Fotografia em cores de detalhe da decoração em templo no Beihai Park, mostrando dois dragões dourados ao redor de uma pedra vermelha.

Foto de Emmanuel Appiah via Unsplash.

Edição 282 – Expectativas para a economia chinesa

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

A semana em Pequim começou com a Conferência Central de Trabalho Econômico, nos dias 11 e 12, com a presença de Xi Jinping e membros do comitê permanente do Politburo. Na avaliação de 2023, foi destacada a recuperação econômica pós-pandemia. Já para 2024, o foco esteve nos desafios oferecidos pela baixa demanda no mercado interno, o cenário internacional complexo, a importância de equilibrar desenvolvimento e segurança, e a luta contra a corrupção e a disciplina no PCCh. É possível ler a transcrição do documento final em inglês aqui.

Enquanto segue a expectativa pela Terceira Sessão Plenária do 20º Congresso Nacional do Partido, sobram especulações sobre os planos para revitalizar a economia e as mudanças recentes nos altos escalões do PCCh. Segundo a newsletter Panda Paw Dragon Claw, recentemente viralizou no WeChat um texto escrito por um suposto investidor em veículos elétricos chineses: com o título “The Economics of Involuted Kings” (algo como A Economia dos Reis Ensimesmados), o post destaca a sabedoria da estratégia nesse setor da indústria chinesa. Já na pauta Xi e PCCh, o tom foi mais polêmico: um editorial da Politico europeia comparou o líder chinês a Stalin, insinuando que sua luta contra a corrupção seria apenas uma forma de se desfazer de desafetos, e chegando a insinuar que Li Keqiang poderia, na verdade, ter sido assassinado. Não pegou bem e rendeu fios com refutações e explicações no Twitter e até um episódio de podcast do Sinocism.

De olho. O Instituto Nacional de Estatísticas da China (NBS na sigla em inglês), similar ao IBGE, encontrou inconsistências nos dados de seis províncias, conta a Caixin. Após uma investigação realizada nos meses de julho e agosto, o Instituto diz que há indícios de fabricação de dados e que os governos locais precisam agir. A análise foi lançada no contexto da conferência econômica do governo central, de forma a também reduzir incertezas para investidores. As autoridades das províncias de Shaanxi, Hebei, Hunan, Heilongjiang, Guizhou e Henan foram alvos da notificação. Desde 2012, o governo central chinês tem dado ênfase ao discurso de melhorar a accountability para prevenir fraudes estatísticas. Segundo o especialista entrevistado nesta matéria do Global Times, a descoberta de dados forjados ainda depende muito de whistleblowers ou denunciantes. Em 2016, o então diretor do NBS, Wang Bao’an, foi removido do cargo sob investigação e posteriormente preso por receber propina.

O flop é irrelevante. Pelo menos na visão do governo de Hong Kong a respeito do baixo comparecimento às eleições para os conselhos distritais da região. Segundo o líder John Lee, 1,2 milhão de votantes é um indicativo de que as tentativas de “sabotagem” falharam. A taxa de participação foi de 27,5%, número mais baixo desde 1997, quando a soberania de Hong Kong foi transferida do Reino Unido para a China. Para efeito de comparação, no pleito anterior para os conselhos, em 2019, 71,2% dos eleitores compareceram, elegendo majoritariamente candidatos de oposição. Ainda na comparação com o voto pré-reformulação para “patriotas“, alguns derrotados naquela ocasião foram agora escolhidos pelo governo para ocupar assento nos conselhos: 25% das vagas que são preenchidas não pelo voto popular, mas por indicação política, foram para derrotados nas urnas em 2019, segundo o Hong Kong Free Press. Mas, de acordo com a estatal Xinhua, insinuar que a votação deste ano foi qualquer coisa que não uma eleição democrática é calúnia da mídia ocidental.

e-Dinheiro para as férias. Os governos da China e de Singapura, através de suas autoridades monetárias, formalizaram um acordo de cooperação para finanças digitais. Uma das iniciativas principais foi a criação de um programa de testes do uso nos dois países do e-CNY entre turistas. Outras iniciativas previstas podem incluem estruturar pontes entre bolsas de valores e permitir que o China UnionPay (empresa que domina a emissão de cartões de crédito no país) se conecte com bancos locais de Singapura para envio de dinheiro. 

Cria-se um clima entre a China e a Europa. Na semana passada (7), aconteceu a 24ª Cúpula UE-China, que reuniu líderes da União Europeia e da China. O evento abordou uma série de questões sensíveis, mas o destaque foi dado às divergências mais significativas: a relação comercial desequilibrada foi um tema central, com a UE buscando igualdade de oportunidades e transparência, enquanto a China expressou preocupações sobre o protecionismo comercial e a iniciativa de “de-risking” do bloco europeu. Xi, que esteve presente, adotou uma postura não confrontacional, reconhecendo a UE como um pólo independente, não um vassalo de outros interesses. Para fechar com chave de ouro (?), a Itália informou oficialmente à China que está saindo da Iniciativa Cinturão e Rota, citando falta de resultados desejados e mudança de prioridades

