Transexualidade na China: além de Jin Xing

O caso de sucesso e aceitação de Jin Xing ainda não reflete, infelizmente, a realidade das pessoas transsexuais comuns na China

Por Bruno Palombino Gastal

Não é frequente encontrar uma personagem tão complexa e multifacetada como Jin Xing. Jin se alçou a fama primeiro como um dançarino do Exército de Libertação Nacional premiado nacionalmente, mas principalmente depois de se tornar a primeira transexual a ter seu gênero reconhecido pelo governo da China na década de 1990. Hoje, ela é a influente apresentadora de um dos programas de televisão mais assistidos do país, cuja audiência semanal chega a 100 milhões de espectadores e, de maneira importante, a mais icônica voz transexual chinesa.

Apesar de que nunca houve uma proibição formal, até Jin não se sabia de outros casos de cirurgia de confirmação de gênero no país. Somente depois da publicidade gerada pela dançarina médicos reconheceriam ter realizado, secretamente, operações do tipo já em 1983. Em tempos mais recentes, somaram-se a Jin outros exemplos de figuras públicas chinesas transexuais, tais como Chen Lili – a primeira transexual a se candidatar a Miss Universo –, Han Bingbing, celebridade da moda e da indústria do entretenimento, e Bian Yujie, atriz de ópera. A existência e aceitação desses casos notórios, entretanto, infelizmente não refletem perfeitamente a realidade dos chineses comuns, e a transexualidade no país, assim como em grande parte do mundo, segue sendo cercada por dificuldades de várias ordens.

Elas começam por pagar a cirurgia, que, além de não ser coberta por planos de saúde no gigante asiático, é bastante cara. Desde 2009, ademais, o governo chinês exige que a pessoa interessada em realizar a operação não tenha antecedentes criminais, não esteja casada e, ainda, tenha o consentimento de seus familiares diretos – mesmo sendo adulta. Além disso, o reconhecimento oficial da mudança de sexo em documentos é um trâmite espinhoso, e muitos têm problemas para conseguir emprego após o procedimento: uma vez reconhecida a mudança, torna-se difícil provar experiências profissionais passadas. Conforme já comentamos em nossas newsletters, a Anistia Internacional lançou em maio deste ano um denso relatório denunciando a desesperadora situação das pessoas transgênero no país. Sem receber assistência, e encontrando obstáculos muitas vezes intransponíveis para cumprir os requerimentos previstos pela lei, muitas delas decidem começar tratamentos por conta própria, com medicamentos de origem incerta, ou mesmo operar-se a si mesmas.

“Pouco mais de 20% dos chineses são contra a mudança de sexo, enquanto que quase 70% apoiam o combate à transfobia e mais de 60% apoiam a adoção por pessoas transgênero no país, ainda que a resistência seja maior quando o tema é casamento”

No entanto, as restrições de ordem legal não parecem refletir totalmente a opinião predominante da população, segundo dados de 2016 compilados num relatório por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Pouco mais de 20% dos chineses são contra a mudança de sexo, enquanto que quase 70% apoiam o combate à transfobia e mais de 60% apoiam a adoção por pessoas transgênero no país, ainda que a resistência seja maior quando o tema é casamento. O grande desafio parece ser fazer com que a aceitação demonstrada com relação às celebridades – que têm um papel muito importante na cultura chinesa – se espalhe também para as pessoas ordinárias, enquadrando-se elas ou não num certo tipo ideal de indivíduo transexual.

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