Edição 179 – Partido Comunista inicia reunião que vai reescrever sua história
A resolução Xi. Começa nesta segunda-feira (08) uma reunião do PCCh que deve resultar na terceira “resolução histórica” de seus 100 anos. A reunião, chamada 6ª sessão plenária do Comitê Central, vai deliberar sobre a proposta de um novo capítulo a ser incorporado ao documento que conta a história oficial do Partido e constrói um consenso da sua experiência até então. Isso já aconteceu outras duas vezes: a primeira consolidou o poder de Mao Zedong e a segunda, sob Deng Xiaoping, pôs fim à era maoísta e deu início à abertura e às reformas da China. Por enquanto não se sabe exatamente o que o texto vai trazer, já que a reunião se estenderá até quinta-feira (11). Mas um texto publicado pela agência estatal Xinhua dá pistas sobre o tom: “Xi Jinping é, sem dúvida, a figura central que está conduzindo a onda da história”.
Até agora, na visão de analistas que acompanham a política chinesa, o que se diz é que o simples fato de Xi ser o primeiro em quarenta anos a (re)escrever um dos capítulos da história do PCCh é, por si só, uma demonstração de seu poder, como diz este texto da Bloomberg. Para a agência de notícias, aliás, este é o evento político mais importante do ano que antecede o Congresso Nacional do Partido, que define o líder chinês pelos próximos anos. O El País fala na inauguração de uma nova era de desenvolvimento, consolidando propostas como a prosperidade comum. Nesta reportagem, a Reuters fala que a resolução deve consolidar a figura de Xi como autoridade forte. O SCMP fez um interessante artigo sobre por que esse tema importa. Nós, por aqui, seguiremos acompanhando os próximos desdobramentos.
Estocar comida? Uma nota do Ministério do Comércio chinês, que recomendava que cidadãos comprassem alimentos antecipadamente, gerou pânico para além das fronteiras da China — a notícia chegou a circular amplamente na mídia brasileira. Ao longo da semana, publicamos um fio em nossa conta do Twitter, mas como o assunto foi bastante debatido, voltaremos resumidamente a ele aqui. O texto de Pequim tratava sobre questões de preços e esforços do governo em conter a inflação sobre alimentos. Além disso, levando em conta o inverno e o aumento de casos de Covid-19, recomendava que os chineses armazenassem mantimentos. Isso gerou forte repercussão nas redes sociais e netizens passaram até a especular que poderia ser o prenúncio de uma guerra contra Taiwan. Isso fez com que o governo se explicasse. Segundo a mídia estatal, a chamada tinha como objetivo informar para que os cidadãos não fossem pegos desprevenidos em emergências como desastres naturais ou eventuais lockdowns.
Foram comprar cigarros. Na última semana, mais companhias de tecnologia estrangeiras anunciaram suas saídas do mercado chinês. A Yahoo! está indisponível na China desde o dia primeiro deste mês, em decisão atribuída a um “ambiente legal e de negócios cada vez mais desafiador”. Na mesma semana, sem explicações, a Epic Games anunciou que no dia 15 chega ao fim o período de 2 anos de testes do Fortress Night — sua versão do Fortnite para o mercado chinês, em parceria com a Tencent. Essas despedidas fazem parte de uma tendência que vem acompanhando as mudanças de regulamentação do setor de tecnologia no país, algo sobre o qual temos falado bastante por aqui.
Diante desse cenário, este texto da Rest of World levanta uma ótima questão: e o GitHub? A plataforma é o principal repositório onde programadores do mundo todo compartilham seus códigos e, em 2020, quase 10% dos seus 56 milhões de usuários estavam na China. Além disso, é um de apenas dois sites estrangeiros onde usuários chineses podem postar conteúdo livremente, a outra sendo a plataforma de resenhas de produtos da Amazon. Sendo assim, rola muito mais coisa no Github do que apenas scripts. Sabendo disso, a China busca há algum tempo desenvolver uma alternativa local a esse repositório — o que não deve indicar um futuro brilhante para este produto da Microsoft por lá.
A mídia em Hong Kong não está tendo dias fáceis. Desde julho, com o fechamento do Apple Daily (apareceu aqui), o cerco tem se apertado contra veículos considerados pouco patrióticos. Na última semana, mais um jornal online independente anunciou que deve fechar, em outro caso em que o fundador está sendo processado com base na Lei de Segurança Nacional. Agora, uma empresa estatal chinesa (Bauhinia Culture Holdings) estuda adquirir o South China Morning Post (SCMP) — um dos veículos que mais aparece aqui na nossa newsletter. O jornal honconguês sempre foi referência pela sua linha mais independente, mesmo depois da compra pelo bilionário Jack Ma, em 2015. Quem trouxe essa notícia foi a Bloomberg — que teria recebido informação interna circulada entre funcionários. A Alibaba, dona do SCMP, disse que isso é especulação e não planeja a venda, segundo a Reuters, mas os funcionários estão preocupados. O editor do SupChina, Jeremy Goldkorn, está há tempos dizendo que essa venda deve acontecer. Com a gigante de tecnologia sob pressão do governo há alguns meses, como temos contado por aqui, negar uma oferta pode ser arriscado. Esse é possivelmente mais um episódio também da recente saga para reduzir o poder das big techs.
