Edição 286 – Em visita ao Brasil, Wang Yi defende unir PAC e BRI
Moscas e tigres. A campanha anticorrupção de Xi Jinping foi uma das grandes bandeiras da sua ascensão em 2012. No dia 8 de janeiro deste ano, Xi fez um discurso para a plenária da comissão responsável pelas investigações (CCDI, a partir de Central Commission for Discipline Inspection) e louvou o sucesso da campanha — que viu uma onda de prisões no final de 2023, especialmente do alto escalão militar. Em sua fala, o líder chinês elogiou as vitórias do que já foi realizado, prometeu ser linha dura, pedindo uma abordagem coordenada entre diferentes setores e enfatizando que uma liderança centralizada e unificada é essencial para o sucesso da campanha. Esta matéria da Reuters discute como as cobranças de Xi podem afetar a economia do país no curto prazo — já que ele reforçou o discurso de fortalecer reguladores e mirar no setor financeiro, energético, imobiliário e de empresas estatais.
Os ricaços da China continental estão trazendo alívio para o mercado de imóveis de alto nível de Hong Kong. Só na semana passada, a venda de duas propriedades para chineses ao norte da fronteira movimentou HKD 1,2 bilhão (R$ 760 milhões). Embora mais de 200 outros imóveis de luxo devam chegar ao mercado em 2024, há razões para cautela entre investidores: em janeiro de 2025, entrará em vigor uma portaria que estabelece o reconhecimento recíproco e o cumprimento de decisões das cortes civis entre Hong Kong e a China continental. O que isso significa: incerteza. Atualmente, Hong Kong mantém sua Lei Básica e um sistema de justiça baseado na Common Law, resultando em diferenças em relação ao sistema chinês – um atrativo para muitos investidores, já que a lei chinesa inclui, por exemplo, limites para gastos de devedores. O direito à propriedade na China Continental foi regulado pelo Código Civil, lançado em 2020, para quem quiser se aprofundar um pouco no tema, vale retomar do que ele trata.
Papel de Inteligência Artificial (IA) — e preocupações — crescem na China. Ainda naquela vibe de retrospectiva de 2023 e compilado de o que vem por aí em 2024, a Sixth Tone publicou um texto sobre como as coisas mudaram em um ano, desde que o ChatGPT foi lançado. O texto, assinado pelo editor Vincent Chow, traz um interessante balanço com principais acontecimentos na área de inteligência artificial e destaca a importância que a questão de segurança ligada à IA tem para a China. Entre os pontos destacados estão os documentos lançados por Pequim recentemente, como a regulação sobre IA generativa, e o fato de o país asiático ser signatário da Declaração de Bletchley, elaborada durante a Cúpula sobre Segurança em IA realizada no Reino Unido, em novembro de 2023.
E por falar em segurança e preocupações, o premiê chinês Li Qiang aproveitou sua fala durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, para passar um recado. Sem fazer menções diretas a nenhum país, o premiê enfatizou que inovações tecnológicas não devem ser usadas para impor restrições a países e defendeu a cooperação internacional. Ainda que Li não tenha mencionado, ficou claro que a mensagem se dirigia a Washington, que tem restringido o acesso chinês ao seu mercado de tecnologia e inovação, especialmente em áreas estratégicas, como semicondutores.
Wang Yi vai ao Brasil e abre espaço para visita de Xi. A visita do chanceler chinês foi recebida por Brasília com entusiasmo. Wang se reuniu com seu contraparte em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e depois esteve com o presidente Lula em Fortaleza, no Ceará. Entre os destaques da visita do chanceler chinês estão a afirmação do governo brasileiro de que apoia o modelo “um país dois sistemas”, no qual Pequim vê Taiwan como parte de seu território. Além disso, houve conversas ligadas ao G20, que será realizado no segundo semestre no Brasil, e sobre conflitos internacionais, como o travado entre Israel e Palestina no Oriente Médio. A revista Exame ainda falou sobre a proposta levada pelo ministro chinês de unir o PAC com projetos do Cinturão e Rota, do qual o Brasil não é membro e tem postergado anunciar uma decisão sobre eventual integração. Por fim, entre as discussões abertas está uma possível visita de Xi Jinping ao Brasil, que poderia acontecer no fim deste ano ou mesmo no início de 2025, ainda sem data prevista.
Vou parar lá em Maldivas… Com o aprimoramento da relação bilateral, agora elevada ao nível de parceria estratégica abrangente — nomenclatura usada pelo governo chinês para o estreitamento de laços políticos e econômicos com outros países – , a China parece ter se tornado queridinha do país insular do Oceano Índico. Mohamed Muizzu, recém-eleito presidente das Maldivas, fez sua primeira viagem oficial a Pequim, onde se encontrou com Xi Jinping e firmou uma série de acordos bilaterais. O Tracking The People’s Daily fez um bom apanhado de como o evento foi noticiado na China. A visita está em linha com a campanha de Muizzu, que prometeu maior aproximação com a China como forma de se contrapor à influência indiana na região. Neste mês de janeiro, o governo das Maldivas solicitou ao governo indiano que retire suas tropas do país. Em resposta, a Índia parece incentivar um boicote ao turismo no país vizinho. Para entender a disputa entre China e Índia por influência nas Maldivas, vale conferir este artigo no The Diplomat de 2022 que diz que há uma “guerra fria” entre Pequim e Nova Delhi na região.
