Apesar de promissor, o anúncio de Xi Jinping no fim do mês passado de que a China pretende alcançar a neutralidade de carbono até 2060 deixou muitas dúvidas no ar. Ainda não se sabe, por exemplo, se o comprometimento também vale para os investimentos chineses no exterior, e, é claro, também não há muitos detalhes de como a China, atualmente a maior emissora de gás carbônico do mundo, vai realizar um objetivo tão ambicioso. As primeiras informações mais concretas, porém, já começam a aparecer: na semana passada, um grupo de cientistas chineses próximos ao governo central chinês lançou um roteiro para a meta de 2060, prevendo mudanças mais graduais num primeiro momento e mais aceleradas posteriormente, a partir da metade da década de 2030.

Já se sabe, contudo, que o caminho não vai ser fácil. Para Varun Sivaram, pesquisador sênior do Center on Global Energy Policy da Universidade de Columbia, a transição seria “a tarefa mais hercúlea já realizada na história da humanidade”. Dado os grandes níveis de emissão chineses, alcançar a neutralidade de carbono exigiria mudanças econômicas e de infraestrutura energética de magnitude expressivamente maior do que em qualquer outro país. “O que a China está se comprometendo a fazer é um nível de construção de infraestrutura em energia que o mundo nunca viu”, completa Sivaram, que também brinca: “se não fosse a China, eu não acreditaria”.


O dia 01 de outubro, data que marca o aniversário da fundação da República Popular da China e que, em 2020, coincidiu também com o Festival do Meio-Outono, é geralmente comemorado ao redor do país com demonstrações patrióticas e homenagens aos principais líderes chineses das últimas décadas. Se o clima foi de celebração em várias partes do gigante asiático, porém, em Hong Kong a história foi outra: em meio a um persistente clima de descontentamento popular, manifestantes espalharam-se pelas ruas da metrópole e foram imediatamente contidos por uma numerosa força policial. Chama a atenção o fato de que, neste ano, o número de manifestantes tenha caído vertiginosamente em comparação a 2019, resultado que muitos apontam como decorrente do crescente cerceamento a liberdades civis e demonstrações de dissidência na cidade.

E junto com a celebração da fundação da República Popular da China, inicia-se a tão esperada Golden Week, ou o feriadão de uma semana para a alegria geral da nação. Até agora, o período já rendeu mais de 11 bilhões de dólares e estima-se que mais de 500 milhões de viagens domésticas devem ser feitas até o dia 8. E você que está na China, aproveitou o feriadão? Conta para gente!


Falamos um tempo atrás sobre o lançamento do primeiro Código Civil da China moderna, em maio, e que deve entrar em vigor a partir de 2021. A jornada para a publicação desse código se iniciou em 2014. O think tank China Policy publicou um bom material sobre o tema, com 80 slides detalhando alguns pontos, além de trazer o que surgiu de questionamento no debate, linhas do tempo de temas e mudanças ao longo do caminho sobre temas como direito de propriedade, contratos, casamento, e mais. A discussão do código foi colocada para o público, e o documento também fala de quais questões apresentaram divergência entre o que o público e os especialistas diziam.

Em resposta à notícia de que Donald Trump contraiu o novo coronavírus, Xi Jinping enviou uma mensagem à Casa Branca desejando melhoras ao presidente dos Estados Unidos. Junto à sua esposa Peng Liyuan, Xi expressou sua simpatia e disse torcer para que Trump se recupere logo. Nem todos na China, porém, foram tão cordiais: em redes sociais, alguns ridicularizam a situação, fazendo piadas com declarações de Trump sobre a COVID-19, outros celebraram a notícia como um presente de 01 de outubro, e teve também quem recordasse que o líder estadunidense não levou a atual pandemia a sério e agora está pagando, junto a seu país, o preço de sua própria incompetência.


Após visitar Roma em busca de apoio contra o avanço da Huawei na infraestrutura 5G na Europa, o secretário de estado dos EUA, Mike Pompeo, resolveu tentar a sorte e ir ao Vaticano para barrar a renovação do Acordo Provisório Santa Sé-China. A sagrada visita, contudo, não deu muito certo: o Papa Francisco recusou-se a lhe receber. Parte por não aceitar visitas de políticos em períodos de eleição, o Vaticano repreendeu Pompeo por tentar politizar a relação da Igreja Católica com a China. Conforme já comentamos na Shūmiàn, o Acordo é um marco nas relações entre Pequim e Vaticano para o futuro da religião católica entre os chineses.


