Fotografia em cores de bebê observando decoração de ano novo chinês com caractere de sorte.

Foto de Di Weng via Unsplash.

Edição 370 – Progresso e estabilidade na prévia do Plano Quinquenal

Política e economia

Os próximos cinco anos da economia chinesa estão delineados. Chegou ao fim na última quinta-feira (23), a Quarta Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China. Segundo o comunicado oficial do governo, os assuntos de destaque foram os já esperados: o 15o Plano Quinquenal, a ideologia do Partido e trocas de cadeiras. O documento também destaca que o país está prestes a alcançar os principais objetivos estabelecidos pelo atual Plano e reforça a importância da liderança de Xi Jinping e seu “pensamento sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era”. Não que fosse necessário reforçar que Xi segue forte, apesar da boataria que corre há anos: 11 assentos vazios no Comitê Central foram atribuídos durante Plenária, sendo oito anteriormente pertencentes a lideranças militares envolvidas em casos de corrupção – entre eles, o de He Weidong, vice-presidente da Comissão Militar Central; durante a Plenária, Zhang Shengmin foi anunciado como o substituto de He. Zhang é considerado um homem de confiança de Xi, tendo supervisionado seu projeto anticorrupção militar.

Sobre o novo Plano Quinquenal, algumas diretrizes gerais foram anunciadas e ganharam destaque na mídia internacional: foco na auto suficiência industrial e tecnológica, especialmente em inteligência artificial, fusão nuclear e ciências espaciais; uma “sociedade amigável aos nascimentos”, com educação e cuidados mais acessíveis, para combater o declínio populacional; a guerra contra a “involução”, especialmente por meio da economia doméstica como um “novo padrão de desenvolvimento”; e a promoção de uma abertura de “alta qualidade”, de cooperação internacional mutuamente benéfica. Como resumiu a mídia local, é um plano para “buscar o progresso enquanto garante a estabilidade”.

Um país é mais que apenas sua economia. Por isso, entre 8 e 12 de setembro, ocorreu em Pequim a 17ª Sessão do Comitê Permanente da Assembleia Nacional Popular (ANP), o principal órgão legislativo da China entre as reuniões anuais do Congresso Nacional. É esse comitê que revisa e aprova as leis que estruturam a política nacional, e os encaminhamentos dessas sessões costumam oferecer um retrato fiel das prioridades do Estado chinês em termos de planejamento e expansão do arcabouço jurídico, ainda mais com um novo Plano Quinquenal batendo na porta.

A newsletter NPC Observer fez um trabalho excelente em resumir como essa é uma onda regulatória que cruza meio ambiente, saúde e economia e mostra com clareza onde Pequim pretende apertar os parafusos da governança nos próximos cinco anos. O destaque ficou por conta da aprovação da Lei dos Parques Nacionais, que pela primeira vez consolida a governança ambiental em um modelo central-local, define melhor as zonas de proteção e substitui sobreposições de áreas preservadas por um sistema único, talvez o passo mais institucional até agora para consolidar a política de conservação da era Xi. Também foram aprovadas a Lei de Resposta a Emergências de Saúde Pública, que atualiza os protocolos pós-Covid-2019, e as emendas à Lei de Segurança de Alimentos, que passam a regular as fórmulas líquidas infantis e criam licenças para o transporte rodoviário de líquidos alimentares como óleos e bebidas. Em um ano atribulado por disputas comerciais, a revisão da Lei de Arbitragem veio para alinhar o sistema jurídico chinês a padrões internacionais e reforçar a segurança regulatória dos negócios.

