Fotografia em cores de Donald Trump e Xi Jinping em outubro de 2025. Eles posam diante das bandeiras de seus países, apertando as mãos. Xi sorri, mas Trump faz cara feia.

Foto oficial da Casa Branca, de Daniel Torok, via flickr.

Edição 371 – Encontro entre Xi e Trump resulta em trégua na guerra comercial

Política e economia

Prosperidade comum? Enquanto prestávamos atenção na Quarta Sessão Plenária, o resultado do PIB chinês no terceiro trimestre foi divulgado: um crescimento de 4,8%, um pouquinho abaixo dos 5,2% do período anterior. Segundo a análise da Caixin, as razões do desaceleramento seriam o fraco consumo doméstico, a crise imobiliária e uma queda nos investimentos em ativos fixos (a primeira em cinco anos). Os fatores que, por outro lado, garantiram que o crescimento se mantivesse próximo da meta governamental – em torno de 5% ao ano – foram a indústria de alta tecnologia e o superávit comercial, segundo a China Brief. Embora até aqui o PIB não tenha mudado muito em comparação com 2024, houve um indicador que bateu recorde: o de ultrarricos. A lista de chineses com patrimônio de pelo menos 5 bilhões de yuans (cerca de R$3,8 bilhões) registrou um crescimento de 31% nos últimos 12 meses, chegando a 1.434 pessoas que, juntas, têm 30 trilhões de yuans (cerca de R$22,6 trilhões), 42% a mais do que no último ano. A discrepância entre o crescimento nacional e o de ultra-ricos coloca em questão a estratégia de “prosperidade comum” anunciada por Xi Jinping em 2021 – e como o 15o Plano Quinquenal pode lidar com o problema.

Quem se interessa pela China não tem como não se perguntar o que explica o modelo — e sucesso — econômico chinês. Nesta edição, trazemos duas reflexões distintas sobre o tema. A primeira delas é um artigo escrito pela pesquisadora Marina Yue Zhang para o The Diplomat, no qual faz uma analogia comparando a dinâmica “agressiva” de impulsionamento da economia chinesa com o jogo de cartas Guandan (traduzido como “jogando bombas”). Em contrapartida, no mesmo texto, Zhang discorre sobre outro componente importante da economia chinesa, o tang ping (躺平), nome dado à dinâmica dos jovens chineses de resistirem às extenuantes jornadas de trabalho conhecidas como 966. O outro texto, do escritor Kaiser Kuo, fala sobre como a economia chinesa pode ensinar lições ao Ocidente. Ele se baseia em uma conversa recente com o historiador da economia Adam Tooze, que afirmou a ele que a ascensão chinesa nas últimas décadas representa um desafio fundamental a pressupostos do pensamento ocidental sobre desenvolvimento, sistemas políticos e até conquistas civilizacionais. Vale passar um bom café e mergulhar nessas leituras. 

Aqui no mar. A China encerrou a etapa inicial da construção do seu data center submerso (underwater data center, ou UDC). Além de ser, possivelmente, o primeiro centro de processamento de dados do tipo no mundo, ele também inova ao utilizar energia eólica para alimentar 95% de sua estrutura, como conta a Wired. A submersão garante os principais argumentos de “venda” da proposta, pois reduz em 90% a necessidade de terreno em comparação com um data center convencional e dispensa a coleta de água para refrigeração. A construção está localizada próxima a Shanghai, na Área Especial de Lin-gang, e é resultado de um esforço conjunto de uma série de empresas chinesas e um investimento de cerca de 226 milhões de dólares (R$1.214 trilhão).

Todo esse investimento não veio do nada: é parte da estratégia chinesa de infraestrutura de dados e do plano de transformar Shanghai em um hub de computação em nuvem. O país já tinha experiência com módulos de data centers submersos desde, pelo menos, 2023, quando iniciou um projeto em Hainan; já o lançamento em Shanghai, que tem capacidade de 24 megawatts, é também teste para o próximo objetivo, um centro de 500 megawatts de potência. O conceito de UDC, por sua vez, foi primeiro colocado em prática pela Microsoft no Projeto Natick, na Escócia, há 10 anos. Interessantemente, o projeto da empresa estadunidense foi oficialmente encerrado em 2024; o que restou foram patentes e aprendizados, segundo o Data Center Dynamics. Será que os chineses terão mais sorte?

Internacional

Cessar-fogo. Não dá para dizer que a disputa comercial entre a China e os Estados Unidos tenha acabado, mas o encontro entre Donald Trump e Xi Jinping parece ter aliviado as tensões entre os dois países. Os presidentes se reuniram na semana passada na Coreia do Sul. Ao voltar para Washington, o líder norte-americano afirmou que o encontro foi 12/10, já Pequim falou em uma “dura vitória”. Trump prometeu reduzir as tarifas impostas a produtos chineses de 20% para 10%. Em resposta, Pequim promete fazer uma compra “massiva” de produtos estadunidenses, como a soja. Ainda entraram nas negociações a normalização da compra de terras raras chinesas pelos Estados Unidos, que prometeram retirar empresas do país asiático da lista de restrições a importações. Trump disse que esse acordo deve ser assinado “em breve”. O encontro, claro, repercutiu e gerou análises, como uma publicada pelo The Guardian, sugerindo que os EUA aprenderam que quem pratica bullying também pode virar alvo. Já a CNN concorda que Xi saiu vitorioso da conversa com o republicano. 

