Edição 288 – Ano Novo Lunar frio e com pouco dinheiro
O salário caiu (mas não no bom sentido). Uma pesquisa da plataforma de recrutamento online Zhaopin apontou que, em 2023, aproximadamente um terço dos trabalhadores de escritório na China tiveram alguma redução salarial, a maior proporção em pelo menos seis anos. A pesquisa também revelou preocupações com as taxas de desemprego e um alto nível de competição pelas vagas para o setor de tecnologia. O cenário se agrava ainda mais diante da taxa de desemprego entre os jovens, historicamente alta, somada a um número recorde de universitários prestes a se formar em 2024.
Não tem como fugir dela: a inteligência artificial foi o tema que dominou 2023 na China — e no resto do mundo também. No MIT Technology Review, Zeyi Yang lista quatro pontos sobre as regras de IA na China para 2024, como direito autoral, pressão do governo e avaliação de modelos. Na semana passada, as autoridades chinesas aprovaram para uso comercial 14 LLMs (ou large language models) que treinam grandes quantidades de dados em formato de texto e também autorizou a abertura de empresas especializadas em IA, conta o South China Morning Post. O uso de ferramentas de IA pelo próprio governo também chama atenção: este texto do China Media Project avalia a Zhongke Wenge, uma empresa que oferece soluções de IA para comunicação institucional para o Partido Comunista, inclusive produção de textos e vídeos com apresentadores virtuais e sem marca d’água ou possível rastreamento. Se você vai ficar em casa no Carnaval, a dica é aproveitar o descanso para ler este paper fresquinho da pesquisadora Angela Zhang sobre a regulação de IA na China e (desafios da) sua implementação.
No embalo tech, a ChinaAI traduziu para o inglês uma lista de 10 acontecimentos de governança da internet que impactaram o país no ano passado. Ela inclui grandes momentos que passaram por aqui, como a multa à CNKI, a primeira regulação sobre IA generativa, o futuro da China Judgement Online e proteção de menores na internet.
A hora é agora. No final de janeiro, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, da sigla em inglês), principal órgão do governo chinês para a economia, anunciou uma nova e ambiciosa política para acelerar a adoção de energia sustentável no país: as províncias devem prescrever cotas mínimas de consumo desse tipo de energia para indústrias altamente intensivas em emissões de carbono. Conforme explicou o especialista do setor David Fishman, essa política ambiental-industrial deve ter um grande impacto na transição energética do país ao obrigar empresas nada verdes, como as de siderurgia e petroquímica, a utilizarem energias renováveis em sua produção. Os efeitos na economia ainda são incertos, mas a medida sinaliza uma clara vontade de reduzir a pegada de carbono do país.
E no mesmo tom: o Green Finance & Development Center da Universidade de Fudan publicou um relatório sobre investimentos na Iniciativa Cinturão e Rota em 2023 e a energia seguiu destaque (ainda que menos do que em 2022). Nessa área, os investimentos nunca estiveram tão focados em energia verde desde a criação da Iniciativa.
O combate à corrupção se internacionalizou. A pesquisadora Chi Yin do US-Asia Law Institute em Nova York publicou um artigo no The Diplomat sobre como a China lentamente vem exercendo jurisdição extraterritorial para combater a corrupção. Chi comenta que a condenação de dois executivos chineses por corrupção em Cingapura em outubro do ano passado aponta para novos tempos. Apesar de leis proibindo o suborno de autoridades estrangeiras já estarem em vigor desde 2011, foi só em 2023 que começaram a ser de fato aplicadas. Segundo Chi, isso aconteceu por dois motivos: a implementação, por parte do Judiciário do país, de novos mecanismos para punir esses casos e a campanha do governo Xi acerca do “Estado de Direito relacionado ao estrangeiro” (foreign related rule of law). A leitura vale um cafezinho.
Já podem pedir música no Fantástico. O Vaticano consagrou três bispos chineses. A China assegurou que a nomeação segue um acordo “secreto” de 2018, que prevê a participação mútua na nomeação de bispos no país, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros expressou disposição em impulsionar a melhoria das relações bilaterais com o Vaticano. O esforço não é sem razão: recentemente, o Papa fez um discurso sobre suas preocupações a respeito do tema Inteligência Artificial, o que atraiu apoio da líder de Taiwan, Tsai Ing-wen, que mencionou um desejo de aprofundar a cooperação com a Santa Fé. Se está parecendo muito complexo — e é mesmo — sugerimos uma escutada no nosso episódio especial sobre catolicismo na China. Vai ajudar a digerir melhor tudo isso.