Mais e mais IA. Depois do choque global causado pela DeepSeek, a China mergulhou de vez na corrida pela chamada IA agêntica – sistemas capazes de executar tarefas no lugar do usuário. Empresas como Tencent, Alibaba, ByteDance e Zhipu AI já lançaram seus próprios frameworks, enquanto o CAICT (China Academy of Information and Communications Technology), órgão-chave no desenho das políticas digitais chinesas, corre para definir padrões técnicos e éticos para o desenvolvimento desses “agentes inteligentes”. O termo ainda não tem uma tradução única, fica entre 智能体 (entidade inteligente) e 智能代理 (agente inteligente). A discussão ganhou força após o Politburo incluir o tema na sua segunda sessão de estudo sobre IA, em abril, quando Xi Jinping reforçou que o país deve ser líder em inovação, mas garantindo que os sistemas sejam seguros, confiáveis e controláveis. Parece que a estratégia chinesa está dando certo: nesta semana, o CEO da estadunidense Airbnb declarou que o agente de atendimento ao cliente de sua empresa usa os modelos Qwen da Alibaba, porque os modelos da OpenAI não são tão bons.

Xiiii… Enquanto o Ocidente ainda tenta descobrir se a energia nuclear é passado ou futuro, a China parece não ter dúvidas. Esta matéria do New York Times faz um relato robusto sobre como o país já construiu 13 reatores nos últimos anos e tem 33 em andamento, o que deve elevar sua capacidade nuclear acima da dos Estados Unidos até 2030. O segredo? Escala, repetição e financiamento estatal. Pequim apostou em poucos modelos padronizados, mão de obra treinada e uma cadeia de suprimentos nacional, o oposto da fragmentação e dos custos bilionários que travam os projetos ocidentais. Enquanto o reator americano Vogtle, na Geórgia, levou 11 anos e US$35 bilhões (R$210 bilhões) para ficar pronto, as versões chinesas do mesmo modelo, os CAP1000, saem do papel em cinco a seis anos, pela metade do custo. A meta agora é exportar: seis reatores já foram erguidos no Paquistão, e novos projetos se espalham da Ásia ao Oriente Médio. A corrida atômica, que antes girava em torno de dissuasão militar (ainda giram, ok?), hoje também coloca na balança quem consegue iluminar o mundo enquanto reduz as emissões – e, por enquanto, o cronômetro está marcando vantagem para Pequim.

Internacional

O delivery de tretas não para. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu na última segunda-feira (20) que a 99Food está mesmo praticando concorrência desleal contra a Keeta (da Meituan), o mais novo app de entregas a ingressar no mercado brasileiro. Como contamos por aqui em agosto, a 99Food (da também chinesa Didi), decidiu retomar a operações após um hiato de dois anos e ofertou às cem maiores cadeias de restaurantes do Brasil um contrato que previa pagamentos antecipados sob a condição de que os estabelecimentos não façam parcerias com a Keeta, especificamente – isso embora o iFood domine 80% do mercado. Após esse revés, o diretor de Comunicação da 99Food defendeu no jornal Globo a postura da empresa, afirmando que a cláusula seria necessária para evitar “uma pancada de empresa entrando no mercado para disputar os 20% que não são do iFood”. A afirmação foi considerada uma “confissão de medidas anticompetitivas” pelos representantes legais da Keeta, que entraram com uma petição frente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra a 99Food na quinta-feira (23), pedindo a proibição desses contratos de semi exclusividade da concorrente. Enquanto isso, o iFood denunciou à Justiça de São Paulo um ex-funcionário que teria passado informações sobre a operação da empresa para a consultoria chinesa CIC Global em troca de R$5 mil.

Tiro, porrada, chips. No começo do mês, o governo da Holanda assumiu o controle da fabricante de semicondutores chinesa Nexperia, sediada no país. A justificativa seriam falhas de governança que ameaçariam a segurança econômica europeia; documentos mostram que os Estados Unidos, em junho, alertaram o governo holandês que barrariam a importação de seus chips nos EUA se o então-CEO da empresa, Zhang Xuezheng, continuasse no cargo (Zhang foi suspenso no início deste mês). Desde então, a China baniu a venda dos produtos da Nexperia no mercado europeu e orientou os funcionários da unidade chinesa a ignorarem as instruções vinda da matriz, enquanto o mercado de automóveis europeu entrou em alerta, uma vez que 49% da sua produção usa semicondutores da companhia chinesa. O banimento foi revertido na quinta-feira (23), mas agora a fabricante exige que os fornecedores façam seus pagamentos em iuan. O cabo de guerra entre EUA e China ao redor do tema da produção de venda de chips vem acontecendo há anos, e já afetou diretamente Taiwan (que costumava ser mais central na disputa), Coreia, Japão e Europa.

