Fotografia em cores de cenário idílico em Xinjiang: céu azul, raios de sol, cabanas rústicas sobre gramado verde. Também é possível ver postes e cabos de energia, além de uma pessoa.

Edição 206 – Bachelet encerra visita à China e diz que não foi ao país investigar

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

It’s the economy, stupid. Na quarta-feira (25), o premiê Li Keqiang  realizou um raro evento falando diretamente para funcionários de todo o governo chinês. A pauta era a economia e as preocupações com o seu crescimento, que não atingiu o esperado para maio — isso dois dias após o Conselho de Estado anunciar uma série de medidas econômicas. Como conta James Palmer, a reunião aumenta a especulação sobre a maior participação e destaque do premiê no caminho para o 20º Congresso do Partido em outubro. No que alguns veículos chamaram de “reunião de emergência”, Li falou dos desafios atuais, que em alguns setores são maiores que no auge da pandemia em 2020, e clamou por um equilíbrio entre a preocupação com a economia e a contenção da Covid-19. O momento da reunião é curioso, alinhando com o relaxamento de políticas de contenção da pandemia, especialmente em Shanghai.

Em consonância com a preocupação econômica, no domingo (29), o governo de Shanghai lançou 50 medidas econômicas para revitalizar a economia local após o lockdown. Elas incluem subsídios para despesas com gás, luz e água para não residentes da cidade, redução de aluguel e impostos sobre propriedade para empresas que se qualificarem, e diversos incentivos para capital estrangeiro. O jornalista Yang Liu fez um fio no Twitter resumindo alguns pontos importantes.

Falando nisso, quanto custa a política de ‘Covid zero’? As testagens em massa (e diárias) e uma forte campanha de vacinação tornaram-se rotina nas grandes capitais para controlar o espalhamento do vírus, mas pouco se fala sobre os custos financeiros dessa estratégia. De acordo com dois especialistas chineses ouvidos pela Caixin Global, a China já gastou mais de US$ 45 bilhões, desde janeiro de 2020, com testes em massa e vacinas. Mais importante do que o custo, contudo, é ver de onde vem o dinheiro: como apurado pelos jornalistas Liu Denghui, Dong Hui e Zhang Yukun, as cidades usam o orçamento do governo local e fundos de seguro saúde também administrados pelo governo de cada província; a proporção varia muito de uma cidade para outra e pode representar desafios fiscais caso se mantenha no longo prazo. De todo modo, há preocupação oficial dos órgãos reguladores em investigar casos de sobrepreço ou fraude, como esse recente em Pequim de mais testes positivos do que o real.

Além do custo financeiro, há um custo humano, claro. Estudantes da Universidade de Pequim saíram às ruas para protestar por terem sido proibidos de deixar o campus em meio às medidas restritivas. As queixas surtiram efeito e, como conta o SCMP, a instituição liberou os estudantes para voltar para casa.

O Grande Movimento para traduzir a China. É assim que um grupo de dissidentes chineses alguns deles anônimos denomina o projeto criado em março e que hoje já tem mais de 160 mil seguidores em sua conta do Twitter. A história desse perfil é complexa e cheia de controvérsias, já que trata de um tema árido: traduzir o conteúdo das redes sociais chinesas. Isso não está sendo feito sem tom crítico e a conta chegou a ser temporariamente suspensa em abril. The Great Translation Movement surgiu com a intenção, segundo seus criadores, de “mostrar para o mundo”, por meio da tradução do mandarim para outras línguas, de que forma a propaganda estatal chinesa tem controlado internamente o discurso sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia. Não há um único responsável pelo projeto, mas a DW fez uma entrevista com alguns participantes, traduzida para o inglês pelo The Diplomat. Eles dizem que a campanha pretende acender um alerta de que a propaganda chinesa  não é “tão boa quanto parece” e que é contaminada por “arrogância, nacionalismo, crueldade e falta de simpatia”.

