Edição 196 — China tem acidente aéreo e primeiras mortes por Covid do ano
Mais de um ano depois, a China voltou a registrar mortes por Covid-19. A província de Jilin, no nordeste do país, confirmou dois óbitos pela doença no último sábado (19). O país, que estava sem mortes provocadas pelo vírus desde 25 de janeiro de 2021, tem um total de 4.638 vítimas. Como falamos aqui, a chegada da variante ômicron desafia a política de tolerância zero à Covid e várias localidades têm adotado medidas de forte restrição para conter a crise. Shanghai é o principal exemplo recente, com fechamento de escolas e parques como a Disney e com a suspensão de atividades não essenciais. Na segunda (21), a cidade teve 734 casos assintomáticos da doença. Em Pequim, os donos de um restaurante da famosa iguaria da capital chinesa, o pato laqueado, vão ser investigados depois de parte das infecções na região central da cidade terem relação com a loja. Ainda que a maior parte dos casos confirmados sejam de sintomas leves, a preocupação está ligada à baixa imunização de idosos no país, já que essas pessoas têm maiores chances de morte.
Mudanças. A partir de 1º de abril, Hong Kong estará um pouco mais aberta para o mundo. Residentes poderão retornar à cidade fazendo apenas uma semana de quarenta em hotel, contanto que estejam vacinados e seus testes sejam negativos ao longo do isolamento. Voos de 9 origens que haviam sido banidos voltarão a ser autorizados e a diferenciação de países em grupos de risco deixará de existir. Durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira (21), Carrie Lam afirmou que as restrições de voo não fazem mais sentido diante da crise que Hong Kong enfrenta. Também foram anunciadas mudanças internas, com o retorno das aulas presenciais e um esquema que prevê a abertura progressiva de estabelecimentos e o alívio do distanciamento social ao longo de 3 meses, a partir de 21 de abril. Embora as novas medidas não contemplem a entrada de visitantes na região, elas devem trazer grande alívio para a cidade cosmopolita, já que o isolamento contínuo vem causando problemas de saúde mental na população e o esvaziamento da cidade.
Deu a louca no mercado? De semana passada para esta, os mercados financeiros enfrentaram forte instabilidade, especialmente no setor de tecnologia. O movimento aconteceu após perdas impostas devido ao papel errante da China em relação ao conflito na Ucrânia. Foi no começo da semana passada e seguiu preocupando até quarta (16). Um grande número de venda de ações, devido a questões com a Rússia e a crescente regulação do governo em vários setores, sacudiu o índice Hang Seng, usado na Bolsa de Valores de Hong Kong. O índice chegou ao menor número dos últimos 14 anos. O banco de investimento JP Morgan Chase chegou a dizer que ações da Alibaba, Tencent e Meituan são “não investíveis” pelos próximos seis meses ou até 1 ano. Em um movimento pouco comum, o vice-premiê Liu He discursou na quarta-feira (16) e falou sobre manter a estabilidade, o que gerou resultados positivos. Mas nem todos os investidores estão tranquilos, conta o SCMP. Há ainda muita incerteza sobre que tipo de intervenção Pequim poderá fazer para estabilizar a economia e o mercado financeiro.
Pressionada, Pequim ajusta o tom sobre a Ucrânia. Foi tanta coisa que aconteceu que vale pegar um café antes de começar a seção. Na semana passada, fontes do governo dos EUA alegaram que a China teria recebido pedidos de ajuda militar da Rússia. O Ministério das Relações Exteriores chinês negou, mas isso acabou botando pressão para o governo chinês se posicionar. Esta análise no Politico cobre algumas das respostas possíveis nesse cenário de apoio militar ou financeiro. Os limites da parceria chinesa com a Rússia estão sendo definitivamente testados, especialmente com o aumento de mortes.
