Foto: Ricardo Stuckert / PR
Edição 369 – Inaugurada na Bahia a maior fábrica da BYD fora da China

O que mudou em três décadas? Pequim sediou na semana passada uma comemoração aos 30 anos da primeira conferência da ONU sobre mulheres, considerada um marco das discussões de gênero na história da organização. Xi Jinping exaltou conquistas femininas neste intervalo, como a queda da mortalidade materna em 80% e a integração da mulher à força de trabalho. Também defendeu o aumento da representatividade feminina na política e na governança, afirmando que a igualdade de gênero deve ser “verdadeiramente internalizada” na sociedade chinesa. Ainda que o apelo soe conciliador, a realidade é que o protagonismo das mulheres e a tentativa de filiar essa pauta à ideia de “harmonia familiar e nacional” revelam um limite claro entre emancipação e a instrumentalização da emancipação, gerando um (des)equilíbrio delicado entre política de gênero e política de Estado. A fala de Xi buscou reposicionar a narrativa doméstica da igualdade de gênero após uma década de recuo da presença feminina em cargos de liderança, a despeito de mulheres representarem 50% dos estudantes do ensino superior e 43% da força de trabalho. Um exemplo é o Politburo formado em 2022, em que todos os 24 membros são homens.
Esta reportagem do Guardian lembra casos recentes que mostram que a realidade das chinesas não reflete o belo discurso de seu presidente sobre os avanços em direitos das mulheres. Apenas no mês passado, a conta oficial de WeChat da blogueira feminista Jiang Chan, cujas postagens costumavam gerar cerca de 100 mil visualizações, foi apagada. Outro indício do fechamento de cerco do governo contra vozes feministas, lembrado pelo jornal britânico, é a suspensão de mais de 1300 contas do Weibo por incitar “antagonismo de gênero”. Já o South China Morning Post deu voz à luta feminista chinesa em um artigo recente sobre a diferença entre discursos de autoridades e a realidade da população. Que os próximos 30 anos tragam mais notícias boas para as mulheres.
Vem aí a Quarta Sessão Plenária do 20º Comitê Central do PCCh. Esse é o encontro mais importante do Comitê Central do Partido Comunista da China em 2025 e acontecerá entre a próxima segunda (20) e quinta-feira (23). Em geral, a Quarta Sessão não tem um assunto definido e é dedicada a temas ideológicos do Partido – como conta o SCMP, ao menos nove membros devem ser substituídos durante o encontro por implicação em casos de corrupção. Mas também é esperado que esta edição ofereça avanços importantes sobre o Plano Quinquenal, especialmente depois do inexplicado atraso da Plenária do ano passado – a Terceira Sessão Plenária, essa sim focada em economia. O Plano então deve ser aprovado em março de 2026, na Quinta Plenária.
Perdido? Este artigo do SCMP (de 2023, em inglês) explica o que são as sete Plenárias, quando geralmente ocorrem e o foco de cada uma delas. Resumindo: elas acontecem ao longo de cinco anos (o período de duração de cada Comitê Central); a Primeira é logo após o Congresso Nacional do Partido e elege as lideranças, como o Politburo; a Segunda, em fevereiro ou março do ano seguinte, também lida com a organização interna do PCCh e órgãos estatais; a Terceira, focada em decisões sobre economia, também ocorre um anos após o Congresso e é considerada a mais importante; a Quarta e a Sexta, sem tema definido, focam na ideologia do Partido; a Quinta, na finalização o Plano Quinquenal; a Sétima prepara o próximo Congresso Nacional do Partido.

Mais um caso de hackeamento de uma empresa dos Estados Unidos foi atribuído à China nesta quinta-feira (16). Desta vez, a vítima foi a F5, uma empresa de cibersegurança que oferece software de rede para milhares de empresas estadunidenses e órgãos governamentais. O ataque teria ocorrido ao longo de anos, capturando credenciais de usuários dessas redes, potencialmente tornando vulneráveis cadeias de suprimentos e sistemas críticos de informação. Liu Pengyu, porta-voz da embaixada da China em Washington, declarou não estar informada sobre a situação, mas afirmou que o país respeita as leis, se opõe a ataques do tipo e “ainda mais à disseminação de informações falsas com fins políticos”. Os governos dos EUA e do Reino Unido orientaram seus órgãos estatais a interromperem o uso de softwares da F5.
Só vai. A BYD inaugurou nesta semana sua mega-fábrica em Camaçari (Bahia), no antigo complexo da Ford, marcando um novo capítulo da presença industrial chinesa na América Latina. Com investimento de R$5,6 bilhões, o projeto é o maior da empresa fora da China e deverá produzir até 600 mil veículos por ano, atendendo os mercados brasileiro e latino-americano. O presidente Lula e o CEO Wang Chuanfu estiveram na cerimônia e destacaram o simbolismo político do momento, um encontro entre a estratégia chinesa de high-quality development e a ambição brasileira de reindustrialização verde. O movimento ocorre em meio à expansão global da BYD, que tenta dobrar suas vendas externas para 800 mil unidades em 2025, enquanto o mercado doméstico chinês enfrenta sinais de saturação e sobrecapacidade. A fábrica baiana, além de reposicionar o Brasil na cadeia global de valor automotiva, reflete a aposta de Pequim em uma transição energética orientada pela inovação, diversificando riscos e consolidando presença em países com potencial de energia limpa e demanda crescente. Ao mesmo tempo, o ritmo acelerado de internacionalização impõe novos desafios à empresa, desde a necessidade de criar cadeias locais robustas à gestão de qualidade e reputação, especialmente após o recente recall de mais de 115 mil veículos na China.

