Edição 210 – Cúpula dos Brics encerra com possibilidade de expansão do bloco
Superlativa. Na última terça-feira (21), o The New York Times publicou um retrato do estado da vigilância governamental chinesa sobre cidadãos comuns. Com base em análises de mais de 100 mil editais públicos coletados pelo China File, os repórteres concluíram que o governo sabe mais sobre identidades, atividades e conexões sociais das pessoas do que era de conhecimento geral. Por meio de diferentes tecnologias, são realizadas coletas indiscriminadas de informações que, centralizadas, criam perfis complexos da população. O volume de dados é impressionante: segundo um documento, a polícia da província de Fujian estima ter 2,5 bilhões de imagens em seus bancos. Esses dados podem ser cruzados com DNA, padrões para reconhecimento de íris e de voz, coletados em massa em ao menos 25 das 31 províncias chinesas desde 2014. Também foi revelado o uso de rastreadores de sinal wifi em todas as províncias e regiões chinesas. Inicialmente, essa tecnologia foi utilizada em Guangdong para identificar usuários de um aplicativo de dicionário uigure-chinês. O governo da China não se pronunciou sobre a reportagem.
Sem RSVP. Segundo a mídia chinesa, Xi Jinping deve presidir a comemoração dos 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong no dia 1º de julho. Se isso se dará presencialmente, ainda não está claro. Na semana passada, o People’s Daily havia publicado uma mensagem calorosa do presidente para a região, alimentando especulações quanto à sua provável visita. Caso ela se confirme, será a primeira viagem de Xi para fora da China continental desde o início da pandemia de Covid-19. Além da comemoração, no mesmo dia ele deve participar da cerimônia de transmissão do cargo de CEO de Carrie Lam para John Lee. Recentemente, Lee apresentou ao público os membros do seu governo. Como destacou o Hong Kong Free Press, entre os 16 nomeados estão alguns servidores da atual liderança e figuras envolvidas com questões polêmicas, como educação nacionalista, a substituição do ensino de cantonês pelo mandarim e a negação do colonialismo britânico no território.
Resiliência climática. Na esteira de suas metas ambientais, o Ministério da Ecologia e Meio Ambiente da China, com outras 16 agências estatais, lançou uma nova estratégia nacional de mudanças climáticas para desenvolver ações de resiliência e adaptação até 2035. O objetivo é criar uma “sociedade resiliente ao clima” nos próximos 13 anos, o que inclui mais investimentos para sistemas de monitoramento, avisos prévios para enchentes, ecossistemas terrestres e costeiros, além de gestão de risco. A estratégia também menciona melhoramentos na infraestrutura em zonas rurais e urbanas e na segurança alimentar. Anualmente, a China perde cerca de US$ 45 bilhões (R$ 234 bi) devido a eventos climáticos extremos – agora, por exemplo, passa por chuvas torrenciais e enchentes de proporções recordes.
Sempre cabe mais um. Pouco comentada na imprensa internacional, a 14ª Cúpula de Lideres do Brics se encerrou essa semana. Realizada de forma virtual e presidida pela China, o encontro de quinta (23) contou com os chefes de Estado dos países, teve um curto discurso de Bolsonaro e, em meio à incerteza sobre a guerra na Ucrânia, do presidente russo Putin. Outras reuniões paralelas dos Brics ocorreram ao longo da semana, incluindo com empreendedores. O discurso de Xi Jinping no fórum de negócios chamou atenção e foi capa do People’s Daily. Xi aproveitou para mencionar a Global Development Initiative, ou Iniciativa de Segurança Global, projeto que vem sendo proposto no último ano por Pequim. Ao final, o consenso de analistas foi de que o bloco fugiu da questão ucraniana, mas aproveitou a ocasião para reforçar suas origens e lançar críticas aos países ocidentais, especialmente ao uso de sanções. A declaração final já está disponível em português. Para Adriana Abdenur e Renata Albuquerque em texto para o Diálogo Chino, o bloco deveria aproveitar o momento para impulsionar a cooperação climática, especialmente em energias renováveis.
A discussão sobre a expansão do bloco marcou o evento. Como comentamos, a Argentina foi convidada a participar e se candidatou para entrar no bloco. Hoje (27), o Irã também decidiu pedir para entrar como membro. Em maio, Wang Yi comentou sobre expandir para outros países, como Egito, Cazaquistão, Arábia Saudita e Nigéria, num formato “Brics Plus”. O Brasil não parece estar apoiando muito essa proposta — como o analista do Observa China, Francisco Xavier, comentou num fio no Twitter. De todo modo, será o Movimento Não Alinhado voltando de cantinho?
A primeira Conferência China-Chifre da África sobre Paz, Boa Governança e Desenvolvimento foi realizada em Addis Ababa entre os dias 20 e 21 de junho. Ela reuniu China, Etiópia, Quênia, Sudão, Sudão do Sul, Somália, Uganda e Djibouti em meio ao agravamento do conflito na região etíope de Oromia, onde pelo menos 260 pessoas foram assassinadas em um massacre de motivações étnicas. Segundo avaliação de Nicholas Bariyo e Chun Han Wong para o The Wall Street Journal, o encontro mostrou como o país asiático tem adotado uma postura mais presente em assuntos securitários do continente africano ao se oferecer para mediar conflitos via diplomacia . Ainda é cedo para dizer que há uma mudança de inflexão do princípio de política externa chinesa de não interferência em assuntos internos de outros países, mas talvez esse episódio aponte para uma busca da China de se posicionar como um “ator externo diferenciado” na região, segundo Jevans Nyabiage para o South China Morning Post. Notoriamente avessa a demonstrações públicas da sua participação em mediação de conflitos, a China já tem experiência com atuações nesse estilo na região, com o conflito de Darfur.
