Fotografia em cores da estátua de tartaruga dragão na Cidade Proibida. A estátua de bronze esverdeado está em primeiro plano, com telhados laranjas e muletas brancas fora de foco ao fundo.

Foto de Gigi via Unsplash

Edição 262 – Surpresa! Kissinger visita Pequim (sim, de novo)

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

O apagão de dados sobre a Covid-19 segue firme e forte na China. A populosa província de Zhejiang removeu, após publicação na última quinta-feira (13), o número de cremações realizadas nos primeiros meses de 2023. Mas a mídia estava atenta: foram 171 mil cremações, um aumento de 73% em comparação com o ano anterior (99 mil), quando medidas de controle da pandemia estavam em vigor. O dado é relevante para quem especula sobre a discrepância entre notificações oficiais de mortes e a realidade – mas o número tem ficado de fora dos relatórios oficiais. Segundo o governo, 60 mil pessoas morreram nas primeiras cinco semanas após o fim súbito das medidas de controle da pandemia.

Tem texto novo no pedaço para regular as IAs. A partir de 15 de agosto, começam a valer as novas Medidas Provisórias para o Gerenciamento de Serviços Gerativos de Inteligência Artificial foram lançadas, no último dia 13, por um conjunto de órgãos governamentais, da Administração de Cibersegurança ao Ministério da Segurança Pública. Avaliada por si só, as MPs não parecem apontar grandes novidades. Mas em comparação com o rascunho, como analisou o China Law Translate, o novo texto parece fazer concessões em nome da promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação. Nesta versão, as regras valem apenas para as IAs generativas que atuam diretamente sobre o público geral, excluindo pesquisa e desenvolvimento; a expectativa de “conteúdo verídico” foi trocada por “transparência” e o controle de “informações negativas” foi substituído pelo de “conteúdos ilegais”. Como comentamos na edição passada, o governo está focado em regular IAs para moderar disrupções, mas acelerar seu impacto inovador sobre a indústria.

Pegando fogo. Era, de novo, a sensação de quem estava na China nesta última semana, com as mais altas temperaturas já registradas no país. A situação foi especialmente ruim em Xinjiang, onde os termômetros registraram incríveis 52,2 °C. Apesar disso, a mídia estatal CCTV achou oportuno fazer um vídeo de pedreiros trabalhando com o sol a pino para respeitar o prazo de entrega de uma obra, enaltecendo valores de sacrifício pelo país e prosperidade muito comuns em slogans do Partido Comunista Chinês. O vídeo foi bastante criticado na internet, como compartilhou Alexander Boyd para o China Digital Times.

Ainda no bonde de mudanças climáticas, a mais recente edição da Cúpula de Cooperação de Mídia Lancang-Mekong deu pano pra manga. Como David Bandurski discute no China Media Project, o evento mostrou nitidamente a “diplomacia da água” de Pequim, a narrativa de desenvolvimento da China para a bacia do Mekong. O rio abriga inúmeras hidrelétricas ao longo dos países que corta, construídas majoritariamente pela China, que então se vende como uma grande parceira de cooperação científica e tecnológica, fundamental para o controle de inundações e secas do Mekong e seus tributários. Contudo, um estudo recente com aplicações de sensoriamento remoto do Stimson Center revelou que o controle de vazão  feito por hidrelétricas chinesas foi o principal responsável por uma seca recorde no norte da Tailândia em 2020. 

Toda semana aparece mais um estadunidense na China e dessa vez foi ninguém menos que Henry Kissinger. O centenário ex-secretário de Estado e conselheiro informal do governo dos EUA sobre assuntos de China encontrou o ministro da Defesa Li Shangfu na terça-feira (18). A reunião segue em reforçar a busca por encontrar melhores caminhos para o diálogo, em momento de crescente tensão entre as nações, resumiu a Valor. 

Em meio a isso, após as visitas de Blinken, Yellen e junto com a de Kerry, veio também a fofoca de um suposto sumiço do ministro das Relações Exteriores Qin Gang, como resume James Palmer. Qin foi embaixador da China nos EUA e seu sumiço desde o final de junho em meio a tanta movimentação na relação bilateral é, no mínimo, interessante. As especulações são muitas e não há informação oficial do governo, apesar das cobranças.