O movimento gerou críticas, claro, e até acusações de que o projeto tem o propósito de disseminar racismo contra pessoas de origem asiática e que seria comparável à caça às bruxas do comunismo promovida nos EUA pelo senador Joseph McCarthy nos anos 1950, no contexto da Guerra Fria – ambas acusações feitas pelo jornal Global Times, que traz a opinião do PCCh. Por outro lado, a iniciativa é aclamada por dissidentes chineses, sobretudo por ser crítica sobre a falta de liberdade de expressão nas redes sociais do país. Para entender melhor como o trabalho dos tradutores vem sendo feito, vale ler esta reportagem da The Atlantic. Se você quer ler mais sobre os efeitos da propaganda chinesa sobre os debates de temas controversos em relação ao país, como Xinjiang e as consequências do controle da Covid-19, passe um bom cafezinho e abra este texto da Brookings.

Visita não é investigação. Este poderia ser o título do pronunciamento feito por Michelle Bachelet ao final de sua passagem pela China. No sábado (28), a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos fez seu aguardado discurso sobre a turnê, negociada desde 2018 sob a justificativa de verificar crimes contra os direitos humanos em Xinjiang. Após agradecer a todos que viabilizaram a viagem e que dialogaram com ela, Bachelet tratou de calibrar as expectativas dos ouvintes, declarando que foi à China realizar uma visita, não uma investigação. Segundo ela, um evento de tamanha visibilidade não permitiria o trabalho “detalhado, metódico e discreto” necessário a esse tipo de apuração.

A alta comissária reconheceu os avanços chineses em diversos aspectos dos direitos humanos: a erradicação da pobreza extrema, a revisão da Lei de Proteção dos Direitos e Interesses das Mulheres, progressos no acesso universal à saúde, o empenho com o desenvolvimento sustentável e o compromisso em revisar procedimentos relativos à pena de morte. Também elogiou a ratificação recente de dois tratados internacionais contra o trabalho forçado. Isso feito, Bachelet então destacou seus pontos de preocupação, encorajando que o governo revise suas leis e políticas de combate ao terrorismo e ao radicalismo, bem como suas implementações e o impacto que têm sobre as populações locais. Ela pediu prioridade para que uigures no estrangeiro possam localizar suas famílias em Xinjiang. Também manifestou apreensão quanto às limitações impostas às atividades de advogados e defensores humanos sob pretexto de defesa da segurança nacional e apontou aspectos políticos sensíveis relativos ao Tibete e a Hong Kong. Ao final de sua fala, destacou medidas para manter o diálogo de seu escritório com a China.

O discurso pode ter caído como um balde de água fria para quem acompanhou as notícias da última semana. Na terça-feira (24), a mídia internacional havia divulgado os “arquivos da polícia de Xinjiang”, que contêm informações de mais de 20 mil uigures detidos pelas autoridades locais, além de discursos oficiais, manuais para policiais e fotos de localizações estratégicas. Os documentos, que parecem expandir aqueles inicialmente divulgados há poucas semanas, estão sendo verificados por um consórcio internacional de jornalistas. A BBC fez uma longa reportagem sobre o assunto com muitas fotos, vale uma leitura atenta.

Talvez melhore. É assim que analistas e observadores falam sobre o impacto da troca de governo na Austrália. Em um pleito marcado por questões climáticas, o Partido Trabalhista pôs fim à gestão de nove anos de uma coalizão de direita. Para analistas internacionais, essa guinada pode ajudar a amenizar as relações com Pequim, que foram praticamente rompidas nos últimos anos. O novo primeiro-ministro Anthony Albanese, porém, disse que a situação deve “permanecer difícil”. As complicações na relação Camberra-Pequim foram marcadas pelo banimento da Huawei no 5G, pelo fim do principal acordo comercial entre os países e, mais recentemente, pela alta tarifação imposta pela China aos vinhos australianos. Esta reportagem do SCMP mostra uma esperança de que a situação mude. Logo após o resultado eleitoral, o Global Times publicou um editorial ácido, dizendo que espera que Camberra retome logo sua “racionalidade” em relação à China. 

