Edição 279 – O futuro das relações China-EUA após encontro Xi-Biden
Não é só Maceió. Em junho, a metrópole portuária de Tianjin, no norte da China, testemunhou sinais preocupantes, quando rachaduras surgiram em uma estrada no distrito de Jinnan. Edifícios residenciais nas proximidades começaram a apresentar inclinações, levando à realocação de quase 4.000 moradores após vazamentos de água pelas fendas nas estruturas. O governo chinês tem, há anos, relatado que cidades em todo o país estão experimentando afundamento, com Pequim registrando uma descida notável de quase 36 centímetros na última década. O motivo para isso seria o bombeamento excessivo das águas subterrâneas, ou seja, exploração intensiva das reservas subterrâneas para atender às demandas crescentes de água, impulsionada pelo desenvolvimento urbano na região. É impossível não fazer conexão com o que aconteceu recentemente em Maceió, onde cinco bairros inteiros foram desocupados, sob risco de afundamento, devido a mineração e extração de sal-gema.
Ô loco meu. Dois anos antes das previsões da indústria, a China lançou o serviço de internet mais rápido do mundo — o primeiro da novíssima geração. Com uma velocidade de 1,2 terabits por segundo, mais de 10 vezes mais rápido do que as principais rotas existentes hoje, a rede tem mais de 3.000 km de cabos de fibra óptica capazes de transmitir 150 filmes de longa metragem por segundo, conforme matéria do South China Morning Post. A infraestrutura forma uma rota principal de dados de Norte a Sul do país, entre Pequim, Wuhan e Guangzhou. Segundo apurou a Bloomberg, o projeto faz parte de um plano do governo cuja realização ficou a cabo da Huawei em parceria com a China Mobile, Cernet.com e a Universidade Tsinghua.
Na China também. Popular entre celebridades e motivo de crescimento econômico da Dinamarca — sede da Nova Nordisk que detém a patente do remédio — o Ozempic se tornou uma febre mundial (junto com o Wegovy). A China não é diferente: empresas farmacêuticas chinesas vêm desenvolvendo versões nacionais de remédios voltados para o emagrecimento, como conta esta matéria do Financial Times. Apesar de ter sido criado para o tratamento de diabetes, o Ozempic se popularizou como emagrecedor. E aparentemente está mais barato de se comprar na China do que nos EUA e — mesmo exigindo prescrição — de fácil acesso. Pesquisas recentes indicam que mais da metade da população adulta chinesa estaria “sobrepeso” ou obesa — mas também já comentamos como a gordofobia é um problema forte, especialmente para mulheres.
O aguardado encontro entre Xi e Biden aconteceu e o principal anúncio foi a retomada das comunicações entre militares dos dois países. O assunto estava na pauta de expectativas, mas não deixou de ser celebrado. A conversa dos líderes das duas maiores economias do globo durou quatro horas e aconteceu em São Francisco, onde foi realizada a Cúpula da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC). Outra pauta importante do encontro foi o acordo entre os EUA e a China para controlar a produção de fentanil, substância que tem gerado um grande rastro de dependência, sobretudo nos Estados Unidos. Há indícios de que uma matéria-prima da produção do opioide venha em quantidades significativas da China e empresas do país já foram sancionadas por isso.
Na lista de assuntos entre os dois países também entrou meio ambiente, inteligência artificial e, claro, questões comerciais. Biden deixou claro que os EUA veem a China como competidora, sobretudo no âmbito econômico. O estadunidense também não se furtou a chamar Xi Jinping de ditador em conversa com jornalistas após a reunião entre os dois – e não sem críticas chinesas. Apesar de certo ceticismo por parte de quem acompanha as relações entre os dois países, no geral o encontro foi comemorado e vale ler a análise detalhada do Manoj Kewalramani. O ex-embaixador chinês para os EUA, Cui Tiankai, lembrou que seu país topa entrar numa grande pauta de negociações desde que o princípio de um país, dois sistemas (segundo o qual vê Taiwan como parte da República Popular da China) seja respeitado.
Confirmando as expectativas das prévias, o ultradireitista Javier Milei venceu as eleições e será o novo presidente da Argentina. O país vizinho vive um cenário de incertezas domésticas — inclusive com ameaças ao sistema democrático — e sobre suas relações exteriores. Milei já prometeu se afastar da China e trocar o peso argentino pelo dólar. Isso tudo acontece logo depois de o país latino-americano ter sido agregado aos Brics e após a decisão de Alberto Fernández, o atual mandatário, ter assinado a entrada do país na Iniciativa Cinturão e Rota. As notícias até agora dão conta de que a China está “pronta” para trabalhar com Milei. Fica a sugestão para ler este texto do Diálogo Chino sobre o que esperar da relação sino-argentina. O tema também aparece no China Brief, com uma perspectiva de que a questão ultrapassa os interesses comerciais e econômicos.
