Newsletter 125 (PT)
Assim como prevemos, o feriadão da Golden Week na China — que começou no último dia 01 junto ao aniversário de fundação da República Popular e ao festival de Meio-Outono, tendo durado até o dia 08 — foi movimentado: mais de 600 milhões de pessoas viajaram pelo país durante o período, gerando quase 70 bilhões de dólares americanos em receitas de turismo. Os dados da ocasião, que é vista como um bom termômetro de gastos com consumo no país, animam, mas com cautela: se, por um lado, a China já registra níveis de atividade interna vistos em poucos países, os números de 2020 permanecem expressivamente abaixo daqueles de 2019 e atestam que, mesmo no gigante asiático, o caminho da recuperação econômica pós-pandemia é longo.
Contudo, o país prendeu a respiração quando a cidade de Qingdao, na região costeira e popular destino do feriadão, anunciou 12 novos casos de infecções por coronavírus — sendo 6 assintomáticos. O governo anunciou que vai realizar testes em toda a população de 9 milhões de pessoas nos próximos 5 dias. Outros lugares do país estão tomando precauções.
No fim do último mês de agosto, 12 dissidentes de Hong Kong — todos sob fiança ou enfrentando acusações relacionados aos protestos anti-governo que tomaram a cidade ao longo do último ano — foram detidos ao tentar escapar da região administrativa especial a bordo de uma pequena embarcação motorizada com destino à ilha de Taiwan. Desde então, eles permanecem em detenção na China continental e estariam, de acordo com familiares, sujeitos a abusos e sem acesso a advogados. Agora, dados de código aberto divulgados pela mídia local mostram que há razões para acreditar que o governo de Hong Kong tenha cooperado com Pequim para vigiar e prender os manifestantes. Carrie Lam, porém, nega, afirmando que o grupo decidiu fugir da cidade e, ao fazê-lo, adentrou outra jurisdição ilegalmente, daí a prisão. “Eles terão de enfrentar as consequências locais dessa jurisdição, é simples assim”, completou a líder.
Já falamos aqui várias vezes sobre a moeda digital que o governo chinês está lançando. O governo de Shenzhen, uma das áreas teste da moeda, vai disponibilizar 10 milhões de yuans (ou cerca de 1,5 milhão de dólares) para residentes testarem o formato. Serão 50 mil cupons digitais, no valor de 200 yuans cada, pelo app Digital Renminbi. Os cupons, que serão sorteados por um app da cidade (iShenzhen) que utiliza blockchain, só podem ser utilizados na próxima semana, em 3400 lojas já definidas, como supermercados e postos de gasolina. Não apenas para testar a moeda e adesão, a ação do governo local também tem a intenção de estimular a economia no contexto de recuperação. O economista-chefe do banco Hang Seng disse que esses 10 milhões de yuans devem render 50 milhões em demanda de consumo.
Na última semana, a China anunciou sua adesão à COVAX, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde que busca facilitar a fabricação e distribuição de possíveis vacinas contra o novo coronavírus ao redor do mundo. Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, afirmou em comunicado oficial que a decisão visa “garantir a distribuição equitativa de vacinas, especialmente em países em desenvolvimento” e que Pequim espera que outras nações igualmente capazes se juntem ao programa. Observadores veem na escolha mais um passo da China em direção a preencher a lacuna na liderança mundial da área da saúde deixada por Washington após Donald Trump confirmar, no mês passado, que os Estados Unidos não apoiariam a COVAX.
Afinal, como a provável eleição de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos altera a relação da Casa Branca com Pequim, e como isso afeta o Brasil? Essa e mais perguntas são respondidas por Adriana Abdenur, Diretora Executiva da Plataforma CIPÓ, junto com Fernanda Delgado, professora e coordenadora de pesquisa da FGV Energia. Das páginas 62 a 66, Abdenur e Delgado fazem uma excelente análise dos recentes confrontos entre as duas maiores potências econômicas e refletem sobre as mudanças geoeconômicas de médio e longo prazo decorrentes da transição energética pela qual o mundo está passando. A leitura vale cada página: aproveite com um bom cafezinho.
Com uma indústria de satélites estimada em 7 bilhões de dólares, a África chama a atenção das empresas chinesas para o potencial crescimento dos próximos anos. O investimento chinês no programa espacial de países africanos é uma nova moeda de soft power, e inclui a disponibilidade de centrais para lançamento de satélites comerciais que visam à previsão do tempo, e ao monitoramento do meio ambiente e de plantações. Em destaque, está o avanço do sistema de navegação BeiDou, uma constelação de satélites que funciona como alternativa ao famoso GPS estadunidense. Concorrendo com países como a Rússia e nações europeias por esse mercado promissor, a China oferece melhores condições de financiamento e a custos mais baixos. É uma nova porta de entrada para Pequim no continente africano, com maior valor agregado do que os usuais setores de mineração e agricultura.
