Edição 336 – Xi preside encontro com empresários chineses
Mais que amigos. Em meio a tensões econômicas – internas e externas – Xi realizou mais uma edição do simpósio com o setor privado chinês, com foco nas empresas de tecnologia. Essa é a terceira edição desde 2018 e parece ter sido mais para acalmar corações do que qualquer outra coisa mais concreta. Na Sinocism tem a tradução para o inglês do discurso do líder, bem como a lista parcial de quem foi, como os altos escalões da Xiaomi, Tencent, Alibaba, CATL, BYD e Huawei e o novo queridinho DeepSeek (aparentemente Baidu não foi convidada). Chamou atenção a participação de Jack Ma, fundador do Alibaba Group e que andava sumido desde 2020 após tensões na regulação da Ant, braço financeiro do grupo. O timing do evento em meio ao sucesso do DeepSeek e o reaparecimento do bilionário sentado na primeira fileira sinaliza, para alguns, que Pequim vai começar a aliviar a barra para as empresas de tecnologia – que viram uma série de regulações sendo lançadas especialmente entre 2019 e 2023. De todo modo, a reunião teve resultado positivo nas redes sociais chinesas e nas ações das empresas nas bolsas de valores pelo mundo.
Pivotando. Ok, o futuro do TikTok nos EUA é uma incógnita – o que mais a ByteDance tem para oferecer para o mundo? Segundo a Caixin, uma forma de conteúdo gratuito e direcionado por algoritmos que já é sucesso na China: micronarrativas. Embora a ByteDance já ofereça esse tipo de vídeo no Douyin (o TikTok chinês), um app dedicado ao gênero foi desenvolvido para o mercado internacional: o Melolo. Disponível na Indonésia e nas Filipinas desde novembro de 2024, ele deve aparecer em outros países logo menos, porque a empresa iniciou neste ano contratações para formar uma equipe de expansão. Como já contamos por aqui, as histórias dramáticas de vários episódios de poucos minutos distribuídas em plataformas digitais movimentaram cerca de 50,44 bilhões de renminbi (USD$6,89 bilhões) em 2024 e têm um público de 576 milhões de pessoas.
Vetado. O sucesso do DeepSeek a nível mundial tem sido recebido com frieza por alguns governos. No final de janeiro, a Itália se tornou o primeiro país a bloquear o acesso ao app do chatbot do DeepSeek, após investigações relacionadas à privacidade de dados — cerca de 10 dias após o lançamento do LLM que abalou o mundo da tecnologia. Taiwan e Austrália também proibiram o uso por funcionários públicos (assim como alguns órgãos públicos nos EUA e o estado do Texas). No sábado (15), a Coreia do Sul se juntou e pediu o banimento do chatbot do modelo R-1 das lojas de aplicativos, apesar de que ainda pode ser acessado por quem já baixou. As acusações parecem seguir pelo caminho da proteção da segurança nacional e preocupação que o governo chinês possa acessar os dados dos cidadãos. A empresa chinesa conversou com autoridades sul-coreanas e admitiu não ter respeitado algumas das obrigações da legislação de proteção de dados do país, conta a Reuters.
Pacífico Sul. Na última sexta-feira (14), a China e as Ilhas Cook firmaram um acordo elevando as relações bilaterais ao nível de parceria estratégica abrangente, o qual abre a possibilidade de construção de instalações de uso dual, civil e militar. A assinatura coincidiu com a primeira visita oficial em 10 anos de um premiê cookense a Pequim. Ao Sul do Pacífico, as Ilhas Cook são uma ex-colônia neozelandesa que retém um status semelhante ao de um protetorado da Nova Zelândia, que reclamou não ter sido consultada antes da formalização dessa nova parceria com a China. Às críticas, o premiê cookense respondeu que o retorno de Trump à presidência dos EUA mostrou que o país não pode depender da boa vontade de um “irmão mais velho”, referindo-se a Wellington. A professora Anne-Marie Brady publicou uma análise das consequências dessa aproximação para a geopolítica do Pacífico Sul no The Diplomat cuja leitura vale um chazinho.
