Edição 180 – China e EUA unidos ao menos pelo clima
Histórico, mas sem resolução ainda. Na semana passada, falamos aqui sobre a importante reunião do Comitê Central do PCCh que debateu e aprovou a terceira resolução histórica do partido. O encontro chegou ao fim na quinta (11), mas o documento completo não foi divulgado, apenas um comunicado. Trazemos esta análise de Manoj Kewalramani sobre como a cobertura da plenária se deu na imprensa chinesa. O China Media Project publicou uma tradução (para o inglês) do comunicado, com comentários destrinchando alguns detalhes. Jordan Schneider, do China Talk, fez um fio no Twitter sobre o papel das resoluções para a história do Partido. Vale lembrar que, até aqui, os textos publicados sobre o assunto falam quase em uníssono que se trata da consolidação de Xi no poder. Um pouco na contramão, este texto de Evan Osnos para a The New Yorker considera que a participação de Xi na escrita da história oficial do partido poderia arruinar o líder no futuro. Vale a leitura.
Para além de Xi Jinping, a reunião deve servir para reafirmar e estabelecer novos fatores de legitimação do PCCh. Como ressaltou Mike Gow em um fio no Twitter, o Partido considera estar adentrando uma “nova era”, uma vez que os objetivos traçados por Deng já teriam sido alcançados e novas metas são necessárias para 2049, centenário da República Popular.
Ô, trem bom. Na China, parece que valeu muito a pena investir em trens-bala. Esse é o principal resultado da análise recém-publicada da Macropolo sobre os investimentos chineses em ferrovias de alta velocidade na última década. Apesar dos altos custos e endividamento, os ganhos foram bastante elevados, somando quase 400 bilhões de dólares à economia. O texto também apresenta um estudo de caso do trecho entre Pequim e Shanghai, que levou três anos para ser lucrativo, mas que hoje gera quase US$ 2 bi de lucro por ano, transportando em 2019 o equivalente à população brasileira (220 milhões de pessoas). Aproveite comum cafezinho.
Falando em trens, a China finalizou a construção de uma ferrovia que circunda o deserto de Taclamacã — com uma área equivalente à da Alemanha (e o mesmo onde foram encontradas as múmias de Xiaohe). A linha ferroviária revitaliza as antigas rotas da seda e facilita o acesso à região de Xinjiang e a exploração de campos de petróleo na Bacia do Tarim.
Mídias sociais anti patrióticas. Semana puxada para o ativismo digital em Hong Kong. Na última sexta-feira (12), um ex-policial foi preso por suas postagens em redes sociais. A acusação é de que ele agiu com intenção sediciosa e incitou ódio e descontentamento da população contra o governo. Isso foi feito com base em uma lei do período colonial britânico — um resgate que vem se tornando recorrente. Dias antes, na terça-feira (09), três pessoas foram presas por sugerirem nas redes sociais que eleitores votassem em branco nas próximas eleições gerais para o Conselho Legislativo. O pleito, que deve ocorrer em dezembro, teve a candidatura de 154 pessoas e pouca diversidade. Antes das urnas, os candidatos ainda devem passar por um crivo político. Sobre o momento político de HK, vale ler esta análise de Timothy McLaughlin para a The Atlantic explicando como as elites pró-democracia honcongueses foram fundamentais para a virada política na região e a restrição de direitos.
Mídias tradicionais anti patrióticas. Enquanto isso, Sue-Lin Wong, do The Economist, se tornou a quarta jornalista internacional desde 2018 a ter seu pedido de renovação de visto de trabalho em Hong Kong recusado. Sua rejeição é excepcional, destacou o Hong Kong Watch, dado que ela não tem nenhuma relação com o Clube de Correspondentes Estrangeiros local, como nos casos anteriores. Sobre a erosão da liberdade de imprensa na região administrativa especial e o perfil da mídia que ainda pode trabalhar por lá, vale ler esta análise do The New York Times.