Uma (pequena) vitória diplomática para Pequim. Na esteira das eleições em Taiwan, Nauru— país localizado na Oceania — anunciou na semana passada que, pela segunda vez, deixa de reconhecer Taipei como o governo legítimo da China e estabelece relações com a China continental. As autoridades taiwanesas criticaram duramente o que teria sido uma “surpresa” por parte do país da Oceania (mas parece que só não contaram pra Taipei mesmo). Já Pequim, nada surpreendentemente, manifestou apreço pela decisão de Nauru e pelo comprometimento do país com o princípio de uma só China. A analista Patricia O’Brien explica como o estabelecimento de relações com Nauru é um trunfo político para a China continental. Com isso, agora são apenas 12 países que reconhecem Taipei diplomaticamente — e a lista pode diminuir ainda mais este ano: Tuvalu estaria cogitando trocar de lado.
O Rei dos Chás. Que o Chá é uma das bebidas mais populares na China todo mundo já sabe, mas provavelmente é conhecido o fato de que Wuyishan, um condado montanhoso na província de Fujian, no sudeste do país, é o produtor de um dos melhores e mais caros chás do mundo. Este texto da Cai Yiwen para a Sixth Tone conta um pouco sobre o evento chamado doucha hui ou “batalhas de chá”, onde milhares de produtores, comerciantes e entusiastas se reúnem para escolher os melhores chás do ano. Entre os destaques de Wuyishan está o Da Hong Pao que chega facilmente na casa dos R$ 6.900 por grama ou R$ 49 mil por pote. Cai Yiwen também relata como esse evento se popularizou nas últimas décadas e foi responsável por aumentar a procura dos chás de Wuyishan, assim como os seus preços. Esse boom tem atraído investidores que financiam as competições e buscam criar um “rei dos chás” da China. Lembrando que em 2022 a produção tradicional de chá na China foi incluída na lista de patrimônio cultural imaterial da UNESCO.
Lembra dele? O metaverso reapareceu como algo relevante nas notícias chinesas. O Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT) convocou importantes atores para formarem um grupo de trabalho (GT) — incluindo Tencent, Huawei, NetEase, Baidu e o Ant Group, conta o South China Morning Post. O GT vai reunir 60 pessoas e combina representantes do setor privado, da academia e de outras instituições relevantes para revisar regulações, normas internacionais e formação de capital humano. Em setembro de 2023, o MIIT lançou, sem muito alarde, um plano trienal de desenvolvimento do metaverso. O GT é parte dos esforços de colocar o plano em ação, que inclui apoio a pequenas e médias empresas para o setor e desenvolver algumas campeãs chinesas para expansão mundial, usando incentivos fiscais.
Prêmio com sabor de climão. Autores chineses estão fora de um dos principais prêmios da área de ficção científica e fantasia, o Hugo Awards. Xiran Jay Zhao e R. F. Kuang (que são leituras do Clube de Literatura Chinesa da Shūmiàn) estão de fora da edição deste ano. A justificativa seria o fato de Xiran e Kuang estarem já listadas na edição de 2023, que aconteceu em Chengdu, na China. Xiran, autore de Viúva de Ferro, iniciou um movimento nas redes sociais pedindo protestos de seus seguidores e leitores, adicionando o nome de R.F. Kuang, autora de títulos de sucesso como Babel (prestes a chegar ao mercado brasileiro) e A Guerra da Papoula. Não é de hoje que o Hugo Awards coleciona polêmicas e críticas, como um questionável patrocínio da Raytheon Technologies, um movimento anti-diversidade que interferiu nas nomeações no passado.
Rock Wins. Se você curte umas bandas e cantores chineses, dê uma olhada nessas cinco recomendações da RADII para 2024. Uma listinha que vai do Rap ao Jazz, e destaca a evolução da cena musical chinesa.
Mais que amigos, dinos: no final de dezembro, a paleontóloga brasileira Taissa Rodrigues compartilhou no Twitter/X uma nova descoberta de uma espécie de pterossauro (Meilifeilong youhao), a partir de uma cooperação entre pesquisadores do Brasil e da China.
Veio aí: o podcast BiYiNiao do Livro lançou um episódio sobre Sun Wukong, o Rei Macaco, do famoso épico chinês Jornada para o Oeste.
JBL que lute: ouvir o Xi Jinping enquanto você carrega seu celular? O China Digital Times contou sobre a nova caixinha de som patriótica rodando entre os membros do Partido Comunista da China.
Literatura de Taiwan: a pesquisadora Sabina Knight selecionou cinco coletâneas de contos para quem quer explorar o estreito além das pautas políticas. Spoiler: um deles vai ser discutido este ano no nosso Clube do Livro.
Enquanto a China celebra o Ano Novo Lunar, que tal entender o mito por trás do feriado?