Em 1950, a China e os EUA se enfrentaram numa guerra em terras coreanas que durou 3 anos. A Guerra da Coreia, que faz 70 anos em 2020, foi um dos conflitos mais brutais e mortais da história recente. Apenas um ano depois da proclamação da República Popular da China (RPC), após um longo período de guerra civil, Mao Zedong enviou 3 milhões de soldados voluntários para batalha. Pelas contas de Pequim, foram 360 mil entre mortos e feridos chineses (os EUA tiveram 140 mil entre mortos e feridos), e quase 3 milhões de civis coreanos (de norte a sul) faleceram. A guerra moldou muito da geopolítica asiática e também mundial. Até hoje, cerimônias são conduzidas na China em outubro (quando o país entrou no conflito) com os restos mortais de soldados que são encontrados anualmente. É um símbolo patriótico importante também para a população chinesa: apesar de recém saída de um século de guerras, invasão e caos interno, a China e a Coreia do Norte conseguiram empurrar as forças estadunidenses e sul-coreanas abaixo do famoso paralelo 38. Para conferir fotos do período (algumas sensíveis), recomendamos este ensaio colorizado — uma das fotos é a nossa escolhida da semana.


A crise da dívida de alguns países africanos com empresas chinesas é uma discussão frequente. Recentemente, a Zâmbia declarou aos investidores do país (que estão espalhados pelo mundo) que não seria capaz de fazer os pagamentos de juros até abril de 2021. Os investimentos chineses no país são há algum tempo alvo de críticas. Em junho, o presidente Edgar Lungu pediu que Pequim cancelasse algumas das dívidas (o que foi feito, em parte). Agora, parece que o risco de uma situação também tensa com o Quênia está no horizonte, segundo matéria do The China-Africa Project. A Kenya Railway, considerada um projeto destaque da Iniciativa Cinturão e Rota, financiada pela chinesa SGR, está perdendo cerca de 9,2 milhões de dólares por mês ao não conseguir suprir o mínimo de carga e passageiros. Parlamentares quenianos estão pedindo renegociações da dívida, colocando o porto de Nairóbi como colateral contratual em caso de não pagamento; a situação é preocupante tanto para o país quanto para a reputação chinesa.

Na semana passada, comentamos acerca das recentes polêmicas em torno das discussões sobre assédio e sexismo em instituições educacionais chinesas. Nesta semana, um escândalo educacional de outra ordem chegou ao seu desfecho no país — uma professora de jardim de infância da província de Henan, na China central, foi sentenciada à morte após envenenar, com nitrito, mais de 20 estudantes, todos da turma de um outro professor da mesma instituição, ainda em março do ano passado. Um das vítimas faleceu e várias tiveram que ser hospitalizadas. De acordo com a sentença emitida pela corte responsável pelo caso, o motivo do envenenamento seria uma disputa travada pela professora com outros educadores quanto ao gerenciamento dos alunos da escola.


anúncio sobre a construção de um novo foguete chinês para levar astronautas à Lua foi notícia esta semana. A novidade vai ao encontro dos planos espaciais chineses para realizar uma missão tripulada ao satélite terrestre, e significa uma considerável evolução na tecnologia atualmente utilizada pelos foguetes da série Long March. Acompanhando o desenvolvimento da indústria comercial de satélites, o governo chinês tem se aproveitado de décadas de investimentos em seu programa espacial para avançar na exploração do espaço solar — como mostram suas missões planejadas para Marte. Caso mantenha a tradição de publicar, a cada cinco anos, um white paper sobre suas atividades espaciais (20112016), a China deve apresentar bons resultados no fim do ano que vem. Vale acompanhar.


Com a tensão existente entre Pequim e Washington, dá para imaginar o quanto isso deve influenciar negativamente a percepção da sociedade chinesa sobre Donald Trump. A realidade, no entanto, é sempre mais complexa: é notável como muitos chineses são vocais em seu apoio a ele. O desdém pelo politicamente correto, o anti-establishment, os ataques a mídias ocidentais tradicionais e o fato de o presidente dos EUA ser o símbolo de um homem de negócios bem sucedido atraem muitos chineses ao polêmico chefe de estado. É claro que os ataques sinofóbicos de Trump não agradam; mas o Make America Great Again parece atrair parte de uma extrema esquerda chinesa Han-cêntrica e anti-imigração, que possuem valores pessoais semelhantes aos do presidente estadunidense.

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Um pouco de história: conheça a ambiciosa saga que garantiu a segurança dos artefatos históricos da Cidade Proibida de Pequim durante as invasões japonesas ao nordeste chinês na primeira metade do século XX.

Podcast: outubro mal começou e já tem episódio novo no podcast Barbarians at the Gate. Desta vez, a conversa é com Alec Ash, autor do Wish Lanterns: Young Lives in New China sobre os valores e o nacionalismo em mutação da nova juventude chinesa.

Podcast em mandarim: está com o mandarim em dia? O podcast Loud Murmurs discutiu os reality shows de dança Street Dance of China e Legenday. O convidado é Bazi, considerado o rei da dança de salão vogue na China.

Música: a dica musical da semana fica com o rock alternativo da banda taiwanesa 麋先生MIXER. Aumente o volume!

Legado: um texto emocionante e reflexivo sobre como a diáspora uigur enfrenta desafios em manter a sua cultura e tradições vivas frente à sinização da minoria em Xinjiang — processo a que muitos têm chamado de “genocídio cultural”.

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