Sem nenhuma relação: passou quase batido nesta semana o anúncio da Google de um ataque de hackers contra dispositivos Apple. Os celulares e notebooks tiveram dados de seus donos coletados, extraídos e enviados para servidores dos responsáveis pelo ataque. A infecção se deu quando os usuários visitaram um site de notícias e de um site de um grupo pró-democracia de Hong Kong, que não foram identificados. Pelas características do ataque, especula-se que os hackers sejam financiados por algum país.
Começa o pregão.Abriu nesta segunda (15) a Bolsa de Valores de Pequim, como falamos em setembro. De acordo com a Caixin, o pregão abre com pelo menos 81 companhias listadas. Vamos acompanhando.
China e EUA contra o climão. As duas maiores economias do mundo se juntaram para uma declaração na reta final da COP26, com metas ambiciosas e promessa de reunião bilateral sobre o tema. A declaração chamou a atenção por ter sido disponibilizada para o público online, enquanto ainda estava sendo editada, ao vivaço. O documento veio meio de surpresa, mas foi bem recebido. A China também se destacou como um dos países a prometer combater a destruição de florestas em um acordo ao qual o Brasil também aderiu. Mas apesar dos compromissos, seguiu sendo umas das nações mais criticadas, como conta o South China Morning Post, porque financia projetos que causam desmatamento, como ocorre na Amazônia. Para fechar as notícias de COP26, a Pekingnology transcreveu a fala de Xie Zhenhua (o representante de alto nível enviado por Xi) na coletiva de imprensa que ocorreu no começo do evento.
Xi e Biden. Provavelmente pouco depois de esta newsletter chegar à sua caixa de e-mail, as primeiras notícias sobre a videoconferência entre Xi Jinping e Joe Biden vão começar a pipocar pelas redes. Prometemos atualizações em nossas mídias sociais, mas por enquanto trazemos aqui as expectativas sobre a conversa que deve acontecer nesta terça pela manhã (no fuso da China). O The New York Times contextualiza a conversa (a terceira desde que Biden chegou ao poder) com as questões econômicas e militares. O think tank Carnegie fez este texto apontando o que pode ser esperado. A BBC cita fontes familiarizadas com a reunião e diz que cibersegurança, comércio e tratado de não proliferação de armas nucleares estão na mesa. Por fim, o site Politico se mostra mais pé no chão e diz que as expectativas sobre a conversa são baixas.
Huawei ficou no Brasil. Nos últimos anos, a empresa chinesa de tecnologia apareceu em manchetes sobre o 5G mundo afora. O embate entre o governo de Donald Trump e a China deu o tom da desconfiança sobre a empresa chinesa como fornecedora desse tipo de serviço. Estados Unidos e Austrália vetaram o grupo, e muito se especulou se o Brasil iria no mesmo caminho por ter como presidente Jair Bolsonaro. Não aconteceu. Esta matéria recente da Piauí traz os bastidores do por quê de a Huawei não ter sido excluída nominalmente do edital do 5G, apesar das bravatas, o governo brasileiro não fechou as portas à companhia chinesa. Isso não quer dizer que a Huawei participou do leilão realizado no começo do mês. Para ficar claro, o UOL explica que, embora não tenha havido veto, a empresa chinesa não entrou para o leilão do início do mês visto não ser empresa de telefonia, somente de infraestrutura. Já esta reportagem mostra como a Casa Branca tentou influenciar a decisão do governo brasileiro. Em março, contamos como a Huawei estaria fora, por não querer construir a rede privativa prevista no leilão.
A pergunta do milhão e que seguimos fazendo: quando a China vai reabrir suas fronteiras? Isso passaria, primeiro, pela decisão de Pequim abrir mão da política de tolerância zero à Covid, o que não parece ser iminente, como mostra este texto do O Globo. Mas o SCMP noticiou que universidades locais estão preparando alunos estrangeiros que ficaram presos fora da China para que possam começar a arrumar as malas. Por enquanto, o gigante asiático se mantém isolado nesta decisão de fronteiras fechadas. Aguardemos os próximos capítulos.