Aliás, o Clube de Correspondentes de Hong Kong divulgou recentemente uma pesquisa que mostra que os repórteres que cobrem a região têm demonstrado preocupação com as condições de trabalho. De forma geral, a avaliação de 84% dos jornalistas entrevistados é de que o ambiente de liberdade de imprensa se deteriorou. Você pode conferir a pesquisa completa aqui.
E por falar em mídia, a situação na China continental também não está tranquila. A poucos meses do início da Olimpíada de Inverno de Pequim, o Clube dos Correspondentes local divulgou uma nota cobrando das autoridades chinesas mais clareza sobre como poderá ser realizada a cobertura do megaevento esportivo. As queixas se dirigem também ao Comitê Olímpico Internacional, que respondeu que cobrará de Pequim esclarecimentos. De acordo com os relatos dos correspondentes estrangeiros, eles têm ficado à margem de entrevistas coletivas, visitas e preparativos para cobrir o evento, que será realizado em fevereiro. O governo central chinês ainda não divulgou muitos detalhes sobre como os eventos serão realizados — por exemplo, se haverá ou não público. A China, vale lembrar, segue com as fronteiras fechadas e, apesar da política de tolerância zero à Covid-19, tem visto seus casos aumentarem nas últimas semanas.
Que que deu com a COP26? Boa parte das principais pautas da semana passada foram sobre o evento em Glasgow, que reuniu lideranças mundiais (mas não o Xi) para discutir o futuro da Terra do ponto de vista ambiental. A China foi representada pelo veterano climático Xie Zhenhua, sobre o qual já falamos aqui. O país foi bem criticado, inclusive por Biden, que insinuou que não aparecer na COP26 mandava sinais negativos para o mundo. Pequim rebateu as críticas na quarta-feira (03), dizendo que ações são mais importantes do que palavras — uma referência aos compromissos recentes feitos por Xi. O evento vai até o dia 12 de novembro. No domingo (07), o governo chinês emitiu novas diretrizes sobre o combate à poluição que reiteraram promessas antigas de cortar emissões de CO₂ em 25% até 2025, bem como reduzir o consumo de carvão na destacada região de Pequim-Tianjin-Hebei e em outro importante centro econômico do delta do rio Yangtzé.
A queda nas exportações agropecuárias brasileiras para a China, nos últimos meses, vem preocupando produtores. As exportações de carne caíram 43% em outubro, segundo noticiou a CNN Brasil, em meio à indefinição sobre o fim do embargo chinês à carne brasileira. Se as compras não retornarem até o fim do ano, o prejuízo pode somar 2,1 bi de dólares aos produtores brasileiros, conforme matéria de Eliane Oliveira para O Globo. Já no lado da soja, a queda foi de 18% em setembro passado, comparado ao mesmo mês de 2020, devido a um desaquecimento da demanda do grão para ração.
A propósito, falando em soja, o SCMP divulgou que cientistas chineses desenvolveram um método de produzir ração animal a partir de CO e CO₂ em escala industrial. Se aplicada, a tecnologia pode diminuir a dependência do país de soja importada. Será?
Em meio à crise internacional de fornecimento de matérias primas, a China, que também atravessa uma crise energética, está em busca de gás natural. Segundo matéria da Australian Financial Review, compradores chineses estão atrás de fornecedores pouco voláteis para contratos de longo prazo, como EUA e Qatar. O texto ressalta que a compra de gás natural junto a empresas estadunidenses é uma mudança significativa, sugerindo que os ventos podem estar mudando nas relações comerciais bilaterais. Fornecedora tradicional, a Austrália, com quem a China está se desentendendo há um tempo, vem sendo ignorada em favor de empresas de outros países.
O Departamento de Estado dos EUA lançou seu famoso relatório anual sobre as Forças Armadas da China na quarta-feira (03). O documento prevê o aumento em até três vezes do arsenal nuclear chinês nos próximos 10 anos. Também destaca a ambição pelo domínio de armamentos inteligentes, com uso de inteligência artificial, como detalha esse texto do Council on Foreign Relations. Os orçamentos de defesa dos EUA se baseiam nesses relatórios.
O que a opinião pública chinesa pensa sobre as relações exteriores do país? Em pesquisa recente do Carter Center e da RIWI, a maioria (78%) das pessoas entrevistadas na China acredita que o país tem uma imagem boa ou muito boa no exterior e 62% têm uma visão negativa dos EUA. Apenas pessoas com acesso à internet foram consultadas, ou seja, os achados dizem respeito a netizens chineses. Em texto no The Diplomat, Brian Wong tenta explicar os resultados para além da ideia de que os chineses tem acesso limitado a informação e que ela é sempre ditada pelo governo central: sentimento nacionalista e uma visão de que o mundo não se limita aos EUA e seus aliados explicariam por que a sociedade chinesa acredita ter uma boa reputação internacional enquanto critica Washington.