Alibaba, Shein, Temu. Em comum entre as três está a origem chinesa. Esta série jornalística da Rest of World apresenta diferentes aspectos sobre como as plataformas de e-commerce da China estão fazendo sucesso no exterior — e mirando especificamente no público estrangeiro como forma de escapar da desaceleração da economia do país. As consequências disso são uma competição acirrada com o mercado local (das grandes e pequenas empresas), que não consegue acompanhar os preços surrealmente baratos oferecidos nessas plataformas, enquanto governos vêm estudando como melhor estruturar as regras do jogo.
Com a COP vindo aí, a China tem se preparado para enfrentar pressões crescentes sobre suas ações climáticas. Enquanto a conferência busca discutir medidas para reduzir emissões e adaptar-se às mudanças climáticas, o país terá que responder às pressões externas, especialmente em relação à ampliação de suas ações e sua participação no fundo de “perdas e danos” para compensar os impactos climáticos no mundo. Com a insuficiência dos esforços globais para atingir as metas climáticas, espera-se que a China defenda metas ambiciosas de desenvolvimento de energias renováveis — mas pode resistir a compromissos específicos de redução de combustíveis fósseis. Tudo indica que a cooperação sino-estadunidense e a questão de contribuições financeiras para compensação de danos climáticos em países em desenvolvimento também serão pontos chave de discussão.
De volta a Macau. Com o fim do ano logo ali, Macau tem notado um aumento na população. No final do terceiro trimestre, a população da região atingiu um aumento de 1.700 pessoas, em relação a dezembro de 2019, atingindo um total de 681.300 habitantes. Esse crescimento, destacado pelos últimos dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), reflete a retomada pós-pandêmica, com um significativo aumento de 2.500 pessoas trimestralmente, majoritariamente atribuído ao retorno de trabalhadores não residentes. Com a diminuição das restrições de Covid Zero em 2023, a região tem notado um ressurgimento populacional, com mais de 90% dos trabalhadores não residentes regressando. Apesar disso, a questão das taxas de natalidade tem preocupado, registrando uma redução nos números de nascimento comparados com o ano passado, uma questão que tem sido debatida em toda China.
O ambiente de trabalho não ajuda. O segundo Hospital Afiliado de ZhongShang, um renomado hospital de Guangzhou, temm sofrido pressões da mídia e das associações médicas após três jovens médicos chineses terem sido diagnosticados com câncer – eles trabalhavam no mesmo laboratório dentro do complexo. A notícia viralizou nas redes sociais, com alegações de que os profissionais estariam sendo expostos a condições de trabalho indevidas. O hospital negou que os casos estivessem relacionados ao ambiente de trabalho, mas tem sido questionado sobre ações como a expulsão de um dos médicos de um grupo no WeChat ao revelar seu diagnóstico de câncer e o suposto desmantelamento do laboratório em 8 de novembro após os casos terem ganhado atenção. A Associação Chinesa de Ciência e Tecnologia pediu uma investigação profissional e a pressão tem aumentado para que o hospital forneça uma resposta clara e transparente.
Um problemão. Este texto do The Wire China conta o imbróglio envolvendo os direitos autorais de um dos maiores sucessos contemporâneos da China: a série conhecida popularmente como O Problema dos Três Corpos, de Cixin Liu. O autor vendeu – bem barato – os direitos de adaptação da obra em 2010, muito antes do seu sucesso estrondoso, e agora as inúmeras adaptações mostram que Liu pode ter perdido o controle de muita coisa do universo que criou. Na recente WorldCon, apareceu o tema de desenvolvimento de IP (propriedade intelectual, no inglês) do universo d’O Problema dos Três Corpos — com a empresa responsável bem presente no X/Twittter. Em 2020, um dos produtores executivos chineses da adaptação para a Netflix morreu envenenado, com o principal suspeito sendo um colega envolvido nas negociações do projeto.
Harmonia generacional: jovens chineses abraçam o estilo de vida dos aposentados, adotando a prática de dançar na pracinha com os mais velhos para relaxar e se divertir.
Jornalismo: este texto do China Media Project discute a celebração do Dia do Jornalista na China e os desafios enfrentados pela categoria para “contar boas histórias”. Aliás, a Observa China está com um curso breve para a imprensa brasileira que quer cobrir o país.
Arquivo do povo: o jornalista e escritor Ian Johnson lançará em dezembro o projeto China Unofficial Archives. A ideia é um repositório único de materiais (livros, revistas, vídeos, etc) em domínio público, escritos por chineses fora da história oficial.
Livro: falando em lançamento, o pesquisador Paulo Menechelli lançou em Porto Alegre o livro Diplomacia Cultural Chinesa, pela Editora Zouk.
Falando em adaptação de O Problema dos Três Corpos, saiu uma cena nova da série da Netflix – que será lançada em março de 2024.