Metade do céu, mas pouco do espaço. Wang Yaping se tornou a primeira chinesa a caminhar no espaço no dia 7 de novembro. O acontecimento, que durou 6 horas e meia, é parte de uma missão que deve durar seis meses. Apesar de fazer história, sendo apenas a segunda taikonauta (astronauta chinesa), Wang foi alvo de muito sexismo da mídia, do público e de representantes do governo. Antes da caminhada, o foco dos comentaristas esteve em questões como maquiagem, menstruação e a filha de Wang. Depois do feito, ela foi elogiada por ser tão forte que “nem parecia uma mulher”. O South China Morning Post fez um breve vídeo contando a trajetória da taikonauta, trazendo alguns comentários dela própria.
Falando em mulheres chinesas e os desafios que encontram na sociedade, Peng Shuai não é vista desde seu post no weibo acusando o ex-vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli por coação sexual. A Associação de Tênis Feminino, uma organização internacional, pediu uma investigação sobre o assunto.
Chama a Nath Finanças. Shenzhen criou a primeira legislação chinesa para lidar com a liquidação de bens após falência de pessoa física (no Brasil, se usa o termo “insolvência civil”). A importante lei foi escrita no ano passado, no contexto de uma série de problemas de dívida pessoal devido à pandemia. Até este ano, não havia sistema prevendo negociação ou alívio para casos de indivíduos que faliram e, em meio ao crescente acesso a crédito fácil, isso pode ser um problema. Casos na corte de Shezhen são pioneiros no tema no país, com decisões importantes desde março deste ano, focando inicialmente em dívidas para pessoas físicas a partir de falência nos seus negócios, mas também agora em outros âmbitos, como consumo. Em 2019, o governo já mencionava a importância de melhorar o sistema de falências no país e há um longo debate sobre o tema, como conta esta matéria detalhada da Caixin (também de 2019). A experimentação legal realizada na cidade deve ser copiada em outros lugares do país.
Robô contra censura? Um estudo recente mostrou como o uso de bots tem dado uma canseira — e até vencido — as autoridades que tentam fiscalizar e controlar o que se publica nas redes sociais chinesas. O trabalho, realizado por Shao Lei, professor na Faculdade Policial de Sichuan, mostra que o uso de inteligência artificial tornou o comportamento e a linguagem dos posts automatizados muito similares aos criados por humanos – o que limita sua identificação automática; mas como os bots também postam em volume muito grande, avaliadores humanos não dão conta de filtrar tudo. Essa conclusão aponta para mais uma fonte de preocupações para o governo chinês – que já tem tido dificuldades em controlar postagens humanas por conta do uso de emojis e trocadilhos.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Podcast: o episódio do ChinaTalk conversa com Maggie Baughman, sobre privatização da propaganda na China. Ela conta como diferentes níveis administrativos do governo tem contratado empresas que realizam postagens no Facebook ou que contratam influenciadores estrangeiros para redes chinesa. Ela também escreveu sobre o tema.
Arte: abriu o muito esperado museu M+ de HK. Pelo site é possível conhecer um pouco da arte contemporânea honconguense. Mas nada de falar de política, hein?
É fashion ir ao museu: tem quem ame ir à lojinha na saída do museu, né? Alguns museus criaram verdadeiras linhas de acessórios com base em relíquias — e elas são sucesso, especialmente entre jovens.
Falando em arte: não deixe de conferir a matéria do NeoCha, repleta de imagens, sobre Shang Chengxiang, um expoente do realismo fantástico na China.
E-sports: talvez você tenha visto na tv ou nas redes vídeos de fãs chineses celebrando a conquista do campeonato mundial de League of Legends. O SupChina fez um texto sobre a aparente incongruência entre o que aconteceu e as recentes políticas governamentais restritivas para o setor.
Reportagem: a Men’s Health publicou uma longa e necessária matéria sobre o estigma que o glutamato monossódico, ingrediente culinário realçador do umami, enfrenta nos EUA e como o racismo contra chineses (e asiáticos em geral) explica sua continuidade.
Evento: no dia 18 de novembro (quinta-feira), o BRICS The Catalyst realiza uma palestra sobre as quatro modernizações chinesas e o centenário do Partido. O webinário será às 9h, com Wang Li e Tatiana Molina. Inscrição gratuita.