Tão diferentes em tão pouco tempo. Em texto publicado no SCMP, o jornalista Jianlu Bi relata um salto enorme em como o sistema educacional chinês mudou entre seus dois filhos, nascidos em 2014 e 2021. Segundo Bi, a infância da filha mais velha foi marcada pela chamada “involução” (neijuan), que se refere ao ciclo de competição exaustiva por notas, vagas e prestígio, um reflexo da pressão que dominou o ensino nas grandes cidades durante o auge do crescimento populacional e tem o gaokao como ápice. Em contraste, o filho mais novo já vive em um cenário em que o governo chinês tenta aliviar esse fardo, expandindo vagas em creches e escolas e promovendo o que chama de desenvolvimento da educação de alta qualidade, um modelo que valoriza o equilíbrio, a criatividade e o aprendizado integral.
Em cidades como Pequim, por exemplo, foram criadas 19 mil novas vagas em pré-escolas só em 2024; outros distritos também viram os números de instituições saltar em pouco mais de uma década. Essa expansão acompanha o plano nacional de educação 2024–2035, que busca reduzir desigualdades e estimular o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. Jianlu escreve com a ternura de quem reconhece que o sucesso de uma geração não precisa repetir o sacrifício da anterior, de uma filha exausta por cursinhos para um filho que constrói estações espaciais de papelão, não por nota, mas por curiosidade. Um retrato íntimo e profundamente político, onde a educação volta a ser um ato de liberdade. Paulo Freire estaria orgulhoso.
Fazendo o que dá com o que tem. Contrariando a tendência dos últimos seis anos, o índice local de Liberdade de Imprensa em Hong Kong registrou um crescimento: chegou a 28,9 pontos, após a baixa histórica de 25 pontos em 2023. É uma boa notícia? A nota é calculada a partir das avaliações de centenas de jornalistas de Hong Kong a respeito de dez componentes, podendo chegar a 100. Apenas um critério foi melhor avaliado em comparação com 2013, quando a pesquisa começou: a liberdade de criticar grandes corporações, que passou de 3,8 para 5,4 em escala que vai até 10; todos os demais componentes se deterioraram, e a maior precariedade detectada é a autocensura por parte dos profissionais, aspecto que recebeu a nota a 1,8 (era 3,1 em 2013). Assim, segundo a Associação de Jornalistas de Hong Kong, órgão responsável pela pesquisa, a “melhoria” do índice representa a adaptação dos profissionais locais à realidade que se impõe desde 2019, não o cenário de atuação. No ranking da organização Repórteres Sem Fronteiras, atualizado em maio, o diagnóstico também não foi otimista: Hong Kong caiu mais um pouco, chegando à posição 140 entre 180 países – em 2024, ocupava a 135a colocação; em 2002, a 18a.

Fake it ‘till you make it. Se parecer ocupado no trabalho é mais importante do que trabalhar, os escritórios de mentirinha de Pequim são tudo o que você precisa.
Semana Dourada. Comentamos na semana passada sobre a economia morna do feriadão chinês, mas estas belas fotos da Sixth Tone mostram que, na China, mesmo números decepcionantes podem impressionar.
Cidade vazia, oficina da IA. Ordos, no norte da China, trocou o vazio do colapso imobiliário por caminhões autônomos, virando um laboratório vivo onde o fracasso urbano virou campo de testes. Será que lá tem engarrafamento?
Uma novidade crescendo nas redes sociais chinesas é o livestream de grupos. A Sixth Tone acompanhou a primeira transmissão de um coletivo de jovens mulheres e registrou suas expectativas, o impacto sobre a saúde de dançar por horas ao vivo e reflexões sobre o envelhecimento na indústria do entretenimento.
