Edição 222 – Xi Jinping viaja para a Ásia Central faltando um mês para o Congresso
À espera do Congresso. Falta menos de um mês para o evento político mais esperado da China e, em artigo publicado na semana passada, o presidente Xi Jinping deu sinais do que pode vir pela frente. O texto girou todo em torno de reforçar que a China vive sob o comando de um partido socialista, revolucionário e marxista. O atual mandatário reforçou que a “nova era” é “uma nova era socialista com características chinesas” e nada além disso. Ele fez um apelo pela manutenção dos espíritos revolucionários e fortalecimento do partido. Xi escreve que é necessário que o PCCh esteja sempre atento para observar e corrigir possíveis erros a fim de evitar o destino da União Soviética. Se você quiser entender melhor como funciona o Congresso do PCCh, passe um bom cafezinho e leia este fio. Vale a reflexão feita por Tatiana Prazeres em sua coluna mais recente para a Folha sobre o que vai além da sucessão de Xi
Enquanto o dia 16 de outubro não chega, que tal olhar pelo retrovisor e avaliar como se deu a política chinesa nos dez anos de Xi no poder? Este texto de Pei Mixin faz um balanço interessante da era Xi. Já outro texto do China Leadership Monitor fala sobre como tudo mudou sem que mudassem o partido e o presidente de 2012 para cá.
Enfrentando os golpistas. No começo deste mês, o Comitê Permanente do Politburo aprovou uma Lei Contra Fraudes Online e via Telecomunicações. A lei define responsabilidades para empresas de telecomunicação, do setor financeiro e provedores de internet para prevenir e controlar os riscos de fraudes realizadas por meio desses serviços. Segundo o Ministério de Segurança Pública chinês, nos 15 meses que antecederam julho de 2022, foram resolvidos 594 mil casos desse tipo e, apenas em 2021, foi possível evitar que 1,5 milhão de pessoas transferisse 329,1 bilhões de renminbi (U$47,5 bilhões) para golpistas.
Um aspecto importante da lei é seu foco em colaboração transfronteiriça. Como comentamos em julho, têm se tornado muito comuns os casos de pessoas na China continental, Taiwan, Tailândia, Vietnam e Hong Kong que são iludidas com promessas de trabalho no Cambodia, em Laos e Myanmar e que acabam se tornando vítimas de tráfico humano para praticar golpes em escala industrial. Na última terça-feira (13), a ProPublica trouxe uma longa reportagem sobre o assunto, detalhando a crueldade e profissionalização desse tipo de crime. Segundo a ONG Global Anti-Scam Organization, pelo menos 1.838 pessoas em 46 países perderam, em média, US$ 169.000 cada uma em golpes do tipo no ano de 2021.
Primeiro, café. Muita gente se queixa do impacto que os fechamentos frequentes e as medidas restritivas da política de Covid zero geram para a economia. Mas a estadunidense Starbucks parece seguir animada com seu negócio em solo chinês. Como conta o The Wall Street Journal, o negócio de cafés parece ainda muito promissor na segunda maior economia mundial, com a perspectiva da franquia abrir 3 mil lojas novas na China. Com isso, segundo a Caixin, o mercado do país asiático para a rede vai ultrapassar o estadunidense até 2025.
Fora da bolha. Pela primeira vez desde o surgimento da Covid-19, o presidente Xi Jinping viajou para fora da China. O destino foram dois países da Ásia Central: Cazaquistão e Uzbequistão, onde foi realizada a Cúpula da Organização de Cooperação de Shanghai. No noticiário sobre a viagem do mandatário chinês, o grande destaque foi o encontro de Xi com Vladimir Putin, o segundo do ano. A primeira reunião entre eles ocorreu em Pequim, na ocasião dos Jogos Olímpicos de Inverno. De lá para cá muito mudou e, como aponta Shannon Tiezzi em texto para o The Diplomat, o que parece ter ganhado notória diferença é a posição chinesa sobre a invasão russa na Ucrânia, com maior afastamento de Pequim. A internet ficou cheia de comentários sobre a ausência de registros amistosos entre os dois líderes.
Único correspondente brasileiro em Pequim, o jornalista Marcelo Ninio fez uma entrevista para o jornal O Globo com o sinólogo Wang Gungwu, que fala sobre a relação entre Brasil e China no cenário pós-outubro, quando o Brasil passa por eleições, e a China pelo 20º Congresso do PCCh. Aliás, vale ouvir o Papo de Notícias com Ninio, promovido pelo Observa China em parceria com a Shumian.
O tempo passa, o tempo voa. Em 2023, completa-se uma década de Iniciativa Cinturão e Rota (ICR, também conhecida como Belt and Road Initiative ou Nova Rota da Seda). No China Global South, a pesquisadora Min Ye fez um bom apanhado e análise dos dez anos desse programa que abarca quase todo o globo — inclusive chegando até a América Latina, como a adesão oficial da Argentina e declaração recente do vice-presidente do Brasil Hamilton Mourão sobre atrair investimentos chineses para infraestrutura. Segundo Ye, uma das tendências futuras apontadas por Pequim são maiores investimentos verdes — algo para os brasileiros prestarem atenção. Isso também já é percebido pelo relatório de investimentos da Iniciativa de 2021. Aliás, tem um artigo novo no nosso site que fala sobre o aspecto financeiro da Iniciativa.
