Foto de paredão de containers coloridos.

Foto de Teng Yuhong via Unsplash.

Edição 270 – Uma década de Iniciativa Cinturão e Rota

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Não bastasse o supertufão Saola na semana anterior, o sul da China teve de lidar nos últimos dias com chuvas extremas. Na cidade de Shenzhen, nas 24 horas que sucederam o fim da tarde de quinta-feira (7), 202 milímetros de água caíram, quebrando recordes de 71 anos e interrompendo serviços de metrô. Já em Hong Kong, foram 158 milímetros no mesmo período, um número recorde desde o início dos registros em 1884, volume equivalente ao de 90 dias normais. Apesar da infraestrutura impressionante para lidar com chuvas excepcionais, a cidade virou um piscinão, com ao menos 60 ruas alagadas, 151 árvores derrubadas, 33 casos de deslizamentos, 300 pessoas desalojadas, 144 hospitalizadas, outras duas mortas, e cachoeiras nas estações de metrô. No fim da sexta-feira (8), a vida já parecia estar voltado ao normal, e o assunto passou a ser tratado com humor, algum romantismo e cobranças sobre os representantes públicos.

Tem plano quinquenal novo na área. O governo chinês anunciou o plano quinquenal legislativo que deve vigorar até 2028. Com 130 projetos de emendas, revisões e criações de novas leis, destaca-se o objetivo de respaldar legalmente ferramentas de governança nacional. Outras pautas que chamam atenção dizem respeito à promoção da unidade étnica, a proteção de chineses no estrangeiro, a promoção da economia digital, a força de trabalho industrial e cuidados com crianças e idosos. É possível ler uma tradução para o inglês, não oficial, no site da NPC Observer.

Aquele bom café forte. A parceria da gigante Kweichow Moutai, marca de alto nível que produz baijiu, com a Luckin Coffee, aquela rede de cafés que havia fraudado a torto e a direito números de vendas, quase falido e recentemente renasceu das cinzas, ultrapassou US$ 13,8 milhões (cerca de 68 milhões de reais) já no primeiro dia de lançamento. Mas o dinheiro não é o foco: a Moutai faz colaborações inusitadas para abocanhar uma parcela da geração Z, seguindo a tendência de marcas de luxo que fazem parcerias com outras mais populares com o público jovem. Contudo, há especialistas que acreditam que a Luckin sai ganhando nessa, tomando para si parte do prestígio da marca de luxo em troca de exposição para os jovens.

Economia e geopolítica. Com uma visita ao memorial a Mahatma Gandhi, chegou ao fim no último domingo (10) a reunião do G20. No dia anterior, o grupo já havia alcançado um acordo e divulgado sua declaração final, sem condenar a Rússia (mas posicionando-a como agressora contra a Ucrânia), elevando a União Africana a membro pleno do grupo e estabelecendo ações contra o aquecimento global. No dia seguinte, um editorial no estatal Global Times comentou sobre a criação, paralela ao encontro do grupo, de um corredor econômico ligando Índia, Oriente Médio e Europa, anunciado pelo presidente estadunidense Joe Biden. O acordo é amplamente encarado como uma forma de Washington concorrer com a Iniciativa Cinturão e Rota.

O tempo voa, não é mesmo? Comemorou-se na última semana dez anos da criação da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), a estratégia de financiamento chinês no exterior focada em infraestrutura e desenvolvimento, uma das maiores marcas do governo de Xi Jinping. Para o China Dialogue, seis especialistas discutiram o legado e o que esperar da BRI em diferentes partes do mundo, como Paquistão, África e América Latina. Já a Xinhua fez um apanhado das principais contribuições da BRI na Ásia, enquanto a Embaixada da China em Granada salientou os ganhos econômicos da iniciativa para países em desenvolvimento. Em português, o analista internacional Filipe Porto abordou a importância geopolítica da iniciativa e como ela insere na política externa chinesa; e tem também a coletânea A China e a iniciativa cinturão e rota: percepções do Brasil, gratuita, da FGV Rio.

Composta por 152 países, a BRI já movimentou mais de US$ 1 trilhão (quase cinco trilhões de reais) em projetos nos países receptores e tinha como foco inicial exportar excesso de capacidade produtiva da China. Com o tempo, foi se adequando a novas conjunturas, como a preocupação com questões ambientais, e voltou seu foco para projetos menores, como analisa Ralph Jennings para o South China Morning Post.