O clima não tá muito para ano novo (chinês). Aqueles que estão voltando para casa para comemorar o Ano Novo Lunar vão enfrentar um clima não muito agradável na China. A previsão para 31 de janeiro a 6 de fevereiro é de neve e chuva em áreas das regiões central e oriental do país. A neve e o tempo gelado já tem afetado estradas (mais de 700 estão bloqueadas), ferrovias e aviação, especialmente em Hubei e Henan, regiões centrais que são centros cruciais de transporte no país. Em comparação com 2023, neste ano houve um aumento de aproximadamente 40% no número de passageiros nos diferentes meios de transporte comercial, um recorde, tornando este Festival da Primavera o mais movimentado da história.
Violência de gênero em Xinjiang. No início de fevereiro, a organização Uyghur Human Rights Project (UHRP) publicou um relatório especificando a repressão do governo chinês sobre mulheres uigures. Com o objetivo de reverter a percepção pública de que apenas os homens dessa minoria sofrem persecução penal, o documento indica que, em nome de libertar as mulheres de uma suposta opressão religiosa, Pequim criminaliza práticas espirituais que ofereciam a elas um papel de liderança dentro de suas comunidades. A análise, feita com dados da polícia chinesa vazados em 2022, revela casos de idosas condenadas à prisão pelo crime de estudar o Corão durante a infância, jovens encarceradas por usar a hijab e a detenção de 91 líderes religiosas do mesmo distrito. Esses novos dados se somam a relatos de violência baseada em gênero contra as prisioneiras, como esterilizações, abortos e matrimônios forçados. No final de janeiro, a violação dos direitos dos uigures pelo estado chinês foi um dos pontos criticados durante a revisão periódica universal de direitos humanos do país, realizada no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Espelho, espelho meu… À medida que expandem suas operações internacionalmente, algumas empresas chinesas têm enfrentado desafios e chateações devido a imitadores das suas franquias. Esse fenômeno de cópias inclui casos como o da cafeteria Luckin Coffee na Tailândia, onde um estabelecimento semelhante foi autorizado a usar o mesmo nome e logo, resultando em uma batalha legal perdida pela empresa chinesa devido às diferenças entre as leis de propriedade intelectual tailandesa e chinesa. Na Nigéria, o problema é em outro setor: a Ganfeng Lithium, empresa registrada em 2022, mas que não tem relação com a original (fundada em 2000). Além da Ganfeng, outras duas empresas nigerianas com homônimas chinesas estão envolvidas na primeira planta de processamento de lítio na Nigéria – um investimento no valor de US$250 milhões.
Fotografia: esta matéria do The Diplomat traz imagens da cidade (bem) antiga de Kashgar, em Xinjiang. Os registros foram feitos em 1998. São parte do livro do fotógrafo Kevin Bubriski – The Uyghurs: Kashgar before the Catastrophe.
Mais fotografia: esta edição da Far and Near destaca o trabalho de registros de imagens de três fotógrafos chineses pela América Latina, Tailândia e Mianmar. Tem também um vídeo que mostra a difícil realidade dos trabalhadores migrantes de idade avançada.
É tendência: a Following the Yuan fez uma edição sobre tendências de consumo que devem seguir sendo importantes no mercado chinês em 2024, incluindo menos salto alto, mais shows, e marketing para cidades de nível hierárquico mais baixo.
Polêmica: o artista Ai Weiwei, que frequentemente aparece na mídia criticando a censura do governo chinês, afirmou à Sky News que países ocidentais estão se comportando tal qual a China quando o assunto é Israel e Palestina. Ano passado, uma exposição sua foi cancelada em Londres na esteira de postagens críticas à postura ocidental no atual conflito.
Tecnologia: cientistas chineses apresentaram o design de um novo material teoricamente indetectável à luz visível, micro-ondas e infravermelho. A DW conta mais sobre esse verdadeiro “manto da invisibilidade”.
O documentário Dreamwork China (2011), dos italianos Tommaso Facchin e Ivan Franceschini, entrevista trabalhadores migrantes em Shenzhen. Confira um trecho.