Menos dependente da China. É o que se espera do presidente João Lourenço após ter sido reeleito para mais um mandato à frente do governo angolano. O país africano tem como desafio diversificar sua economia de forma a depender menos de produtos derivados de petróleo, além de outras medidas de forma a estar menos vinculado à economia do país asiático. Em texto publicado em novembro de 2021, o South China Morning Post aponta os motivos pelos quais Angola tem dificuldade em fazer este movimento. O The Africa Report fala sobre como a lua de mel entre China e Angola chegou ao fim.
Será que a Moderna vai chegar à China? É o que a CEO da empresa afirmou estar negociando junto a Pequim, que tem mantido apenas imunizantes nacionais em circulação interna. Enquanto isso, a discussão sobre quarentenas e política de Covid zero segue em alta: a despeito do desejo da população e do comentário (retirado do ar na China) do diretor-geral da OMS Tedros Adhanom de que a pandemia da Covid-19 parece estar próxima ao fim, a estratégia nacional de combate ao vírus segue firme e forte. A região autônoma do Tibete está passando por momentos de dificuldade em meio a um surto de casos, como conta o SCMP, com falta de abastecimento de produtos, assunto fortemente comentado nas redes sociais chinesas.. Acirrando ainda mais os ânimos, a semana começou com um acidente de ônibus na província de Guizhou que deixou 27 mortos . As vítimas estavam sendo conduzidas para um centro de quarentena.
Vanguarda do protesto. Desde a morte de Elizabeth II, a população de Hong Kong vem praticando uma nova forma de se manifestar contra o governo nacional: fazendo fila. Centenas de pessoas aproveitaram o feriado do Festival de Meio do Outono para ficar em fila no consulado britânico para assinar o livro de condolências e deixar flores para a monarca, o que foi interpretado como um gesto de insatisfação com o governo atual. A atitude causou reações – inclusive de campos políticos opostos. O coletivo decolonial e crítico a Pequim Lausan publicou um artigo denunciando o papel dos britânicos na destruição das tentativas locais de democratização. Já entre os apoiadores do governo central, uma manifestação inesperada veio de Regina Ip, membro do Conselho Legislativo: no Twitter, ela exaltou um artigo duvidoso sobre bancários expatriados que trocaram Hong Kong pelo Reino Unido. O texto afirma que eles estariam amplamente arrependidos e retornando em massa por causa dos clubes e da “criadagem” disponíveis na região – que, de fato, precisa desses profissionais para retomar o status de hub financeiro. Mas a situação dos cerca de 100 mil honconguenses que se mudaram para a terra de Charles III é mais cheia de nuances, como mostra um documentário da BBC lançado na semana passada. Talvez o velório real de hoje dê uma esfriada na disputa de narrativas.
Prepare os lenços: o filme independente Return to Dust (隐入尘烟, de 2022), dirigido por Li Ruijun, vem causando uma série de discussões na China pelo seu retrato da vida e do amor entre duas pessoas em situação de extrema pobreza em Gansu, uma das regiões que mais sofre com a questão no país. Apesar de alguns elogios, teve quem criticou que a obra foi feita para “inglês ver”, mostrando uma situação de pobreza que não é real ou com excessivo louvor ao caráter submisso dos personagens. Segundo a analista Rui Ma, a mídia chinesa elogiou a verossimilhança do filme, assunto comentado nesta entrevista com Li. Chamou atenção o uso do dialeto local, algo incomum, já que normalmente os atores acabam falando o mandarim de Pequim – a famosa atriz Hai Qing ficou um ano em Gansu para aprender o dialeto, contracenando em boa parte com não atores. O filme estreou no Festival de Berlim e vem rodando festivais internacionais, ainda sem previsão de estreia no Brasil, e chegou a entrar no top 10 de bilheteria na China por algumas semanas. Veja um trecho, legendado em inglês, e confira o texto da Sixth Tone contando mais sobre a produção.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Vídeo: o drama de aprender inglês a vida toda e ainda não ser levada a sério é uma das questões abordadas nesse vídeo que viralizou na internet chinesa essa semana.
BBB no delivery: restaurantes em Shanghai vão permitir que clientes assistam por meio de uma live suas comidas sendo preparadas.
Racismo: assim como fora da China, a representação nova da Ariel, sereia da animação A pequena sereia que agora vira liveaction da Disney, é tema de debate nas redes chinesas. Alerta: discussão de questões raciais, preconceito e “padrões de beleza”.
Lockdown dos sonhos: e por falar em Disney, os netizens enlouqueceram com a notícia de um lockdown obrigatório dentro do parque das fantasias. Te parece uma boa ideia?
Literatura: vale ler essa entrevista com Yan Lianke, escritor chinês contemporâneo e autor de obras como The Day the Sun Died e O Sonho da Aldeia Ding (que já foi leitura no nosso Clube do Livro). As obras de “realismo mítico” de Yan possuem altas doses de sátira.