Brasil, Sudeste Asiático e o Sul Global. Durante a 47ª Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em Kuala Lumpur, Lula defendeu a aproximação entre a região e o Brasil como eixo estratégico de um mundo multipolar. O presidente brasileiro defendeu o conceito de Sul Global e afirmou que há mais interesses comuns do que diferenças entre os países, destacando a crença de que a cooperação é mais promissora para a prosperidade do que a competição, especialmente nas transições “irreversíveis” nos campos digital e energético. O encontro também marcou a entrada de Timor-Leste no bloco, sob o tema “Inclusividade e Sustentabilidade”, em sintonia com as pautas de Lula no G20 e no BRICS. A cúpula foi acompanhada da assinatura do Acordo de Livre Comércio ASEAN–China 3.0, descrito pelo premiê Li Qiang como “uma alternativa à coerção econômica” e ao protecionismo norte-americano.

Sociedade

Felizmente, até que algo nos separe. O governo chinês busca, de muitas formas, reforçar a ideia de estabilidade familiar como pilar social: desde as políticas natalistas que tentam reacender o “espírito familiar” até os casamentos transnacionais – que em alguns casos flertam perigosamente com o tráfico de pessoas. O tema atravessa debates sobre gênero, autonomia e o papel do Estado na vida íntima dos cidadãos. Mas uma nova onda nas redes tem se apresentado como um contraponto curioso: as 离婚派对, ou “festas de divórcio”. No Xiaohongshu, rede social híbrida de Instagram, Pinterest e TikTok, muito popular entre mulheres jovens urbanas, legendas como “se o casamento é celebrado com um banquete, por que o divórcio também não pode ser?” acompanham fotos e vídeos de vestidos pretos, confetes e certificados vermelhos de divórcio. Mais do que ironia, a tendência expressa um ato de resistência, como descreve a pesquisadora Helena Bode: em um país onde o divórcio feminino ainda carrega um forte estigma, essas postagens transformam o fim de um casamento em ritual de autonomia. Ainda que parte dessa liberdade se expresse em moldes de consumo, com “planos de renascimento” que envolvem skincare, academia e autoaperfeiçoamento, há o surgimento de algo politicamente potente.

Notícias de “um país, dois sistemas”. Nesta semana, a AllAboutMacau (論盡媒體), uma revista e site de notícias da região administrativa especial chinesa (RAE), anunciou que vai encerrar suas operações em dezembro. Recentemente, o veículo teve sua licença de operação revogada, seus repórteres perderam o direito de cobrir eventos oficiais e ainda podem ser processados criminalmente pelo governo – o que gera custos legais adicionais sobre o veículo independente. A pressão sobre a AllAboutMacau é parte de um padrão que vem sendo observado na outra RAE: após o fim de uma auditoria “aleatória” de suas contas dos últimos sete anos, o jornal Hong Kong Free Press lembrou que, ao longo de 2024, apenas 0.37% das empresas na cidade foram auditadas pelo governo, mas que diversas delas eram veículos de mídia, editoras e livrarias independentes. Como aponta a iniciativa Lingua Sinica, esse padrão vem se repetindo desde a implementação das Leis de Segurança Nacional (LSN) nas duas RAEs.

E falando na LSN, nesta terça-feira (28), Andrew Chiu se tornou o primeiro condenado pela lei em Hong Kong a ser libertado após uma redução em sua pena. O privilégio foi concedido por bom comportamento e pelo poder discricionário do governo. Chiu testemunhou contra seus colegas no caso conhecido como “os 47 de Hong Kong”.

Zheng He

Podcast: Em uma conversa gostosa no episódio do Fala Wega, a professora Cecília Mello, a cineasta Milena de Moura e o pesquisador Paulo Menechelli falam sobre diversos aspectos do cinema chinês. Está imperdível.

Mais um podcast: No Café da Manhã, da Folha de S.Paulo, a conversa é com Victoria Damasceno e Larissa Wachholz sobre a importância da ASEAN para o Brasil, os EUA e a China.

Seda: O Museu da Imigração de São Paulo apresenta até 29 de março a exposição Seda Que Une Montanhas E Mares: Da China Ao Brasil, realizada em parceria com o Museu Nacional da Seda da China.

 

Fica a dica para quem é do teatro: há 12 anos, no mês de outubro, a cidade de Wuzhen, na província de Zhejiang, organiza um festival que recebe artistas de todo o mundo.