Edição 303 –Visita de Alckmin à China é produtiva, mas sem BRI
Há 35 anos, na madrugada do dia 03 para 04 de junho de 1989, tropas chinesas expulsavam manifestantes (a maioria estudantes) que há meses acampavam na Praça da Paz Celestial na capital. Ao redor do mundo, a diáspora chinesa (e apoiadores) realizou memoriais, eventos e vigílias, conta o China Digital Times. A famosa vigília de Hong Kong no Victoria Park, praticamente parou de acontecer durante a pandemia (sob a justificativa de evitar aglomerações) teve muita polícia, inclusive com detenções. A newsletter Lingua Sinica resgatou dois textos sobre mídia e jornalismo no contexto dos protestos e no período posterior — e como a falta de conversas públicas sobre isso levam ao esquecimento do que ocorreu, mesmo em tempos de internet. O tema da memória tem sido recorrente no aniversário do evento, como neste texto de Li Yuan sobre censura na internet, para o The New York Times. Mas ainda é possível ver o material multimídia produzido pelo South China Morning Post de 10 anos atrás nos 25 anos da repressão.
Corrida espacial. Esta semana, a China realizou sua segunda aterrissagem bem-sucedida no polo sul da Lua com a sonda não tripulada Chang’e-6, onde coletou amostras de rocha e solo. Esta é a segunda aterrissagem bem-sucedida do gigante asiático da China nesta região desde 2019. Esse sucesso reforça o desejo de Pequim de estabelecer uma base lunar permanente na década de 2030, com apoio de países como Rússia e Tailândia. O que pode parecer um pequeno passo em relação à exploração da Lua está, na verdade, inserido num contexto mais amplo, de competição entre China e Estados Unidos no espaço.
Outro exemplo dessa disputa é marcado pela inauguração da nova fábrica inteligente da Shanghai Gesi Aerospace Technology (Genesat), em dezembro de 2023. A fábrica tem a capacidade de produzir um satélite a cada um dia e meio, com capacidade de até 300 por ano. Em comparação, a estadunidense Starlink já possui uma rede de mais de 6.000 satélites da SpaceX. Até agora, a China lançou menos de 200 satélites em órbita baixa, usados para demonstrações tecnológicas e observação da Terra. A escolha por trás desse novo investimento na Genesat vem muito frente a estagnação do projeto inicial atrelada à Guo Wang supervisionada pela empresa SatNet.
A semana foi marcada pela visita do vice-presidente Geraldo Alckmin a Pequim. O vice de Lula desembarcou na capital chinesa em meio a rumores — espalhados também por petistas — de que a viagem resultaria na formalização do Brasil como membro da Iniciativa Cinturão e Rota. Não aconteceu e coube ao próprio Alckmin negar o boato assim que ele pisou em solo chinês. A viagem foi motivada pela reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), principal mecanismo das relações bilaterais entre os países. Em 2024, China e Brasil celebram 50 anos desde o estabelecimento das relações diplomáticas. Durante a visita, também acompanhada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), por empresários e pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, foram assinados uma série de acordos. Entre eles, vale destacar o compromisso da rede de cafeterias chinesa Luckin Coffee — conhecida como a Starbucks local e por um escândalo de fraude contábil em 2020 já superado — de comprar café brasileiro. Para quem quer saber mais sobre o meio século das relações diplomáticas entre Brasil e China, recomendamos ler este texto – que olha principalmente para o meio ambiente.
O sucesso era fake news? Nesta semana, o governo dos Estados Unidos acusou legalmente de lavagem de dinheiro e fraude bancária o CFO do tabloide Epoch Times, Weidong Bill Guan. Segundo a acusação, desde 2020, Guan teria movimentado 67 milhões de dólares em um esquema que envolvia criptomoedas, cartões pré-pagos e múltiplas contas bancárias. O dinheiro direcionado para a publicação elevou os lucros em 410% no primeiro ano, chegando a 62 milhões ante os 15 milhões de 2019. Como contamos em outubro, o tabloide criado pelo Falun Gong é uma publicação de extrema-direita conspiracionista que conquistou o apoio de conservadores dos Estados Unidos, chegando a arrecadar 122 milhões de dólares em 2021 e atingindo a marca de quarto maior jornal do país em número de assinantes.