O tema da presença chinesa no âmbito securitário da África vem sendo discutido há alguns anos, como conta o China-Africa Project e analisa este artigo acadêmico de Lina Benabdallah. Ano passado, o think tank estadunidense Center for Strategic International Studies publicou um relatório comparando a presença militar dos EUA e da China por lá.
Mais cooperação para o clima? Uma nova estação meteorológica reacendeu esperanças por mais cooperação científica entre Nepal e China no Monte Everest. A estação foi instalada por uma expedição da National Geographic Society, com autorização do governo nepalense, e se declara a mais alta do mundo — algo disputado pela contraparte chinesa, como escreve Freddie Wilkinson para o The New York Times, que também possui estações meteorológicas no Everest e já enviou pelo menos 270 cientistas à região. Juntos, China e Nepal têm a capacidade não só de entender melhor as transformações climáticas no ponto mais alto do mundo, mas de criar planos de mitigação e adaptação climática com um impacto mais preciso na vida das pessoas: os glaciares do monte fornecem água para 2 bilhões de habitantes e para dez sistemas fluviais do sudeste asiático.
Falando em cooperação, a segunda parte da Conferência de Biodiversidade da ONU (COP 15), que seria realizada em Kunming, será sediada em Montreal em razão dos controles da pandemia de Covid-19 na China. Essa teria sido uma oportunidade perdida para despertar maior interesse sobre o tema dentro do país asiático, segundo avaliação de Li Shuo, consultor de políticas públicas do Greenpeace East Asia, em uma recente matéria do China Dialogue. Vale lembrar que a primeira parte da COP 15 ocorreu de maneira virtual, no ano passado, e teve como ponto alto o lançamento do Fundo de Kunming, um fundo de 1,5 bilhão de renminbi (cerca de R$ 1,2 bilhão) focado para incentivar esforços de proteção da biodiversidade em países em desenvolvimento.
Dale regulação de tecnologia. Na segunda metade deste mês, o órgão responsável pela administração do ciberespaço chinês publicou um rascunho da atualização da lei Disposições sobre o gerenciamento de serviços de comentários de postagem na Internet, de 2017. Se aprovado o novo texto, diversos formatos de comentários online precisarão ser revisados antes da publicação, de postagens em mídias sociais aos comentários que aparecem sobrepostos a vídeos, sejam na forma de textos, gifs, áudios ou vídeos. Segundo um especialista ouvido pelo MIT Review, é pouco provável que uma lei tão extrema seja aprovada, esse seria apenas um alerta do governo para as plataformas ficarem mais atentas. Já na última quarta-feira (22), a Administração Nacional de Rádio e Televisão e o Ministério da Cultura e Turismo lançaram uma regulação que bane 31 comportamentos da indústria de livestream. Destacam-se o requerimento de qualificação relevante para quem tratar de questões do direito, finanças ou medicina e a recomendação de que as plataformas não ofereçam oportunidades de expressão para comunicadores que demonstrem não ter ética. Não é a primeira vez que o órgão propõe regulação do trabalho dos influenciadores. Segundo análise do China Law Translate, as mudanças indicam o reconhecimento da influência de indivíduos na internet e ampliam o escopo das regulações, não apenas focando no que é ilegal, mas também no que é indesejável.
Uma juventude preocupada. Como já comentamos, o mercado de trabalho para jovens chineses recém formados não está muito otimista. O país registra a maior taxa de desemprego entre cidadãos residentes em áreas urbanas, na faixa etária de 16 a 24, desde 2018 (quando o dado começou a ser calculado). A questão deve piorar com as formaturas de junho e julho chegando. Os dilemas dessa situação foram tema de discussão entre especialistas no ChinaFile. A perspectiva preocupa, em meio a desaceleração do setor de tecnologia e contexto da pandemia, e se relaciona ao crescimento da depressão e ansiedade entre jovens. Os impactos na saúde mental não são poucos, como conta essa matéria da Caixin.
Em meio ao mercado cada vez mais competitivo, Shanghai tomou uma decisão inusitada ao oferecer o hukou da cidade para graduados nas melhores universidades do país e do mundo que trabalharem na cidade, conta matéria do Sixth Tone. O hukou funciona como documento de registro local de cada região, está ligado ao local de nascimento e dá acesso a benefícios sociais. Mudar de registro é difícil, especialmente para grandes metrópoles, o que torna a proposta ainda mais atraente.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Literatura chinesa traduzida: a editora Uneso, em parceria com o Instituto Confúcio da Unesp, acaba de publicar a tradução do clássico O imortal do Sul da China: uma leitura cultural do Zhuangzi, do filósofo chinês Zhuang Zhou (Zhuangzi). A tradução é de Giorgio Sinedino.
Vozes de maio: este texto do Rest of World explora o que acontece depois de grandes manifestações políticas online na China, como o vídeo Vozes de abril.
Falando nisso: o Sixth Tone lançou um projeto virtual fascinante de memorialização do lockdown em Shanghai, com pessoas contando suas histórias e experiências.
Claudia Mo: o Financial Times fez um ótimo perfil da jornalista e política honconguense presa há 16 meses junto com outros 46 ativistas no caso conhecido como os Hong Kong 47.
Mãos ao alto, curte aí: o que acontece quando um policial vira um influenciador? Conheça Chen Guoping, um policial que virou o principal rosto de uma campanha contra golpes na internet, mas foi depois ele próprio acusado de fraude e de abusar da sua posição para ganhos pessoais. Chen negou e, cansado das acusações, largou a vida de policial e de influenciador.
Pintura: a arte onírica de Jing Zhiyong, um artista de Tianjin, te convida a olhar para os próprios sonhos sem medo da vertigem. A NeoCha analisa algumas de suas principais obras. Não deixe de conferir!