“Contraproducente”. Assim classificou Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, a recém-publicada estratégia alemã para as relações com Pequim. No documento, a Alemanha estabelece que pretende minimizar os riscos nas relações comerciais e reduzir dependências em setores críticos — isso porque vê na China uma “rival sistêmica”. Na esteira da publicação, o governo chinês condenou medidas protecionistas aplicadas com o intuito de reduzir riscos e alertou para que Berlim não aumente a divisão do mundo em sistemas competindo entre si. Em breve análise, o pesquisador Jacob Mardell afirma que o tom diplomático do texto (diferente de versões anteriores, mais agressivas) é bem-vindo, mesmo que a Alemanha tenha tirado o corpo fora em alguns temas. O documento pode ser lido na íntegra, em inglês, aqui.

Modus Operandi. A caçada do milhão anunciada pelo governo de Hong Kong está fazendo efeito. Segundo declarou o líder John Lee no dia 11, o governo já teria recebido informações, e a polícia estaria investigando pessoas que ajudam os “ratos de rua” (ativistas políticos foragidos). No mesmo dia, parentes de Nathan Law, exilado no Reino Unido, foram levados para um interrogatório policial. A tática de intimidar a família de foragidos é típica da China continental, e por esse motivo Law já havia renegado a família ao emigrar, em 2020. Ainda sobre táticas usadas por Pequim contra ativistas de Hong Kong, um relatório lançado recentemente pelo Citizen Lab identificou indícios de que Pequim teria contribuído para uma campanha “popular” de vazamento de dados privados de manifestantes em 2019. 

Sem medo de ser feliz. Os tempos difíceis dos lockdowns estão mostrando sua influência na moda da geração Z chinesa, tanto nas roupas quanto nos corpos. Como conta o Jing Daily, a dopamine dressing (algo como “vestida na dopamina”, neurotransmissor associado ao prazer) está tomando as ruas com cores vibrantes, sem regras, foco total no prazer. No app de vídeos curtos Kuaishou, a hashtag associada ao estilo (多巴胺穿搭) já foi visualizada mais de 200 milhões de vezes, com mais de 540 mil posts e 50 mil produtos relacionados oferecidos no aplicativo Xiaohongshu (um Instagram chinês). No mesmo espírito de alegria e liberdade, vem surgindo uma nova onda de influenciadoras de “corpo mediano” (微胖 weipang), jovens mulheres que não se veem representadas nem pelo ideal chinês de magreza, nem pela moda plus. A Radii conta que a hashtag para esse tipo de corpo já acumulou mais de 7,8 bilhões de visualizações no Xiaohongshu e 38 bilhões no Douyin (o TikTok). A base vem forte e feliz.

reforma electoral en Hong Kong

Newsletter: a Active Faults, focada nos diferentes fandoms chineses, explicou na última edição o impacto (positivo) dos danmeis sobre leitoras mulheres. 

Coluna: o jornalista Celso Rocha de Barros escreveu na Folha sobre os debates que fizeram a China e uma análise do livro Como a China escapou da terapia de choque, de Isabella Weber, lançado no Brasil no início do mês.

Vai uma sopinha aí? Passando frio ou não, uma sopa de wonton tem um lugar especial no coração de um bom Shumianer. Aproveite o vídeo que a Ibrachina fez com a chef Jiang Pu (que fala português!) e mão na massa.

Bora ser feliz: aquela limpeza na sua timeline é esse perfil de fotos de gatos em lojas de Hong Kong, pelo fotógrafo Marcellus Heijnen. 

(changan) Animação: o trailer não tem legenda em inglês nem português, mas dá pra ter um gostinho da animação Chang’an que conta a história de dois famosos poetas da Dinastia Tang, Gao Shi e Li Bai. Vale ler a entrevista com os diretores do Beijing Review.

 

Wong Kar-Wai, diretor honconguense amado aqui na Shumian, completou 65 anos na última segunda-feira (17). Vale assistir este Q&A de 2020 em que ele responde dez perguntas de outros diretores aclamados.

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