Edição 285 – Eleições revelam uma Taiwan dividida
O partido de situação venceu as eleições presidenciais em Taiwan, em uma disputa acirrada, com apenas 40% dos votos. Lai Ching-te (William Lai na versão ocidental do nome) não terá um caminho fácil pela frente: malvisto por Pequim — ou ainda, interpretado como uma escolha pela guerra em vez da paz —, Lai era o candidato mais avesso a uma aproximação com a China continental. No ano passado, seu vice foi sancionado por Pequim; em seu discurso de posse, porém, o eleito disse que manterá o diálogo de forma “digna e igualitária”. O Ministério de Relações Exteriores chinês respondeu afirmando que a vitória de Lai não muda o fato de que a China continental continua vendo Taiwan como parte de seu território. Vale ler este texto do Ginger River sobre o que a resposta de Pequim às eleições significa.
Além do desafio da relação Taipei-Pequim, Lai terá pela frente muitas questões internas. Seu Partido Democrático Progressista perdeu a maioria no Legislativo, conquistando 51 assentos enquanto o adversário Kuomintang ficou com 52. Uma terceira legenda ganhou espaço, sobretudo com apoio dos mais jovens: ainda sub-representado, o Partido Popular de Taiwan ocupará oito vagas, colocando-se no jogo político como fiel da balança entre DPP e KMT.
O PIB cresce, a população diminui. Segundo dados divulgados pelo governo nesta quarta-feira (17), a economia chinesa cresceu 5,2% no último trimestre de 2023. Para a Caixin, é um resultado que excede o (“mais ou menos 5%”) previsto pelo governo; a Reuters preferiu destacar que a previsão de analistas era maior (5,3%); já a Al Jazeera pondera que, apesar de atingir a meta, o número pode não ser sustentável — tem a crise imobiliária, o baixo consumo, o cenário mundial desfavorável… De quebra, a população segue caindo: 2023 chegou ao fim com 2.08 milhões de chineses a menos que 2022, totalizando 1.410 bilhão de pessoas.
Superlativo. No dia anterior ao anúncio do PIB e da queda demográfica, Xi Jinping apresentou para líderes do governo definições sobre seu plano para tornar a China uma “superpotência financeira distinta dos modelos ocidentais”. Com foco em tecnologia, uma economia sólida e segurança nacional, o que distinguiria o projeto chinês seria a liderança do PCCh e a ênfase no apoio financeiro à economia real.
Try again. No final de dezembro de 2023, a Imprensa Nacional e Administração de Publicações divulgou para comentários públicos o rascunho de uma nova lei sobre videogames. De acordo com analistas, o texto traz apenas uma consolidação de práticas já presentes no mercado local. No entanto, a notícia derrubou as ações das gigantes chinesas do setor: a Tencent caiu 16% e a NetEase, 25%. O problema seria a restrição aos incentivos que os jogos podem usar para reter jogadores — e um certo alarmismo por parte dos investidores, porque o setor vem passando por diversas regulações desde 2021. Após a reação do mercado, Pequim demitiu Feng Shixin, que chefiava o órgão responsável pela divulgação dos documentos, e as ações da Tencent e da NetEase se recuperaram.
Bom demais. Se o mercado imobiliário chinês está tão frio que nem Hong Kong consegue esquentar, o que as construtoras podem fazer? Uma reportagem do jornal Valor explica que as gigantes chinesas estão de olho em oportunidades em infraestrutura e reindustrialização do governo federal brasileiro. A concessão de rodovias, por exemplo, deve trazer ao país investimentos de mais de R$ 12 bilhões ao longo de três décadas. Mas é preciso ter cuidado com promessas boas demais: no final de 2023, um suposto grupo chinês assinou um protocolo de intenções com a cidade de Mataraca, no norte da Paraíba. Como conta a Folha de S. Paulo, a cidade de menos de 10 mil habitantes receberia um investimento de R$ 9 trilhões para a construção, em cinco anos, de um porto e uma megacidade futurista. Após a revelação de que o projeto apresentado a Mataraca seria, na verdade, o trabalho de um escritório dinamarquês para a cidade chinesa Shenzhen, o Ministério Público da Paraíba afirmou que abriu um “procedimento extrajudicial” para investigar o caso.