Uma pesquisa feita pelo Pew Research Center em 14 países mostra que opiniões sobre a China vêm se tornando mais negativas nos últimos anos. A amostragem cobre países com economias mais avançadas, que em sua maioria têm opiniões desfavoráveis sobre a RPC. O maior aumento foi na Austrália, onde 81% dos entrevistados enxergam a China de maneira negativa (subiu 24% em relação ao ano passado). Nos 14 países, 78% foi a mediana em relação à confiança na atuação de Xi Jinping na esfera internacional e a mediana de 61% julgou que a China lidou mal com a pandemia. Mas Xi pode ficar tranquilo sobre a sua popularidade pelo menos em comparação com Trump: na maioria dos países, ele ainda é considerado mais confiável do que o presidente estadunidense. E uma surpresa: na Europa, boa parte dos entrevistados enxerga a China como principal economia mundial, não os EUA.
Após proibir o consumo de animais selvagens, agora o governo chinês se move para acabar também com a criação de várias espécies no país até o fim de 2020. A Administração Nacional de Florestas e Pastagens da China anunciou que pretende eliminar a reprodução artificial de 45 tipos de animais selvagens, incluindo porcos-espinhos e ratos de bambu, ainda neste ano. Outras espécies, como ouriços e porquinhos da Índia, ainda podem ser criadas, mas não para fins de alimentação. A decisão faz parte do esforço chinês para evitar surtos de novas doenças zoonóticas como a COVID-19, mas há outra implicação: milhões de pessoas no gigante asiático têm na produção e comercialização de animais selvagens seu sustento, e as novas normas exigirão um importante processo de compensação e suporte à adaptação do grupo a outras atividades econômicas.
Depois de um ano desde o polêmico tweet de Daryl Morey, então diretor geral do time de basquete Houston Rockets, a NBA volta a ter seus jogos televisionados pela CCTV Sports na China. A declaração de Morey, ocorrida em outubro de 2019, causou grande furor à época por expressar apoio aos protestos em Hong Kong. Centenas de milhões de dólares foram perdidos e os jogos, que antes passavam em um canal televisivo estatal, ficaram restritos aos streamings — menos os jogos do Houston Rockets.
A trágica morte de Lamu, uma influenciadora tibetana, reacendeu debates na China sobre violência doméstica — principalmente nas redes sociais. Já falamos previamente sobre a recente lei aprovada na China, em 2016. Lamu, que tinha 30 anos, era uma sensação no Douyin (o app que deu origem ao TikTok), onde mostrava seu dia a dia no interior para quase 900 mil fãs. Ela foi queimada viva pelo ex-marido, de quem havia se divorciado devido aos abusos, enquanto fazia um dos seus livestreams. Lamu ficou duas semanas no hospital, mas veio a falecer no dia 30 de setembro. Celebridades e outros influenciadores chamaram atenção para a questão, pedindo que brigas entre “marido e mulher” não sejam algo em que “ninguém mete a colher” e sim vistas como o crime que são. Assim como na história da criação da Lei Maria da Penha, diversos netizens pedem que uma Lei Lamu seja criada para aumentar a proteção a vítimas de violência doméstica — que são mais de 90 milhões no país, pelas estimativas.
Podcast: qual o papel das redes formadas entre pessoas para fortalecer vínculos entre a China e África? Essa é a discussão no episódio do Belt and Road Podcast, com a Lina Benabdallah, que analisa a cooperação entre militares e agentes de segurança, estudantes e jornalistas — e afirma que essas redes são tão importantes quanto os investimentos em infraestrutura.
Música: Já imaginou um som de acordeão em música chinesa? Pois é, a 十九兩樂團 (Nighteentael) não só fez, mas ainda meteu um bom humor e tango em cima.
Mais música: Arrepiante. Tanto a produção musical quanto visual do novo single de ABAO阿爆(阿仍仍) falam sobre o valor de tradições e riqueza cultural de línguas nativas de Taiwan, com destaque para a Paiwan — a de seu povo.
Além da fronteira: há algo que una a região da Caxemira à de Xinjiang? É a discussão do artigo de Nitasha Kaul para o Made in China Journal. As duas regiões, com suas populações majoritariamente muçulmanas, diferem em identidade da maioria do resto dos seus respectivos países e enfrentam desafios similares.