Foto de PortCalls Asia via Unsplash.

Edição 342 – China retalia EUA por aumento de tarifas comerciais

Política e economia

Duì, we can. Se antes era apenas especulação, agora as acusações têm subsídios: a China tem os meios de cortar cabos de internet oceano afora, até no mar profundo. O South China Morning Post foi o primeiro a noticiar (em 22 de março) a invenção, publicada em uma revista acadêmica chinesa: cientistas afiliados ao governo desenvolveram um equipamento compacto capaz de cortar cabos reforçados com aço, borracha e polímeros, no mar profundo (4 km de profundidade). A ferramenta teria sido criada para realizar salvamentos e mineração em contextos civis a partir de embarcações simples – mas as manchetes pelo mundo foram dedicadas ao seu uso secundário, o militar, pois cabos submarinos de comunicação ficam a no máximo 2 km de profundidade. Essa é a primeira vez que um estado revela deter a capacidade de partir os cabos responsáveis por 95% dos dados que trafegam pela internet (dá pra ver um mapa aqui).

Na contramão do pânico midiático, o think tank australiano Lowy Institute publicou um artigo afirmando que a maior parte dos cabos submarinos de dados no mar profundo não é reforçado e que o objetivo da China com essa revelação seria se projetar na mídia internacional como “poderosa o suficiente para influenciar dinâmicas de segurança globais” em um momento que EUA e Europa enfrentam dificuldades nessa área. Independentemente do real motivo do viés escolhido para noticiar a invenção, o resultado foi esse mesmo: a CNN entrevistou especialistas que apontam como a China está sem pares no desenvolvimento tecnológico militar marítimo; além do corta-cabos, recentemente foi observado em Zhanjiang o teste de barcas de desembarque capazes de se fixar, formar pontes e criar píeres móveis para transporte e rápido desembarque de equipamentos grandes e pesados como tanques. O uso mais óbvio desse tipo de tecnologia seria a tomada de regiões costeiras e ilhas, a exemplo de Taiwan.

Voos promissores. Quem está se dando bem com as tensões causadas por Elon Musk nos EUA é a chinesa SpaceSail — uma das principais competidoras da Starlink. Segundo matéria na Rest of World, a SpaceSail vem crescendo a sua presença e negociações de atuação em cerca de 30 países e parece que um ponto de interesse é por aqueles que estão tendo problemas com as empresas de Musk (Starlink, X ou Tesla). Um dos destaques é o Brasil, onde está se negociando a entrada no mercado da empresa de satélites de baixa órbita após a visita realizada em outubro de 2024 pelo Ministério das Comunicações à China. O governo municipal de Shanghai é dono de parte da empresa, tendo financiado e apoiado com legislação o desenvolvimento da SpaceSail. A empresa ambiciona colocar 10 mil satélites de baixa órbita no espaço com a constelação Qianfan — por enquanto 90 já foram lançados e o plano é chegar a 648 até o final do ano.

Internacional

Tarifaço. Nesta sexta-feira (4), o governo chinês anunciou uma série de medidas comerciais contra os EUA em resposta às tarifas divulgadas pelo governo Trump na quarta-feira (2). Na quinta-feira (3), logo após o anúncio, as bolsas chinesas e o yuan terminaram o dia em queda. Em retaliação ao aumento de 34% das tarifas de importação de produtos chineses impostas por Washington, Pequim devolveu na mesma moeda e impôs uma tarifa de 34% em produtos estadunidenses. O Ministério das Finanças da China também anunciou um novo controle de exportação de terras raras para os EUA e a proibição de venda de tecnologias e bens de uso dual civil-militar para 16 instituições do país norte-americano — a Bloomberg noticiou que o governo chinês passou a restringir investimentos nos EUA também como um modo de retaliar. Na arena multilateral, Pequim abriu um processo formal contra os EUA junto à Organização Mundial do Comércio por violação de normas internacionais. Phelim Kline argumenta no Politico que o acirramento da guerra tarifária pode trazer Xi para a mesa de negociação com Trump — algo que Pequim vinha evitando antes de saber o tamanho do problema, que agora parece ser bem maior do que o baque sofrido no primeiro governo de Donald Trump. 

