O dia 4 de abril amanheceu cinzento. Tradicionalmente, a data do Festival Qingming é uma celebração para homenagear os que já se foram, e, neste ano, o 4 de abril também foi o dia de luto nacional pelas pessoas que perderam a vida devido ao COVID-19 — fossem elas mártires ou pessoas comuns. O país fez três minutos de silêncio, e plataformas de compartilhamentos de vídeo e de jogos ficaram offline durante o dia.

O dia serviu também para as pessoas relembrarem e pensarem no custo humano que a pandemia teve. O China Heritage reuniu uma série de frases, anedotas ou relatos, que circularam nos últimos dois meses. É triste, mas vale a leitura: “ao lembrar dos mortos, confrontamos como vivemos”.


O que realmente importa em tempos como estes que estamos vivendo? Há muitas incertezas, pânico, medo. É por isso que trazemos três histórias de pessoas que já passaram pelos momentos mais extenuantes da quarentena em diferentes cidades da China. Todas elas são donas de algum tipo de negócio e viveram de perto a sensação de perder quase tudo que construíram, insegurança por não saber como será o dia de amanhã e frustração com a maneira com que as autoridades lidaram com o caos. Hora de fazer aquele cafezinho e prestar atenção nas nuances de nacionalismo, discrepâncias entre governos locais e central e, é claro, ver a luz no fim do túnel.


O especialista Minxin Pei escreveu para a Foreign Affairs sobre o governo Xi, o poder do Partido Comunista e possíveis consequências sociais e políticas do vírus. Ele desenha diversos cenários e questiona se será possível ao Partido não sofrer mudanças, com base nas críticas à sua resposta no início da crise.


E a retomada econômica já começou aos trancos e barrancos para alguns. A famosa rival da Starbucks na China, a Luckin Coffee (da qual falamos diversas vezes na newsletter), se vê em maus lençóis. Mas não foi por causa do coronavírus, não. Parece que houve fraude ao inflacionarem os números de vendas de 2019 em mais de 300 milhões de dólares (cerca de 40% do que estimaram). A empresa nega, mas investigações estão ocorrendo.

Você imaginou que, com a ligação telefônica na semana passada entre Jair Bolsonaro e Xi Jinping, o clima de desconforto entre China e Brasil fosse passar? Quem nos dera. Agora, foi a vez de Abraham Weintraub, ministro da educação brasileiro, lançar acusações e potencialmente desestabilizar as relações brasileiras com o seu maior parceiro comercial. No Twitter, o ministro de Estado se utilizou de uma peça de quadrinhos para caçoar dos chineses e acusar Pequim de se beneficiar da pandemia. A Embaixada da RPC no Brasil lançou nota repudiando o tweet de Weintraub. A troca de farpas segue e uma hashtag de boicote à China foi levantada na segunda-feira por apoiadores.

Coincidentemente ou não, a declaração de Weintraub se deu pouco tempo após o cônsul chinês no Rio de Janeiro, Li Yang, divulgar uma carta em que chama a atenção do deputado Eduardo Bolsonaro — que insiste em se referir ao COVID-19 como “vírus chinês” — por suas colocações sobre a China. Pedindo por respeito ao país asiático, Li destacou a força das relações sino-brasileiras, mas advertiu  que, “se algum país insistir em ser inimigo da China, nós seremos o seu inimigo mais qualificado”. 


Na tentativa de melhorar a sua imagem internacional perante à pandemia do COVID-19, a China vê cada vez mais o Twitter como um terreno a ser disputado. Foi o que aconteceu após a chegada de mais de 30 toneladas de suprimentos médicos à Itália; estima-se que quase metade dos tweets (46,3%) e hashtags (37,1%) utilizados com tom favorável à China no período de 11 a 23 de março tenham sido compartilhados por bots após publicações da Embaixada da República Popular da China em Roma. O fenômeno, no entanto, chama atenção mais pela disputa de narrativa internacional quanto a quem culpar pelo vírus e quem está ajudando mais a combatê-lo, do que apenas pelo número de tweets em si.


Em relatório secreto escrito à Casa Branca, serviços de inteligência dos Estados Unidos teriam acusado a China de ocultar a extensão do surto do COVID-19 no país, subnotificando tanto o total de casos de contaminação como as mortes em decorrência do novo vírus. Os oficiais responsáveis por vazar o conteúdo do documento à Bloomberg se negaram a entrar em mais detalhes, mas é clara a desconfiança estadunidense quanto aos dados vindos de Pequim: recentemente, o próprio presidente Donald Trump afirmou que as estatísticas divulgadas pelos chineses pareciam “um pouco leves”, enquanto Robert O’Brien, seu consultor de segurança nacional, declarou que Washington não tem como saber se os números vindos do país asiático são verdadeiros.

