Edição 315 – Menos cooperação e mais hostilidade tecnológica com os EUA
E a novela Evergrande não acaba. No capítulo mais recente, a gigante do mercado imobiliário (em crise há um tempinho já) viu uma de suas subsidiárias ameaçada de liquidação judicial. O tribunal regional de Guangzhou, base de operações da Evergrande, aceitou neste mês um processo contra a Guangzhou Kailong Real Estate, que pode levar a empresa a ter de reestruturar suas operações na China continental ou enfrentar a liquidação no coração de seus negócios. A ação está sendo movida pela Vanward, empresa fabricante de eletrodomésticos, por uma disputa envolvendo 200 milhões de renminbi (aproximadamente 160 milhões de reais). A maré de azar da empresa não para por aí: no início de agosto, duas de suas subsidiárias do setor de veículos elétricos foram ordenadas por uma corte a passar por um processo de falência e reestruturação. Os efeitos dessas decisões sobre a Evergrande e o combalido mercado imobiliário ainda são incertos, mas as políticas do governo central para tentar reverter a situação geral do país parecem ter começado a render bons frutos, com bancos privados tendo emprestado cerca de 1,4 trilhão de renminbi (1,1 trilhão de reais) para projetos habitacionais.
No dia 22, a China comemorou os 120 anos do nascimento de Deng Xiaoping. A mídia local cobriu de forma ampla o legado reformista de Deng, citando o papel do ex-líder na reaproximação com os EUA e sua visita ao país em 1979 – um bom timing com a atual visita de Jake Sullivan (conselheiro de segurança nacional de Biden) a Pequim. Além do lançamento de selos comemorativos, o Partido realizou um simpósio sobre os 120 anos, com grande participação da alta liderança e discursos, inclusive de Xi Jinping. Um comparativo entre os dois líderes foi publicado em uma série de textos do South China Morning Post. Já a capa do People’s Daily do dia 23 trouxe uma avaliação do próprio Xi sobre o que Deng deixou de herança para o país, incluindo sua liderança na modernização da nação, no fortalecimento da soberania nacional e seu “internacionalismo”. O pesquisador Manoj Kewalramani analisou essa edição do jornal no Tracking People ‘s Daily. Para pensar tudo o que mudou desde a morte de Deng aos 92 anos, em 1997, vale rever esta entrevista que o líder concedeu para a revista Time aos 81 anos.
Chegou a vez de mais uma gigante tech sair da China. A IBM está fechando dois laboratórios de pesquisa no país, cortando cerca de 1000 empregos espalhados em cidades como Pequim, Xangai e Dalian. Como conta a CNN, a medida segue na esteira das crescentes dificuldades enfrentadas por empresas estadunidenses em solo chinês, um resquício das tensões comerciais entre os dois países, e a busca pela vanguarda tecnológica em setores estratégicos para a segurança nacional. Além da questão geopolítica, a IBM já vinha registrando sucessivas quedas de lucro na China: pelo menos desde 2019, a empresa registrou queda de dois dígitos em seus relatórios anuais para investidores. Segundo o Wall Street Journal, parte do trabalho desenvolvido em território chinês já tem um futuro endereço definido: a Índia, um mercado onde a IBM registra superávits há anos.
Hackers ligados ao governo chinês teriam se infiltrado em provedores de serviços de internet dos Estados Unidos, revelou uma reportagem exclusiva do The Washington Post publicada na terça-feira (27). O ataque, iniciado há alguns meses, expôs milhões de usuários, incluindo (potencialmente) membros do governo e militares. Analistas consultados pelo jornal apontaram que o ataque foi atipicamente agressivo e sofisticado – segundo Mike Horka, ex-FBI e pesquisador de cibersegurança, os riscos assumidos pelos hackers indicam que se tratou de uma investida de espionagem de grande importância estratégica. Segundo o porta-voz da embaixada chinesa em Washington Liu Pengyu, as acusações contra seu país seriam apenas uma forma da comunidade de inteligência estadunidense obter financiamento do Congresso e contratos públicos. De toda forma, há meses pesquisadores europeus já indicavam um salto de qualidade no trabalho de hackers chineses.
A Paralimpíada também promete ser fonte de muito orgulho para os chineses. O primeiro dia de competições foi repleto de êxitos, com quatro ouros e três recordes mundiais. Nas redes sociais, o público manifestou apoio e admiração pelos paratletas, além de ressaltar a evolução de seus desempenhos desde os dois últimos ciclos paralímpicos, como relata o SCMP. O Le Monde explicou a disparada do país nos quadros de medalhas desde Atenas 2004 – muito trabalho sério e investimento, como um centro dedicado à preparação de paratletas, ao qual a reportagem teve acesso. Nesta sexta-feira (30), a China domina o quadro de medalhas com 12 ouros, nove pratas e quatro bronzes.
Lembra da Su Min, a mulher que viralizou na internet após deixar o marido abusivo e botar o pé na estrada na China? Pois bem, a mais recente parada dessa jornada não foi mais uma cidade, mas o divórcio. Mas como conta Vivian Wang e Joy Dong para o The New York Times, o processo, além de dispendioso – Su usou todas as economias que tinha em um acordo com o agora ex-marido – teve de superar uma série de barreiras jurídicas. Como contamos por aqui, o governo vem estabelecendo medidas, como a prolongação (em 2021) do tempo necessário para concretizar o fim das uniões, criadas para “proteger” os casamentos às custas dos direitos de mulheres como Su, que por anos sofreu violência doméstica.
Outra perspectiva: o The Guardian publicou um relato sobre a experiência escolar de duas crianças britânicas estudando em uma escola chinesa em Chengdu.
História: esta matéria da Sixth Tone conta a história do vegetarianismo na China e sua tradição culinária: comer carne era um hábito caro por boa parte da história chinesa, e a dieta vegetariana está presente no taoísmo, budismo e confucionismo.
Pegou a ref: o Radii comparou obras históricas chinesas com suas versões no Black Myth: Wukong (falamos dele na semana passada).
Eleições: esta matéria do South China Morning Post conta sobre o primeiro candidato das eleições municipais brasileiras nascido na China.
Sem tempo para se educar sobre a importância de Deng Xiaoping para a modernização da China? O SCMP fez um micro documentário de três minutos pra você.