Como vai a oposição a Pequim em Hong Kong? Nesta semana, o Democratic Party, existente há 30 anos, iniciou os procedimentos de encerramento de suas operações. A decisão ainda deve ser votada, mas os líderes da organização acreditam já não haver como influenciar o cenário político da região administrativa especial. Também nesta semana, a ex-membro do já encerrado Civic Party Carmem Lau foi incluída, junto com outros cinco ativistas, na lista de procurados políticos cuja prisão vale um prêmio de 1 milhão de HKD. Lau vive atualmente nos EUA, mas familiares seus que permanecem em Hong Kong foram chamados para questionamentos, forma comum de silenciar ativistas exilados, como contou à BBC Chloe Cheung, membro inaugural da lista de procurados do milhão. Ameaças a familiares também são feitas contra duas advogadas do Reino Unido que atuam na defesa de Jimmy Lai, ex-dono do jornal Apple Daily e opositor de Pequim multicondenado: além de serem monitoradas e terem suas contas bancárias hackeadas, elas receberam ameaças de estupro contra seus filhos. Por fim, no início do mês, o PORI, instituto que pesquisa a opinião pública local, decidiu parar de realizar pesquisas próprias e avalia encerrar as suas atividades. A newsletter do ativista Brian Kern é uma boa fonte para acompanhar atualizações da dizimação da sociedade civil de Hong Kong.
O chefe pediu. Uma notícia recente do South China Morning Post conta como algumas cidades, como Zhengzhou e Laibin, estão falando para seus funcionários estudarem e aprenderem a usar os serviços da DeepSeek e utilizarem na hora de tomar decisões nos seus trabalhos. Segundo o SCMP, é a primeira vez que um modelo de LLM é indicado por nome como preferencial para uso em instruções oficiais. Além disso, em Shenzhen já estão integrando o modelo para realizar mais de 240 tarefas administrativas em busca de redução de custos, conta este texto da Sixth Tone. No distrito de Futian, a IA foi treinada com mais de 10 anos de documentos, é chamada de “funcionária”, mas ainda exige supervisão humana. O modelo R-1 da empresa foi incorporado também a uma versão recente do chatbot da Baidu e funciona nas buscas do WeChat – e logo será incorporado aos carros da BYD, conta o Asia Times.
Apesar de ser uma opção considerada segura pela juventude chinesa, a vida de funcionário público não é fácil. Aquela pausa mais longa para a fofoca no cafezinho ou aqueles minutos matados no banheiro? Pode esquecer. Na busca por eficiência com gastos reduzidos, algumas prefeituras estão constrangendo funcionários lentos ou que consideram que trabalham pouco oferecendo um “Prêmio Lesma”, conta o The New York Times. As autoridades dizem que é um incentivo para quem trabalha bem, mas tem gente reclamando que o “fazer pouco” ou fazer nada é um jeito de não pisar nos calos errados ou cometer deslizes em meio ao controle no governo Xi.
Noite de jogos: esta matéria da Sixth Tone conta um pouco da história do huluwen – um jogo de tabuleiro tradicional da China, com belas imagens de versões ao longo do tempo.
Podcast: neste episódio do podcast do Tracking People’s Daily, Manoj Kewalramani conversa com Dawn Murphy, professora do National War College dos EUA sobre como países do Sul global (especialmente Oriente Médio e África) se encaixam na competição EUA-China.
Old: menos famoso que o DeepSeek, o Zhipu AI foi o primeiro unicórnio chinês da área de inteligência artificial, conta este artigo do The Wire China. Fundado em Pequim em 2019, entrou na lista de sanções dos EUA e recebeu uma rodada de 3 bilhões de yuan de investimento no final do ano passado.
Complicado: neste texto para o Sinica, Kaiser Kuo discute a eterna relutância dos EUA em aceitar a legitimidade do modelo de governança da China.
O filme Goddess (Shennü) foi relançado em versão restaurada 4K na Berlinale deste ano. Para celebrar, fique aqui com a versão completa do filme de 1934 com Ruan Lingyu – famosa estrela do cinema mudo chinês.