Encontro trilateral. No final de maio (26 e 27), autoridades da China, Japão e Coreia do Sul se encontraram em Seul para a Cúpula Trilateral – que não acontecia desde 2019. O evento encerrou com uma declaração que cobre intercâmbio estudantil, meio ambiente, comércio (talvez um Acordo de Livre Comércio) e paz, além de promessas de manter regularidade nos encontros de forma anual. Como conta este texto no The Diplomat, esse formato de reunião trilateral no Leste Asiático iniciou-se em 2008, a partir da crise financeira e colapsaram a partir dos anos 2012-2013 com a crescente tensão entre China e Japão. Estiveram lá o primeiro-ministro japonês Kishida Fumio, o presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol e o premiê chinês Li Qiang – a ausência de Xi Jinping chamou atenção para quem analisa e é pessimista sobre a prioridade que o país dá para os vizinhos.
Modi, reeleito, fala sobre parceria com Taiwan. E a China com isso? Após os resultados das eleições de Lok Sabha (a câmara baixa do Parlamento Indiano), que consagraram Modi como primeiro-ministro pela terceira vez seguida na quarta(05), o também recém-eleito líder de Taiwan, Lai Ching-te, postou uma mensagem cumprimentando Modi. No texto das redes sociais, Lai diz esperar que Taiwan e a Índia possam aprimorar suas parcerias, o que certamente gera incômodo em Pequim. Deli mantém relações diplomáticas (ainda que conflituosas) com Pequim, e não reconhece Taiwan como nação independente. Em resposta, Modi agradeceu publicamente a Lai, destacando a expectativa de laços mais estreitos e uma parceria mutuamente benéfica.
A troca de afagos não foi bem vista pelo Ministério das Relações Exteriores da China, já que não é a primeira vez que Modi cita Taiwan e comentários públicos. O porta-voz chinês, Mao Ning, reiterou a posição de que Pequim não reconhece um “presidente de Taiwan”. Mao Ning declarou que a China se opõe a qualquer forma de interação oficial entre Taiwan e países com laços diplomáticos com Pequim, mencionando que a Índia deve respeitar seus compromissos políticos e evitar envolvimentos oficiais com autoridades taiwanesas. A Embaixada da China na Índia também se manifestou reiterando que Taiwan é uma “parte inalienável” do território chinês, destacando o princípio de “Uma Só China”.
Se você era daqueles que escondia o boletim dos seus pais na escola, você teria problemas na China. Não estamos falando aqui de alunos do ensino fundamental ou médio, estamos falando de universitários chineses que não têm a opção de esconder — ou não falar sobre — suas notas com os pais. O SixthTone fez uma reportagem mostrando que, em alguns casos, pais têm recebido correspondências com as notas de todos os alunos da sala de seus filhos. Isso tem gerado nervosismo, ansiedade e tentativas de mentira, tanto por parte de alunos quanto de pais e conselheiros acadêmicos. A pressão de famílias chinesas sobre o desempenho acadêmico dos filhos não é novidade, mas o texto dá vozes e detalha casos, explicando também o lado de professores e universidades pressionados ou responsabilizados por eventuais problemas com os alunos. Vale aquele cafezinho para ler e refletir: quais os limites da privacidade?
Trem corujão. A partir de 15 de junho, viajar de trem entre Hong Kong e Pequim ou Shanghai pode ser uma questão de fechar os olhos – e dormir. Na última terça-feira, a China Railway e o MTR anunciaram que trens de alta velocidade ligarão a região administrativa especial (RAE) às duas grandes cidades em viagens noturnas. Segundo o líder de Hong Kong John Lee Ka-chiu, a nova modalidade deve impulsionar a integração entre a RAE e a China continental. As viagens serão oferecidas de sexta a segunda-feira, reduzindo pela metade o tempo de jornada das rotas atuais, que utilizam trens comuns.
Pinceladas antigas: esta matéria do South China Morning Post conta a história (e com belíssimas e imperdíveis artes) das desenhistas Anna Hotchkis e Mary Mulikin, que pintaram a China na década de 1930.
Filmes: procurando dicas de filminhos românticos para o Dia dos Namorados? Esta lista da Radii traz obras cinematográficas chinesas nessa vibe.
Arte: conheça o trabalho de Huang Heshan, um artista chinês que está fazendo sucesso com um projeto chamado Too Rich City (秃力城), uma cidade digital que imita grandes metrópoles chinesas. Dá para conferir alguns vídeos aqui. Fã do interativo, Huang recebe sugestões de prédios que poderiam estar na cidade por grupos de WeChat de apoiadores-construtores.
Tia do Zap: usar sistemas de inteligência artificial pelos olhos e pensamentos de uma mulher chinesa comum, aposentada, e com 50 anos.
Julia (observa)> Guia: está disponível o terceiro guia do Observa China, desta vez o tema é a Iniciativa para o Desenvolvimento Global.
Seria a cachoeira ininterrupta mais alta da China… artificial? Segundo a administração do parque da montanha Yuntai, o recurso seria apenas uma “melhoria” utilizada em tempos de seca para não frustrar os visitantes.