Edição 290 – Começam as Duas Sessões em Pequim
Preparativos e expectativas. Na semana que vem, serão realizadas as chamadas “Duas Sessões” — reuniões concomitantes do Congresso Popular Nacional e a Conferência Consultiva Política Popular Nacional. Na segunda-feira (26), o Comitê Permanente do Congresso estabeleceu a pauta provisória e uma lista de convidados observadores, além de definir possíveis presidentes de mesa. Sinólogos e economistas estão ansiosos para o que vem por aí, pois as metas de crescimento do PIB e a orientação para o desenvolvimento do país devem ser determinadas, dando sinais para onde a economia chinesa deve ir. O mote deve ser “novas forças produtivas”. O que isso significa e quais podem ser as consequências foram discutidas pelo Asia Times.
Se uma árvore cai na floresta… é resistência branda? Xia Baolong, diretor do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau, está em visita de uma semana à primeira. Nos últimos dias, Xia se encontrou com patriotas e representantes do setor financeiro, reforçou que a política de “um país, dois sistemas” deve continuar, listou as diferenças entre Hong Kong e a China continental e falou sobre a proposta para a lei de segurança local. Na última segunda-feira (26), os holofotes da visita foram para Chan Ching-sum, membro de organizações pró-Pequim, que, em cartas e discurso, pediu que Xia e o governo central esclareçam quais formas de expressão são permitidas sob a Lei de Segurança Nacional (LSN), afirmando que o povo está inseguro e com medo de se manifestar — embora a promessa fosse de que a LSN afetaria uma minoria de honconguenses. Uma reportagem da mídia local The Collective revelou que até mesmo praticantes de adivinhação estão tomando cuidado com o futuro que preveem, o que não está fácil: o kau chim, tradicional ritual de leitura da sorte da cidade trouxe esta mensagem para 2024: segurando um machado e entrando em uma floresta, procurando por algo ainda não obtido. Não é muito auspicioso.
Uma espionagem do barulho. Documentos que detalham como o governo chinês hackeou e espionou cidadãos e estrangeiros apareceram no GitHub. O uso de spyware seria um dos serviços prestados pela empresa de segurança privada Anxun, contratada pelo Ministério de Segurança Pública e outras agências de segurança. A veracidade do vazamento foi confirmada com dois funcionários da empresa pela AP News em uma matéria que detalha a questão. Algumas das ferramentas foram utilizadas no X/Twitter para monitorar, obter dados de usuários e até ler DMs, e também há dispositivos que invadem redes Wi-Fi. As autoridades chinesas estão investigando o vazamento, que inclui bases de dados de Hong Kong, Malásia, Taiwan, Afeganistão, Paquistão e mais.
A vitória do lobo guerreiro. Um relatório recém-lançado nos Estados Unidos pelo Instituto Lowy mostra que a China é a maior potência global em diplomacia. De acordo com o documento, intitulado Global Diplomacy Index, a China ultrapassou os Estados Unidos por uma margem apertada: o país asiático tem 274 postos no mundo, enquanto Washington tem 271. Lançado anualmente, o índice lista 66 nações e territórios de acordo com o número de postos no exterior. O documento mostra a liderança de Pequim em regiões como o continente africano, centro e leste asiático e as ilhas do Pacífico. Já os estadunidenses saem à frente em número de representações no continente europeu, no Sul da Ásia, além das Américas do Norte e Central. Enquanto isso, regiões como América do Sul e Oriente Médio têm números equivalentes de postos dos dois primeiros colocados.
Por falar em Estados Unidos e China, um grupo de estudantes chineses — acompanhados de Xie Tao, reitor da Escola de Relações Internacionais da Universidade de Estudos Internacionais de Pequim — passou por três horas de interrogatório na imigração estadunidense. O grupo foi ao país em uma viagem de estudos para observar as eleições presidenciais. Neste vídeo é possível ver e ouvir o relato do reitor sobre o ocorrido.
Aproveitando o gancho:, vale conferir a análise do Sinification sobre quem é melhor para a China: Biden ou Trump? A Foreign Policy traz um texto que responde à pergunta: o republicano seria melhor para o país asiático.