Nem tudo que reluz é ouro. A empresa chinesa Zijin comprou, em março de 2020, uma das maiores minas de ouro da Colômbia, mas desde então tem sido difícil manter as operações em curso. Localizada no pequeno município de Buriticá, Antioquia, departamento de onde 77% do ouro colombiano é extraído, a mina já foi palco de três greves, sendo a última em fevereiro de 2022. Mineradores e população local alegam que a multinacional não fez os investimentos sociais esperados e utilizou indevidamente a principal reserva de água que abastece o município. Trabalhadores ouvidos pela jornalista Maria Paula Lizarazo em reportagem para o Diálogo Chino também alegam que a empresa usa “mais funcionários chineses [do que colombianos]”, e que a multinacional contribui para o fim da mineração informal, muito relevante para diversas famílias da região, fatos negados pela Zijin.

Imagina se sentir “ilegal” por ter um cachorro? Esta é a realidade de pessoas que descumprem a proibição de porte de cães maiores de 35 centímetros de altura na parte central de Pequim. Neste texto para o Financial Times, Yuan Yang (ex-chefe do escritório do jornal na capital) conta como foi driblar as regras e garantir a companhia de seu cachorro depois de herdá-lo de um amigo que deixou a cidade.

O êxodo de estrangeiros. A política de Covid zero trouxe uma série de impactos para a vida dos chineses nos últimos dois anos e tornou-se um motivo para a saída de estrangeiros do país, como conta este texto de Carla Viveiros para o Uol Tab. Esse cenário se soma ao debate que David Moser e Jeremiah Jenne trazem no podcast Barbarians at the Gate, sobre o quanto estrangeiros são (ou não) bem-vindos na China nos últimos tempos, mesmo antes de 2020. Nós já falamos sobre a diminuição de estrangeiros na China aqui.

O tiozão das big techs. O papo sobre etarismo chegou às grandes empresas de tecnologia chinesas. A ChinaAI trouxe uma edição sobre como há uma pressão para que pessoas entre 35 e 45 anos sejam substituídas por outras mais jovens. A justificativa seria que neste período os trabalhadores têm mais dificuldade para aprender novos sistemas e linguagens e estão menos dispostos a trabalhar por jornadas exaustivas já que têm sob sua responsabilidade filhos e família. Isso faz lembrar a pauta da jornada 996, sobre a qual falamos algumas vezes, e foi proibida pela Suprema Corte.

Realismo mítico: o autor Yan Lianke escreveu, junto com Carlos Rojas, sobre a literatura chinesa e acerca do estilo que ele chama “realismo mítico” ou “mythrealism”, que parece beber um pouco do realismo mágico (o texto cita Cem Anos de Solidão). No nosso Clube do Livro, nós já lemos o levemente mágico O sonho da aldeia Ding, escrito por Yan — que é, ele próprio, um adepto da teoria.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Para ficar de boa: curta a batida malemolente de Lan Ting e L8ching para começar a semana na tranquilidade.

Corre: o China Media Project explicou o termo runologysobre o qual já falamos por aqui, que surgiu na internet chinesa entre os que querem arrumar trabalho no estrangeiro para sair do país.

Documentário: “Revolution of our times”, documentário sobre as manifestações de 2019 em Hong Kong (que causou climão em Cannes), estará disponível no Vimeo a partir de 1º de junho.

Polishop de subcelebridade: que o livestream na China é sucesso, você que nos lê já sabe. E é por lá que uma série de celebridades cujo auge já passou estão procurando nova fama — e alguns encontram, conta Viola Zhou na Rest of World.

Imagem de fundo vermelho com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 亦步亦趋 (yì bù yì qū).
亦步亦趋 (yì bù yì qū), ou imitar alguém sem muito critério.
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