Milei mudou o tom e parece estar mais disposto a conversas. O novo presidente da Argentina, Javier Milei, ganhou bastante destaque durante a corrida eleitoral pelos seus discursos afirmando que não faria parcerias com países “comunistas”, colocando a China dentro desse pacotão de países a qual seu governo teria algum tipo de aversão. Pequim rapidamente respondeu a algumas dessas mensagens, dizendo se tratar de um grande erro caso ambos os países cortassem relações. Milei foi eleito, e a China enviou o Vice-Presidente do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional, Wu Weihua, para sua cerimônia de posse, onde ele entregou mensagens de felicitações enviadas por Xi. Milei agradeceu ao presidente chinês e pareceu adotar um tom mais amistoso afirmando que o novo governo da Argentina atribui grande importância às suas relações com a China e está pronto para promover ainda mais o intercâmbio e a cooperação aprofundados entre os dois países em vários campos.

O futuro não é animador para os estudantes chineses. Segundo anunciou o Ministério da Educação na terça-feira (6), 11,790 milhões de jovens devem concluir o Ensino Superior em 2024. Olhando para os atuais recém-formados, a perspectiva não é promissora: atualmente, a taxa de desemprego entre pessoas de 16 a 24 chega a 21%. O Chinarrativa relata, em um texto traduzido da The Living, que para uma parcela desses graduados o único trabalho possível tem sido com entregas por aplicativo. Olhando além de 2024, o futuro não dá razões para otimismo: a proibição de aulas particulares em 2021, que buscava diminuir a competitividade na educação, tornou esse recurso mais caro – portanto, acessível apenas para os mais ricos, prejudicando os estudantes mais pobres. Do outro lado da baía, em Hong Kong, o número de mortes de estudantes de escolas primárias e secundárias por possível suicídio atingiu um número recorde na década, segundo indicam os dados dos primeiros 11 meses de 2023. As causas ainda não são conhecidas, mas as autoridades suspeitam que o retorno à normalidade pós pandemia e a pressão por alto desempenho escolar possam estar contribuindo para essa tendência.

Um momento de silêncio. Faleceu no domingo (10) a médica Gao Yaojie, aos 95 anos. Nos anos 1990, Gao trabalhava como ginecologista atendendo mulheres no campo quando começou a suspeitar de uma epidemia de HIV/AIDS no interior da província de Henan. Ela acompanhou em primeira mão vários casos – que relatou ao longo dos anos -, realizou investigações ao visitar pacientes e conduziu entrevistas. Gao foi parte de um grupo que denunciou como a campanha do governo para venda de sangue e as transfusões mal feitas estavam causando transmissões aceleradas entre a população, especialmente na província. O escândalo ganhou o mundo (inclusive pela literatura, com o livro O Sonho da Aldeia Ding, de Yan Lianke) e tornou Gao quase uma celebridade, mas houve pouca repercussão e punição para as autoridades envolvidas – o ex-premiê Li Keqiang, por exemplo, era governador de Henan quando a história estourou em 2000. Ela vivia nos Estados Unidos, onde foi morar em 2009 em autoexílio, após sofrer pressão de autoridades chinesas – assim como sua parceira de luta, a médica Wang Shuping. Gao escreveu um texto na ocasião da morte de Wang, em 2019, relembrando a história do escândalo. 

Os problemas d’O Problema. A expectativa para o lançamento da série baseada em O Problema dos Três Corpos na Netflix é alta – tanto para quem imagina que vai ser ótimo quanto para quem acredita que vai se decepcionar. Enquanto 21 de março não chega, a trilogia sci-fi de Cixin Liu volta a ser motivo de reflexões de todo tipo. Nossa preferida, por enquanto, é este texto da acadêmica Chenchen Zhang no Made in China Journal. A autora aborda aspectos problemáticos da obra bastante conhecidos de quem tem um olhar mais crítico – como os participantes do nosso Clube do Livro de Literatura Chinesa: o machismo, a simpatia por autoritarismo e similaridades com teorias das Relações Internacionais. A reflexão te pareceu boa? Então junte-se a nós para o último encontro do ano, na próxima terça (19), em que discutiremos A Guerra da Papoula, primeiro volume da trilogia de R. F. Kuang; é só clicar aqui e se inscrever.

reforma electoral en Hong Kong

Dicas musicais: vale acompanhar a newsletter Concrete Avalanche, que discute música alternativa contemporânea chinesa.

Relatório: vale conferir este relatório da Concordia AI sobre segurança e mitigação de riscos em inteligência artificial na China.

Arqueologia: a Sixth Tone entrevistou o pesquisador Hao Chunwen sobre os desafios de estudar os manuscritos de Dunhuang, 70 mil peças escritas por pessoas comuns na Rota da Seda há pelo menos um milênio.

Taoismo: cansada de viver momentos históricos? Jogue-se nesta longa reflexão do sociólogo Dingxin Zhao para a Noema a respeito da perspectiva oferecida pela temporalidade taoísta para atores da História.

 

Entrevista recente com Gao Yaojie, em que ela fala sobre os valores que motivaram seu trabalho ao longo de décadas.

 

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