Hoje não chega nunca. Cinco de abril é, em teoria, o prazo para o fim da epopeia de cinco anos do TikTok nos Estados Unidos. A data deveria indicar quem seriam os novos donos estadunidenses de 80% da operação local do aplicativo da chinesa ByteDance. Ao longo desta última semana, mais alguns nomes de supostos pretendentes foram revelados: Blackstone, Amazon, OnlyFans. Seja qual for o novo dono escolhido, a ByteDance deve manter 20% da propriedade da empresa e focar no desenvolvimento de novos mercados, entre eles o Brasil, como já contamos por aqui. Na sexta-feira (04), Trump afirmou que vai prorrogar novamente o prazo, desta vez por mais 75 dias, conta o The Guardian. 

Após o terremoto devastador de magnitude 7.7 que atingiu Mianmar na última sexta-feira (29), deixando mais de mil mortos e milhares de feridos, a China anunciou apoio humanitário. Xi Jinping conversou por telefone com o chefe da junta militar que lidera Mianmar, prometendo apoio e expressando solidariedade. Além de enviar duas equipes de resgate e uma leva inicial de barracas, kits de primeiros socorros, alimentos e água, Pequim anunciou uma doação de 100 milhões de yuans (cerca de US$ 13,8 milhões). A retórica usada por Xi — de que China e Mianmar compartilham um “futuro comum” — não deixa dúvidas sobre a tentativa de manter proximidade com o regime, isolado desde o golpe militar de 2021. O gesto também tem peso estratégico: além de tentar conter a instabilidade na fronteira com a província de Yunnan, a China busca proteger seus interesses na região, onde investe em projetos de infraestrutura conectados à Nova Rota da Seda.

Sociedade

GECs, você conhece? Com o crescimento acelerado de fontes renováveis na matriz energética chinesa, o país vem expandindo o uso dos Green Electricity Certificates (GECs) ou Certificados de Eletricidade Verde, que funcionam como garantias de origem para cada MWh de energia limpa gerado. Só em 2024, a China emitiu quase 5 bilhões de certificados – mais que o dobro do volume acumulado até setembro de 2017, quando foram criados, conta o Dialogue Earth. O sistema, que amadureceu com novas regras e plataformas de comércio, agora é visto como pilar da estratégia climática do país. Mas ainda enfrenta desafios para ganhar reconhecimento internacional e se alinhar a iniciativas como a RE100 – a iniciativa global que reúne empresas comprometidas com 100% de energia renovável e exige rastreabilidade rigorosa. O objetivo é evitar dupla contagem de créditos e ampliar a confiança global nos instrumentos chineses de rastreabilidade energética. Enquanto isso, acordos como o recém-publicado relatório conjunto com a Dinamarca mostram que Pequim está de olho em tornar seus certificados compatíveis com mecanismos europeus como o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM).

Soft power versão streamer. O youtuber americano IShowSpeed, viralizou após transmitir ao vivo suas visitas a Pequim e Xangai, acumulando quase 10 milhões de visualizações. Nas lives o criador de conteúdo exaltou a receptividade dos chineses, a limpeza das cidades, a internet rápida no metrô e até se graduou como shaolin. A reação? Aplausos por parte da mídia estatal e autoridades chinesas, que apontaram a visita como símbolo de um desejo crescente por “compreensão mútua” entre americanos e chineses, mesmo em meio às tensões comerciais. Nos comentários, usuários chineses diziam que a visita “ajudou a desfazer décadas de propaganda anti-China”.

Zheng He

História: No ano passado, a descoberta dos Guerreiros de Terracota em Xian completou 50 anos e ganhou um mega infográfico do SCMP.

Pôsteres: em tempos de “arte de IA”, vale conhecer o trabalho de Huang Hai. O artista chinês é responsável pela criação de alguns dos melhores pôsteres de filmes que você vai ver. 

Poesia: o autor chinês Mu Cao recebeu recentemente um famoso prêmio holandês por seu impacto na literatura. Mu é, ao que tudo indica, o único poeta de renome chinês abertamente gay e este texto do Made In China Journal conta a sua trajetória de ascensão social 

Fotografia:  no bairro de Sheung Wan em Hong Kong, os gatos têm uma função importante nas lojas que vendem peixes e frutos do mar secos eles espantam os ratos. Deixe seu dia melhor com os registros fofos desses guardiões.

 

Apesar da data errada de aniversário (que é na verdade em novembro), este post do Radii é um bom lembrete de conhecer mais da obra do diretor Zhang Yimou. Quem sabe a Cinemateca Brasileira não faz uma mostra dos filmes dele? Fica aí a dica.

 

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