MeToo chega ao alto escalão do PCCh. Não é de hoje que falamos aqui sobre casos de escândalos sexuais na China. Desta vez, porém, a denúncia chegou ao alto comando do poder, e a vítima é a renomada tenista Peng Shuai. O caso veio à tona por meio de um post no Weibo (em conta não verificada) em que a esportista denunciava o ex-vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli por coação sexual. Como mostra O Globo, a publicação foi rapidamente apagada pela plataforma, que mantém controle rígido sobre seu conteúdo, mas o caso ganhou forte repercussão. A jornalista Emily Feng, da NPR, fala em sua conta do Twitter que, para driblar a censura, o caso foi tratado nas redes chineses com as tags #tenis e #melão, significando drama. Esta é uma prática comum entre as feministas chinesas, que se valem de emojis e trocadilhos para driblar o forte controle de conteúdo no país, como o clássico #arroz e #coelho, que em mandarim (米兔, mitu) lembram a pronúncia de #metoo. Em seu depoimento, a desportista fala sobre como o episódio a afetou psicologicamente. O caso ganhou repercussão e apoio de lideranças do movimento feminista na China.
Nem tudo é proibido. A temática LGBTQIA+ aparece com frequência por aqui — mas nem sempre o que temos são boas notícias. Este interessante texto do SupChina mostra que, apesar de romances entre pessoas do mesmo sexo serem vetados de programas de TV, os chineses acharam uma forma de manter radionovelas queer no ar. Um exemplo é o Passagem do Inferno, transmitido entre 2019 e 2020. Para driblar a censura, os autores muitas vezes tratam os romances como amor platônico entre os personagens — uma estratégia comum nos danmei. O próprio autor do texto se questiona sobre até quando isso será possível. Vale passar um cafezinho e conferir.
Por outro lado, grupos de advogados que atuam na causa LGBTQIA+ estão apagando suas contas em redes sociais como Weibo e WeChat. Recentemente, contamos sobre como alguns grupos dedicados a essa causa foram apagados das redes. Apesar disso, a causa persiste: recomendamos a leitura deste artigo acadêmico sobre como alguns pais assumiram papéis na luta por direitos LGBTQIA+ na China.
Querida, aumentei as crianças. A ansiedade com a altura dos filhos está levando pais chineses a investirem em hormônios de crescimento (ou GH). Uma longa matéria da Caixin conta como a indústria farmacêutica no país tem se dado bem com a venda de hormônios sintéticos. Normalmente, o GH é utilizado em tratamentos de pessoas com deficiência na sua produção, o que pode acarretar alguns problemas de saúde. Mas na China, em um ambiente extremamente competitivo de criação de filhos, diversas famílias colocam as crianças em tratamento com GH para atingir alturas específicas. Isso porque ser mais baixo do que a média (que vem crescendo nos últimos anos) está sendo visto como um problema para a carreira. Assim, o mercado de GH cresce no país asiático — em contraposição com os mercados da Europa e dos EUA, que estão encolhendo. A questão chamou atenção das autoridades, que estão analisando a regulação do hormônio em meio a preocupações sobre efeitos colaterais.
Putonghua? Está cada dia mais difícil estudar línguas chinesas que não sejam o mandarim padrão. De acordo com o China Digital Times, no final de outubro, o aplicativo de ensino de idiomas Talkmate e o site de vídeos Bilibili se adaptaram às políticas de Pequim. No Talkmate, cursos de tibetano e uigur foram banidos por tempo indefinido; no Bilibili, comentários nessas línguas não são publicados e resultam em um aviso de que “esse comentário contém informações sensíveis”. Essas mudanças fazem parte de um esforço de Pequim para unificar o uso do mandarim em seus territórios, desestimulando línguas nativas em favor do pǔtōnghuà 普通话 — nome do mandarim padrão que, traduzido, significa fala comum.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Livros: com 50% de desconto é bom. Se são sobre a China ou de literatura chinesa, é ainda melhor <3 Venha ver o que encontramos na 23a Festa do Livro da USP (é digital e para todo o Brasil).
Quanto mais corpos, melhor: calma, é sobre as adaptações para a telinha da trilogia de Cixin Liu, conhecida como “O Problema dos Três Corpos”. A Netflix recentemente anunciou alguns nomes do elenco para a sua versão, e a versão chinesa, da Tencent, já tem trailer. O Global Times acha que vai ser melhor que a da Netflix.
Podcast: na semana passada, escrevemos aqui sobre Wang Huning. Voltamos a ele com a indicação de um podcast fresquinho lançado pelo Sinica. Sobe o som!
Diário: como é a rotina em um país que tenta manter zeradas as taxas de Covid? A equipe do The New York Times foi a uma cidade fronteiriça da China para contar esta história.
Família: saúde mental é tema tabu no mundo todo, mas na China talvez um pouco mais. Este texto da Sixth Tone fala sobre a importância da família quando há transtornos desse tipo.
Proibidão: este clipe da cantora sino-australiana Kimberley Chen resultou no seu sumiço das redes sociais chinesas. Veja o vídeo com legendas (em chinês, malaio e inglês) e entenda o porquê.
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