Seguindo a conversa que aconteceu em Roma na segunda (14) entre autoridades chinesas e estadunidenses, a situação subiu de nível: na sexta-feira (18), Xi Jinping e Joe Biden conversaram por videoconferência por quase duas horas. Enquanto a Casa Branca enfatizou que discutiu as consequências de apoio militar à Rússia, Pequim focou em falar sobre a importância da paz, segurança e desenvolvimento. Alguns analistas estrangeiros não enxergaram uma mudança de tom por parte da China. Especialistas chineses também comentaram sobre o impacto da conversa.
Na terça-feira (15), um artigo de opinião publicado no The Washington Post pelo embaixador chinês nos EUA, Qin Gang (que já apareceu aqui), circulou amplamente entre o pessoal da sinologia e recebeu comentários de especialistas. Em seu texto, Qin se propõe a explicar a posição chinesa no conflito para o público dos Estados Unidos. O embaixador reclama da desinformação, como os boatos de que a China saberia ou concordaria com a guerra. Ele reforçou os pontos que já sabemos, citou a necessidade de apoio humanitário e reafirmou a busca por uma solução pacífica. Qin também falou das comparações entre Taiwan e Ucrânia (pauta que apareceu na coluna de Tatiana Prazeres). Na internet chinesa, parece que o texto de Qin abriu portas para críticas de netizens sobre a postura neutra do país. O tom pode estar mudando na mídia chinesa também, comenta James Palmer.
No domingo (20), Qin deu entrevista à rede de televisão CBS nos EUA — algo incomum para diplomatas chineses. A transcrição está disponível aqui (e dá para ver que a conversa foi cheia de interrupções). Chamou atenção a parte em que Qin fala “não seja inocente, condenar não resolve o problema” — principalmente pelo eco de Jiang Zemin falando algo no mesmo tom para uma jornalista em 2000 (virou meme). O jornalista Marcelo Ninio analisou a conversa para O Globo.
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Um giro pela América Latina. Após ir a Pequim para renegociar dívidas, o presidente do Equador Guillermo Lasso anunciou o início das negociações de um Tratado de Livre Comércio (TLC) com a China. Caso se concretize, o país sul-americano se juntará a Peru, Chile e Costa Rica dentre os países latino-americanos com esse tipo de mecanismo comercial com o gigante asiático. Mas se por um lado o TLC pode abrir mais mercado para os produtos do Equador, como frutas, camarão e madeira de balsa (usada em turbinas eólicas), há o temor de que a abertura comercial desfavoreça indústrias locais, como a de calçados.
Os ventos também parecem ser promissores na Argentina, a mais nova integrante da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). Em seu memorando de entendimento de ingresso ao mecanismo chinês, recém-divulgado, há uma menção específica à transição energética, incluindo financiamento chinês e cooperação para construção de hidrelétricas, usinas nucleares e parques eólicos. Estima-se que a Argentina tenha que investir até US$ 751 milhões anualmente, até 2025, para cumprir suas metas climáticas. No meio do caminho, Buenos Aires pretende usar o gás natural como um combustível de transição e angariar aportes chineses na construção de importantes gasodutos, como o que liga a rica região minerária de Vaca Muerta ao sul do Brasil.
Essa é a mistura do Tibete com o Tchê. O que a cidade de Três Coroas, no interior do Rio Grande do Sul, fez para merecer atenção do governo chinês? Famosa por um templo budista tibetano (além do primeiro restaurante tibetano do Brasil), Três Coroas organizou um evento para o Ano Novo Tibetano (ou Losar). Isso fez com que o cônsul da China em São Paulo entrasse em contato com o governo do RS para demonstrar preocupação com o apoio à realização da festa. Vale lembrar o timing: em 18 de março de 1959, o Dalai Lama saiu do Tibete em exílio, como conta este texto do SupChina. Obrigada pela pauta inusitada, Italo.