As relações entre China e Reino Unido já não andavam ótimas, mas sempre dá pra piorar. Durante a reunião do G20, o primeiro-ministro britânico Rishi Sunak confrontou o premiê Li Qiang a respeito de um caso, ocorrido em março, que ganhou as manchetes no último domingo: dois cidadãos foram detidos em Londres e Edimburgo sob suspeita de serem espiões para a China. Não seria nada excepcional, não fosse um deles pesquisador no parlamento britânico, com acesso a diversos políticos conservadores. Sunak acusou o governo chinês de tentar enfraquecer a democracia britânica. O jornal The Sunday Times revelou que o suspeito seria Chris Cash, um abastado historiador de 28 anos que dirigiu o China Research Group – e nega as acusações. A embaixada chinesa no Reino Unido afirma que o caso é uma invenção maliciosa. Além da preocupação de políticos e público britânico com a extensão da espionagem de Pequim, o caso também preocupa exilados honconguenses no país, alguns porque chegaram a se comunicar com Cash, outros porque têm mais um motivo para ficarem apreensivos. Aparentemente, em 2021 e 2022, o serviço de inteligência MI5 já havia alertado políticos conservadores de que dois membros do parlamento eram possíveis espiões chineses.

As acusações e desconfianças não param por aí. Na segunda-feira (11), o Ministério de Segurança do Estado chinês anunciou que o honconguense John Shing-wan Leung, condenado à prisão perpétua na China em maio, foi sentenciado por assumir uma identidade falsa, com apoio do governo estadunidense, para se passar por filantropo na China e, assim, se aproximar de figuras políticas e repassar informações para os EUA. Do outro lado, alguns dias antes, a mídia havia divulgado que o governo chinês teria banido servidores públicos de utilizarem iPhones e outros celulares estrangeiros em escritórios, algo que Pequim negou nesta quarta (13) – mas não a tempo de evitar uma desvalorização de 200 bilhões de dólares nas ações da Apple. Os EUA também estão de olho em uma fabricante de smartphones chinesa, tendo anunciado na semana passada que investigariam como o novíssimo Mate 60 Pro, da Huawei, poderia ter um chip tão avançado mesmo após o bloqueio da exportação de semicondutores. Não seria a primeira vez que o tiro sai pela culatra: sanções impostas por EUA e Japão motivaram a China a encontrar uma maneira de produzir por contra própria uma fibra de carbono ultra forte utilizada nas indústrias aeroespaciais e na defesa militar.

O mar não está pra peixe. Uma reportagem no The World of Chinese explora como a reação do governo chinês à decisão do Japão de liberar a água dos reatores de Fukushima no Oceano Pacífico gera temor e ansiedade nos pescadores da China, que veem o seu ganha pão ameaçado pelo crescente temor coletivo de se consumir pescado – até mesmo os de origem local. De acordo com um estudo da Universidade Tsinghua, a água contaminada deve atingir a costa chinesa em 240 dias, gerando especulações sobre a segurança de consumir peixes locais. Pescadores e donos de restaurantes japoneses ouvidos pela reportagem descrevem frustração, tanto pelas perdas financeiras já sentidas quanto pelo receio com o futuro da indústria.

Adoramos falar sobre fantasmas e cultura, e o final do mês passado um festival dedicado a eles em muitos países de tradições chinesas. Comemorada no 14º ou 15º dia do sétimo mês do calendário lunar, este ano a festividade ocorreu no dia 30 de agosto. Michelle Kuo e Albert Wu, da newsletter A Broad and Ample Road, contaram quem são e o que querem os fantasmas e, na última edição, mostraram um pouco das celebrações em Taiwan. A Zolima explicou sobre uma tradição que se vê pelas ruas de Hong Kong nessa época, em todo e qualquer canto: a queima de incensos e outras oferendas para os espíritos de ancestrais. Já o China Daily publicou um longo e ilustrado histórico sobre o festival.

reforma electoral en Hong Kong

Tofu: Texto escrito para estadunidenses, mas que vale pros brasileiros também, lamenta o quão pouco sabemos sobre tofu e explica um pouco sobre seus mais de 20 tipos.

Música: A dica musical da semana é ouvir o jazz taiwanês do trio Plutato, uma pegada futurista e experimental que vale cada segundo do seu tempo.

Dino: Foi descoberto em Fujian o fóssil de um dinossauro pequenino, parecido com uma ave de pernas longas. O Fuijianvenator prodigiosus, ou “Caçado bizarro de Fujian”, viveu na região no período Jurássico Superior, há cerca de 148-150 milhões de anos.

Cinema: Feito por uma equipe de exilados uigures, o filme francês Nikah, de Mukaddas Mijit e Bastien Ehouzan, está conquistando o circuito de festivais europeus com uma história familiar passada nos anos 2010.

 

Quem é rei perde a majestade sim! Um tanque não foi capaz de derrubar o Rei do Batom, mas a falta de empatia com o consumidor econômico causou problemas.

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