Melhor resolver antes que sobre pra gente… A China como mediadora não é nenhuma novidade. Desta vez, na última sexta-feira (12), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Mao Ning, anunciou que o país intermediou um cessar-fogo limitado em meio à guerra civil de Mianmar. O acordo foi feito entre a junta militar de Mianmar e a aliança de grupos rebeldes conhecida como a “Aliança das Três Irmandades”. As reuniões de negociação do acordo aconteceram em Kunming e preveem o desengajamento das forças militares, resolução pacífica de disputas e a garantia de segurança nas regiões de fronteira com o território chinês. No entanto, a trégua parece já ter sido rompida, segundo conta a Vox, que também explica quais são os interesses chineses na questão para além da estabilidade na zona de fronteira.
Fim de ciclo? A Microsoft é uma das gigantes de tecnologia dos EUA que conseguiu se manter na China apesar das mudanças nos ventos políticos. Um dos laboratórios de IA mais avançados do mundo acabou sendo criado e desenvolvido em Pequim, desde 1998. Só que os tempos mudaram, a tensão política aumentou e agora existe dúvida sobre o futuro do laboratório e de seus 200 funcionários, segundo esta matéria do The New York Times. Um dos resultados do lab da Microsoft foi a criação da XiaoIce — (sim, ela) uma chatbot que tem mais de 14 milhões de usuários e acabou se tornando independente. Vale ler a história nesta edição do ChinaAI.
O frisson da escalada na China. Alívio do estresse causado pela conhecida longa jornada de trabalho dos chineses, segundo o Sixth Tone, é a motivação para o aumento na procura por aulas de escalada em academias do país. A atividade — chamada por alguns de “meditação numa parede” — tem sido buscada principalmente por jovens, como um esporte para ser feito após o trabalho. A tendência mostra fôlego: o South China Morning Post chegou a fazer em 2022 uma reportagem sobre uma jovem, então com 16 anos, que era o nome do esporte à época e já influenciava a busca pela escalada.
Em Xinjiang, uma mãe levou à justiça a polícia local sob a acusação de tortura. O filho de Ren Tingting, Sun Renze, foi detido em 2018, aos 31 anos, sob a acusação de provocar brigas. Ele foi interrogado por mais de sete horas em uma sala sem câmeras e, segundo a polícia, se engasgou com um copo d’água, entrou em coma e faleceu no hospital. Mas a mãe de Sun identificou que o corpo do filho estava com o braço quebrado, repleto de cicatrizes e hematomas. Após enfrentar uma batalha administrativa por respostas, Ren levou o caso à justiça. Em novembro de 2023, oito policiais do Departamento de Polícia de Yili foram condenados em primeira instância por lesão corporal intencional. Eles devem contestar o resultado, apesar das detalhadas informações sobre a sua atuação durante a detenção de Sun. As autoridades locais já haviam oferecido compensação para Ren, se ela admitisse que não havia culpa da polícia. A reportagem original sobre o caso foi publicada pela Caixin, mas foi retirada do ar. O China Digital Times republicou o texto em mandarim.
Podcast: a jornalista Jiayang Fan foi ao podcast This American Life pôr à prova seu talento de descobrir, pelo sotaque do falante, quando ele migrou da China para os Estados Unidos.
Iniciativa Cinturão e Rota: o pesquisador de relações internacionais Shi Yinhong deu uma palestra sobre as mudanças de prioridades estratégicas da Iniciativa. A newsletter Sinification publicou um resumo.
Torto araders em mandarim: o livro de Itamar Vieira Junior, que ganhou fãs e haters no Brasil, está sendo traduzido para o mandarim e a capa já está disponível.
Estética: a Shanghai dos anos 90 está na moda por conta da série de Wong Kar-wai. Ainda indisponível no Brasil, ela está influenciado o turismo, a gastronomia e até a preservação de dialetos chineses.
A nova série de podcast Dissident At The Doorstep investiga a história do dissidente chinês Chen Guangcheng, uma figura controversa que fugiu para os EUA em 2012 e se tornou um apoiador ferrenho de Trump.