Acidente aéreo. A semana começou com um acidente aéreo na região autônoma de Guangxi, no Sul da China. O voo com 132 passageiros a bordo partiu de Kunming (capital da província de Yunnan) e tinha Guangzhou como destino. Até o momento não há expectativa de que haja sobreviventes. Imagens e o acompanhamento da rota mostram que a aeronave teve uma perda de altitude muito rápida, mas os detalhes de como o acidente se deu ainda são incertos. Enquanto as notícias se espalhavam pela internet, começou-se a resgatar as memórias de um acidente na mesma província em 1992. Também voltou-se a falar sobre a segurança das aeronaves da Boeing, o avião em questão era um Boeing 737-800. O presidente Xi Jinping fez um apelo para que as causas sejam investigadas o mais breve possível. A Xinhua mostrou o trabalho da equipe de resgate. Em meio a incertezas, imagens apontam para uma rápida perda de velocidade da aeronave.
Internet segura para -18. A Administração de Cibersegurança da China propôs na segunda (14) novas regras para proteger a saúde física e mental de menores de idade na internet, chamando famílias, empresas, mídia e organizações a terem responsabilidade social com a questão. Ainda está em fase de comentários, incorporando mudanças a partir de uma legislação de 2020 referente a proteção de menores. A tradução para o inglês é do Jeremy Daum, do China Law Translate.
Além de incentivar a criação de serviços sem fins lucrativos, bem como a literacia digital, outros pontos de destaque do texto são: a criação de ferramentas para sinalizar e alertar sobre conteúdo ilegal ou perigoso em softwares e produtos tecnológicos que atingem menores de idade; a realização, por parte das empresas, de revisões periódicas do impacto dos seus produtos nesse público; o fortalecimento de meios para denúncia de comportamentos indesejados, como bullying; o papel dos guardiões no consentimento de uso de dados pessoais dos menores. Para quem quer ficar por dentro de toda a legislação chinesa referente a crianças no mundo virtual, Daum também preparou essa lista útil.
Não há paz. Até 2021, 90% dos usuários do app Xiaohongshu eram mulheres. O aplicativo chinês que mistura funcionalidades do Instagram e do TikTok era um espaço seguro — mas para continuar a crescer, a plataforma decidiu recrutar homens, com uma campanha destacando a beleza das usuárias. Mas como conta esta reportagem da Sixth Tone, o resultado foi a criação de um ambiente tóxico para as mulheres, inundadas com mensagens de importunação sexual por parte de alguns dos agora 30% de usuários homens. Após uma multa de 300 mil yuan (aproximadamente R$230 mil), a campanha foi encerrada. No entanto, uma investigação da CCTV mostrou que novas contas criadas por homens são direcionadas a imagens sexualizadas de jovens. Como já contamos por aqui, questões feministas e “antagonismos de gênero” são assuntos cada vez mais censurados nas plataformas chinesas.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Baixa densidade: casinhas com amplas áreas verdes não são bem o estereótipo da habitação em Hong Kong, mas a exceção existe. Vale conhecer o Fairview Park.
Globalização: a Rest of World foi investigar a história de um aplicativo sobre a Bíblia que faz muito sucesso no Brasil, mas é feito por uma empresa de games chinesa localizada em Hong Kong.
É arte: o artista Che-Yu Wu levou o algoritmo a sério e criou obras a partir de código. A matéria apareceu na Neocha, com entrevista com Wu.
Arte de protesto: o caso de Xiao Huamei, a mulher acorrentada, virou arte de protesto na China, tanto na internet quanto nas ruas. O tema apareceu na Far and Near. Inclusive, o China Digital Times fez uma série sobre arte feminista do Dia Internacional da Mulher.
De olho no futuro: o que vai acontecer com a tradição milenar chinesa de adivinhação é o tema desta interessante matéria da Radii China. A indústria dos oráculos se vê com audiência entre jovens, críticas do governo, transformação digital e até competição com astrologia ocidental.
Baijiu diplomático: Wang Yi bebe com Xi Jinping? Eles são amigos? Vale ler essa conversa no ChinaTalk com Peter Martin, que recentemente escreveu um livro sobre o tema.