E a desconfiança não vem somente dos Estados Unidos: relatos de movimentação atípica nas funerárias de Wuhan trazem mais dúvidas quanto às informações oficiais chinesas sobre a dimensão e os impactos do novo coronavírus no país. O governo da China, por sua vez, se defendeu: de acordo com Lu Shaye, embaixador chinês na França, o grande número de velórios e enterros observados no epicentro da pandemia é fruto dos meses de restrições à movimentação de cargas e pessoas na cidade, e não de quaisquer falsificações de dados promovidas por Pequim. Por fim, Lu reafirmou que o COVID-19 já está sob controle na China, mas alertou para a possibilidade de os casos importados do vírus levarem a uma segunda onda da epidemia no país.


O governo chinês teve que iniciar investigações de empresas exportadoras após enviarem material de ajuda para outros países, pois elas foram acusadas de vender materiais com falhas. Alguns países, como a Turquia e Espanha, relataram problemas com testes e equipamentos doados pelas autoridades da China. É necessário ter cuidado para não afetar a “diplomacia da pandemia”.

É inegável a importância do processo de luto para as famílias chinesas que sofreram com mortes. Com o festival Qingming, que inclui o dia de varrer os túmulos (tomb-sweeping) e cerimônias que reúnem a família, o governo chinês incentivou cidadãos a evitarem aglomerações e celebrarem online. Enquanto o pior parece ter passado, os problemas com saúde mental ainda vão durar muito tempo. O país já tem dificuldade há anos de lidar com apoio psicológico a quem sofre com problemas como ansiedade e depressão, com apenas 2,2 psiquiatras para cada 100 mil habitantes (2017). O Brasil tem 5, segundo a mesma pesquisa realizada pela OMS, e, os EUA, 10,5. Agora, a China tem o desafio de ajudar pacientes, médicos e famílias a lidarem com o trauma.


O retorno à normalidade demora. O governo chinês adiou Gaokao (o “ENEM chinês”), que normalmente ocorre em junho, com novas datas previstas para os dias 7 e 8 de julho. Somente no ano passado, mais de dez milhões de estudantes fizeram a prova para entrar nas universidades do país. A medida não surpreende: a China tem sido bastante cautelosa para retomar o cotidiano após o pico do COVID-19. Ainda que os números estejam baixos — no dia 5 de abril, o país registrou apenas 39 casos novos, sendo apenas um local —, há um temor crescente de uma segunda onda de infecções.


Distanciamento social ou conjugal? Com o fim gradual das medidas de quarentena que uniram ou separaram forçosamente milhões de casais chineses por meses, uma grande onda de pedidos de divórcio vai se formando em cidades por todo o país. Por um lado, o fenômeno não surpreende: as mudanças econômicas e sociais atravessadas pela China nas últimas décadas têm empoderado as mulheres chinesas e corroído antigo tabus quanto à dissolução de casamentos no país. Por outro, a pandemia do COVID-19 deu força extra à tendência. Como afirma o psicólogo Li Hua, em tempos de isolamento, “os pequenos problemas que poderiam ser ignorados ou tolerados ficam subitamente expostos e se empilham um sobre o outro como uma faca afiada, cortando relacionamentos sem piedade”.


Não é novidade que muitas discussões sobre privacidade, uso de dados e novas tecnologias estão surgindo com o novo normal que o vírus traz para o dia a dia. Uma dessas tecnologias que cresceu muito em uso na China durante os últimos meses foi o preocupante reconhecimento facial em espaços residenciais. Com a justificativa de que evita a necessidade de tocar em botões e segurar portas para abrir, e sob pressão para acelerar a transformação em cidades inteligentes, vários prédios instalaram a tecnologia — muitas vezes de maneira acelerada, pouco pensada e sem oferecer informações claras sobre o uso desses dados para os moradores.

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

China antiga: mergulhe na história de Kublai Khan, fundador da Dinastia Yuan e primeiro imperador mongol da China.

Mais uma playlist nossa: juntamos no Spotify músicas de bandas que estamos sugerindo desde a primeira edição. É a hora de explorar música chinesa.

Diário da quarentena: os famosos textos da quarentena de Wuhan de Fang Fang, pseudônimo da premiada escritora chinesa Wang Fang, serão publicados em inglês ainda em 2020. Os “Diários de Wuhan” viralizaram no país durante 60 postagens de quarentena, contando (e criticando) como a situação se desenrolou.

Leituras: quer aproveitar o isolamento para tentar ler mais literatura chinesa? A Radii China fez uma lista de 10 obras que vale a pena explorar, dos clássicos ao moderno.

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