Balanço agro. A geopolítica do agronegócio tem aparecido uma vez ou outra aqui, certo? Nas últimas semanas, a China voltou a estar no centro da pauta: Pequim barrou contêineres de carne do Uruguai ao detectar resíduo de medicamentos para carrapato em níveis acima do permitido, o que causou um golpe duro no mercado uruguaio, que hoje exporta 80% da sua carne para a China. A China tem aumentado o rigor das suas normas de segurança alimentar, que já derrubaram exportações de países bem mais próximos de casa, e mostram o quanto o padrão chinês virou o novo selo de conformidade global. O Brasil já entendeu isso: nesta semana, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola lançou a primeira certificação global para carne livre de desmatamento, o selo Beef on Track (BoT), algo que que há anos vinha sendo cobrado por reguladores europeus e importadores asiáticos. Essa frente tenta antecipar o que muitos no setor consideram inevitável: uma corrida por rastreabilidade e sustentabilidade que se impõe não só por consciência ambiental, mas por pura sobrevivência comercial. Do outro lado da cadeia de produção, a soja entrou no front da disputa sino-americana. Com Trump anunciando tarifas de 100% sobre produtos chineses, Pequim respondeu suspendendo totalmente  as compras de grãos dos EUA, preferindo Brasil e Argentina, mesmo pagando mais caro. Os preços subiram, e o grão virou termômetro das tensões globais nos últimos dias.

Sociedade

Corrida de (chat)bots. A ByteDance, dona (pelo menos por enquanto) do TikTok (Douyin), está liderando o mercado de chatbots de IA na China. Desenvolvido pela divisão de nuvem da empresa (Volcano Engine), o aplicativo Doubao já desbancou o ex-favorito DeepSeek há alguns meses e acabou de lançar o seu modelo 1.6 e dois LLMs com uso de voz, como conta a Caixin. O Doubao foi lançado em 2023, seu modelo 1.5 chegou em janeiro, após o sucesso DeepSeek, e em agosto deste ano ele atingiu 157 milhões de usuários mensais. A versão internacional do Doubao, Cici, também já está lentamente adquirindo fãs ao redor do mundo, ainda que no Brasil não esteja nem no top 50 de apps gratuitos. Tem quem teorize que o ponto de virada do sucesso da ByteDance com o seu LLM foi a redução do preço do modelo em 99,3% em maio de 2024, o que teria criado uma competição praticamente inviável para os concorrentes. Nesta matéria de Zeyi Yang para a Wired, é destacado outro diferencial: o design amigável da plataforma, que não exige grandes conhecimentos de tecnologia.

Zheng He
Julia (farmacia)> Design importa: este post do Radii China é um ode a belas embalagens e ao design dos remédios vendidos nas farmácias de Hong Kong. Dá para colecionar? Quem sabe fazer uma coleção de camisetas? Se sim, queremos.

Fotografia: a excelente exposição brasileira Retratistas do Morro aterrissa na China – mais especificamente em Xiamen entre 29 de novembro e 04 de janeiro. A exposição retrata a comunidade da Serra, uma das maiores favelas brasileiras e chega em terras chinesas como parte do Festival Internacional de Fotografia Jimei x Arles.

Trabalho: Repórteres do The New York Times acompanharam o expediente de profissionais que exemplificam grandes mudanças na China: uma acompanhante para navegar o complexo sistema hospitalar; um influenciador tang ping (躺平); e uma eletricista em uma empresa 100% feminina que atende mulheres solteiras.

 

 

A diretora brasileira Juliana Baroni falou à CGTN (China Global Television Network) sobre suas impressões após visitar o museu arqueológico Liangzhu. Ela está produzindo um documentário sobre a China que será lançado pelo ICL.