Dilma Rousseff, e o presidente argentino Alberto Fernandez. Também estarão presentes uma série de primeiros-ministros e lideranças do Sul Global, principalmente do Sudeste Asiático, Ásia Central e África. Da alta liderança da Europa, o primeiro-ministro da Hungria Viktor Orban e o presidente da Sérvia Aleksandar Vucic confirmaram presença. Voltemos à questão: depois de uma década, qual é o futuro da Iniciativa? E o que vem pela frente? Não faltam reflexões.

Em meio à crise no Oriente Médio, na sexta-feira (13), um funcionário da Embaixada de Israel na China foi esfaqueado em Pequim por um homem estrangeiro que não teve sua identidade divulgada. A vítima está em situação estável e o suspeito foi detido pela polícia. Ainda que não se saiba o motivo do ataque, no mesmo dia Israel criticou a posição chinesa sobre a situação em Gaza. Tanto a Embaixada de Israel quanto da Palestina receberam reforços de segurança da polícia chinesa. Na internet (e antes do ataque), o China Digital Times relatou que a conta do Weibo da Embaixada de Israel estava recebendo uma enxurrada de comentários negativos — alguns inclusive altamente antissemitas.

A China segue se posicionando como possível mediadora do conflito. Em telefonemas com líderes do Oriente Médio, o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, condenou ataques à população civil, afirmando que Israel está agindo além da legítima defesa, e pediu mais solidariedade e coordenação por parte de países de maioria islâmica com relação à Palestina. Após confirmar a morte de quatro cidadãos chineses no ataque do Hamas, Pequim também insistiu que o assunto fosse tratado no âmbito do Conselho de Segurança da ONU – o que ocorreu nesta quarta-feira (18). A resolução brasileira para o conflito foi a voto, sendo recebida favoravelmente por 12 países e com abstenção pela Rússia e Reino Unido. O texto foi vetado pelos EUA, resultado considerado “inacreditável” pelo embaixador chinês Zhang Jun. A nossa gerente de mídias e artigos Aline Tedeschi participou esta semana de uma conversa no Jornal GGN sobre a posição da China no Oriente Médio.

A nova estratégia chinesa de biodiversidade envolve o Brasil? O conceito chinês de “civilização ecológica” tem encontrado caminhos convergentes na América Latina. Em dezembro de 2022, a China aprovou o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF), assumindo diversos compromissos de frear e reverter a perda de biodiversidade no país. Tudo indica que essas ações têm saído do plano do discurso e caminhado para ações efetivas. No final de setembro, durante uma reunião geral do Ministério da Ecologia e Ambiente , uma série de documentos políticos importantes foram aprovados no intuito de atualizar o Plano de Ação Nacional para a Biodiversidade, como por exemplo a criação de políticas 1+N voltadas para o gerenciamento de esgoto e demais poluentes que chegam nos rios e mares. Este artigo de opinião do Diálogo Chino, escrito por Niklas Weins, conta como a relação Brasil e China pode ser fortalecida com base nas novas políticas ambientais chinesas.

Pornografia sem limites. O jornal chinês The Paper noticiou que uma série de aplicativos de pornografia (e apostas também!) disfarçados de app de estudo apareceram na Apple Store chinesa. O tema bombou no Weibo, com alguns desses programas (com praticamente nenhuma restrição de idade) subindo para os mais baixados da loja do IOS antes de serem removidos no mesmo dia. Esta não é a primeira vez que algo do tipo acontece. A pornografia é proibida na China e pode levar até à prisão em casos mais sérios. Aliás, vale resgatar esta edição da falecida newsletter Chaoyang Trap sobre o tema.

Ética para inteligências orgânicas e artificiais. O governo chinês aprovou uma regulamentação estabelecendo a criação de comitês de ética para pesquisas de ciência e tecnologia realizadas em “áreas sensíveis”: aquelas que envolvam animais, humanos e inteligência artificial. Em desenvolvimento desde abril, o novo esquema deve entrar em vigor em 1º de dezembro. Segundo o grupo de dez órgãos governamentais envolvidos no projeto, incluindo os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação, o objetivo seria resolver problemas como a falta de clareza sobre responsabilidade nas pesquisas, promovendo um desenvolvimento para “o bem”. O tema está em evidência desde que He Jiankui criou os primeiros bebês geneticamente modificados em 2018, contrariando leis existentes, mas a grande inovação da regulamentação é o enquadramento de pesquisas em inteligência artificial. Como já explicamos, regular a IA pode ser uma forma de fomentar o desenvolvimento do setor na China.

Pegue seu chapéu de papel alumínio e vem entender como um tabloide criado pelo Falun Gong está fazendo fortunas e influenciando pessoas nos Estados Unidos. A NBC publicou na semana passada uma reportagem sobre The Epoch Times, uma publicação de extrema-direita conspiracionista que conquistou o apoio de conservadores dos Estados Unidos, chegando a arrecadar 122 milhões de dólares em 2021 e atingindo a marca de quarto maior jornal do país em número de assinantes — embora o número não seja verificável e alguns “assinantes” recebam o material como spam. Como essa publicação cresceu quase 700% em dois anos de sinofobia nos EUA? O Falun Gong rejeita a ciência moderna, a homossexualidade, o feminismo, a vacina contra a Covid-19… Com essa agenda ultra-conservadora e uma estética de jornal sério, o impresso circula também no Canadá e em alguns países do norte europeu. A empresa responsável pelo The Epoch Times, uma organização sem fins lucrativos, também banca a produtora de vídeos New Tang Dynasty e a trupe de dança Shen Yun — que você talvez conheça de infindáveis anúncios no YouTube.

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Documentário: o premiado diretor chinês independente Wang Bing lança dois novos documentários em 2023 — Youth (Spring) e Man in Black. O primeiro é sobre trabalhadores de fábricas de roupas íntimas e o segundo sobre o compositor Wang Xilin. O crítico Siddhant Adlakha escreveu sobre os dois filmes.

Fotografia: comentamos por aqui do projeto The Land of Promises, da fotógrafa Youqine Lefèvre. Ela e esse projeto estarão em São Paulo no final de outubro para a Bienal Sesc_Videobrasil.

Música: o pianista de jazz Luo Ning lançou em julho seu novo álbum When Light & Shadow Meet, que mistura canções originais e clássicas. Altamente recomendado.

Pôsteres e caracteres: esta thread no X (ex-Twitter) traz uma análise sobre uso de caracteres e pixels em um poster antigo de uma companhia aérea chinesa. Vale a leitura e diversão para quem se fascina com o universo dos caracteres.  

Seminário: entre 24 e 26 de outubro, a Unicamp sediará o 7º Seminário Pesquisar China Contemporânea. O período para submissão de trabalhos já acabou, mas ainda dá tempo para se inscrever como ouvinte.

 

Em 17 de outubro, a recém-liberta jornalista australiana Cheng Lei deu uma entrevista sobre seus três anos de detenção na China. Cheng trabalhava para o canal estatal chinês CGTN quando foi presa pelo compartilhamento de segredos de estado.

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