A geopolítica dos carros. Desde o ano passado, a tensão entre Europa e China cresceu quando a União Europeia anunciou uma investigação sobre os preços excessivamente baratos dos carros elétricos chineses (a dinâmica também fica mais tensa em meio à guerra na Ucrânia). A pequena produção europeia de painéis solares compete com poderosas contrapartes chinesas (com cerca de 80% do mercado global e muito subsídio e investimento estatal), como explica esta matéria do Politico. No início de fevereiro, o Ministério do Comércio da China lançou um documento sobre a exportação de veículos elétricos (VE) e internacionalização de empresas do setor — em um esforço concentrado das autoridades para se contraporem a sanções e restrições, com apoio para P&D e acesso a crédito, busca por padronização no mercado, e acordos de livre-comércio .
O Brasil também está na rota dos VEs chineses: a empresa de energia Raízen e a BYD firmaram acordo no início de fevereiro para instalar pontos de recarga de carros elétricos em oito cidades do país, conta a Folha. Falando nisso, esta matéria do The New York Times se aventura a contar a história da BYD e as suas ambições de vencer a Tesla. Não sem ambições, este ano a montadora lançou um carro esportivo para bater de frente com as Ferraris da vida na China — custando a bagatela de 1,68 bilhão de yuan (aproximadamente 685 milhões de reais).
Experiências comunitárias = resiliência climática. Um estudo feito em Zengbu, uma aldeia urbana na província de Guangdong, no sul da China, revelou como as 29 comunidades localizadas no Delta do Rio Zhujiang lidam com os riscos das mudanças climáticas. Em Zengbu, lugar onde os idosos têm resistido à evacuação durante inundações, a pesquisa destaca a importância de ouvir as experiências das comunidades para desenvolver estratégias de adaptação climática. O estudo, conduzido pela Harmony Community Foundation, descobriu que as pessoas nessas áreas estão conscientes dos impactos das mudanças climáticas, principalmente através de experiências pessoais, o que fez com que ações simples de mitigação como: colocar bens de valor em lugares altos dentro de casa ou tirar os eletrodomésticos mais importantes do nível do chão algo comum, reforçando que a adaptação deve variar de comunidade para comunidade.
Mais acessibilidade. Na cidade de Shenzhen, uma equipe de programadores com deficiência visual está liderando esforços de acessibilidade na China. Com mais de 17 milhões de pessoas cegas ou parcialmente cegas no país, a equipe de pesquisadores, ligados à Associação de Pesquisa de Acessibilidade, trabalha para eliminar obstáculos enfrentados por usuários com deficiência visual. Apesar dos avanços na acessibilidade de smartphones, muitos aplicativos ainda não são projetados considerando usuários com deficiência. A ONG, estabelecida em 2005, formou a primeira equipe de engenheiros em 2013, visando melhorar a acessibilidade da informação. Os engenheiros avaliam softwares, identificam problemas de acessibilidade e propõem soluções para desenvolvedores de produtos. Reforçando essa questão, o governo chinês aprovou uma nova lei sobre a construção de um “ambiente de vida sem barreiras”, que visa priorizar a melhoria da vida diária de pessoas com deficiência, idosos e outros grupos com necessidades especiais.
Acadêmico: este artigo acadêmico de Xiaowei R. Wang fala sobre as conexões entre a indústria da pimenta malagueta na província de Guizhou (usada no famoso Lao Gan Ma), a modernização da agricultura com uso de dados e o nacionalismo.
Música: Faz tempo que a gente curte o som de 告五 Accusefive, um pop melancólico de Taiwan que vale o seu tempo. Aproveite para ver a mais recente apresentação da banda.
Feminismo: um grupo de imigrantes chineses (não exclusivamente) lotou uma livraria em Tóquio para ouvir sobre Qiu Jin, uma poeta feminista chinesa que viveu na capital chinesa. Esta reportagem conta como a diáspora chinesa tem se reunido mundo afora para debater questões que não são bem-vindas na China, como feminismo e direitos LBGTQIA+.
De lamber os beiços: se você está em algum lado do espectro de foodie ou leitor, então vai amar esta matéria do Sixth Tone sobre a importância da comida na obra literária Dream of the Red Chamber.
Black Tea é o mais novo filme do diretor Abderrahmane Sissako e conta a história de amor entre uma mulher africana e um homem chines em Guangzhou, especificamente em Chocolate City, mostrando o dia a dia do bairro, as diferenças culturais e o racismo que muitas pessoas negras sofrem na China.