Edição 189 — Ano Novo na China começa com Olimpíada
Tem semanas em que parece que tudo acontece ao mesmo tempo. Amanhã (01) se inicia o Ano Novo Lunar, comemoração tradicional quando ocorre a considerada a maior migração humana do mundo. Assim como em 2021, a preocupação com a pandemia e o medo das variantes delta e ômicron levarão a menos viagens e mais comemorações isoladas. No WhatsOnWeibo teve comentários ao vivo do show da virada, ou melhor, do Gala do Ano Novo Lunar da CCTV. Felizmente, ao contrário de anos anteriores, não teve blackface nas esquetes esse ano, mas teve a clássica pressão para casar e ter filhos. O ano do Tigre vem aí e dizem que é bom não se estressar.
Ao que tudo indica, não se estressar vai ser difícil para a China. Alguns líderes mundiais já mesclaram o discurso de feliz ano novo com o de bons jogos. A Olimpíada de Inverno, que acontece em Pequim, terá início logo na sexta (04). Em meio ao boicote diplomático organizado pelos EUA, hashtags nas redes sociais e pressão sobre os patrocinadores — o jornalista Evan Osnos escreveu para a The New Yorker sobre o evento e questões políticas em seu entorno.
Já fizemos fio no Twitter com o que foram alguns dos principais pontos nas notícias até agora. A delegação brasileira já está por lá, a maior latino-americana e com caso de covid-19 confirmado. Para quem vai acompanhar, entre os atletas chineses vale ficar ligado nestes aqui. Como esta é a segunda vez que a capital chinesa hospeda uma Olimpíada, e muita gente lembra do debut lá em 2008, a The Wire mostra algumas diferenças entre um e o outro evento.
Ministério da Agricultura da China aprova novas diretrizes para a produção de grãos editados geneticamente no país. A medida abre espaço para aumentar a produtividade das poucas terras aráveis existentes e melhorar questões de segurança alimentar. Diferentemente de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs, ou transgênicos), os grãos editados não precisam da inclusão de DNA de uma espécie externa. O documento de dez páginas (em mandarim) é técnico e informa como os produtores podem requisitar a autorização para produzir e comercializar os novos grãos, além de detalhar os processos que devem ser seguidos, incluindo um período de testes de 1 a 2 anos, emissão de certificado de segurança e garantia de que o produto não apresente riscos à saúde ao consumir e problemas ambientais.
Weng Lin Chan, líder do segundo maior grupo operador de apostas em Macau, foi preso neste domingo (30), acusado de lavar dinheiro e organizar apostas ilegais. A operação fez parte de uma ação coordenada por Pequim para coibir a participação de chineses do continente em jogos de aposta em Macau e já resultou na prisão de Alvin Chau (até então o maior operador no setor) em novembro. Segundo apuração da Bloomberg, as prisões de Chau e Chan estão derrubando o valor das empresas de apostas macaenses, o maior mercado do mundo e responsável por 40% do PIB da região administrativa especial.
Enchentes em Henan tiveram mortes acobertadas. Contamos em julho do ano passado a situação trágica na província de Henan, que sofreu com chuvas torrenciais. Uma investigação lançada pelas autoridades concluiu que houve acobertamento de pelo menos 139 mortes, elevando o total para 398, sendo 95% delas em Zhengzhou (capital da província). Xu Liyi, secretário municipal da capital, foi removido do cargo pelo Partido. Até o momento, oito pessoas foram detidas pela polícia e 89 funcionários públicos sofreram punições.
Sem falsidade. Como antecipado, o governo chinês vai pegar pesado com deep fakes e inteligência artificial de uso similar. Na sexta (28), a Administração para o Ciberespaço publicou um rascunho da legislação focado nisso. Por enquanto, está aberto para consulta pública até 28 de fevereiro. As regulações sobre o uso de algoritmos já previam alguns pontos, como conta essa matéria no Rest of World. Mas esta iniciativa, com foco no papel das plataformas, é praticamente inédita no mundo. Medidas incluem a indicação clara de imagens que passaram por alterações desse tipo e verificação de identidade do usuário que utilizar esses produtos, como explica a matéria do SCMP. Para ler o documento em inglês, tem uma tradução não oficial do China Law Translate.
Lá em 2020, havíamos contado aqui sobre como a gigante Tencent falou do potencial da tecnologia de síntese deepfake para diversos setores e de como já estava avaliando sua aplicação, enquanto também reconhecia os riscos associados. Com a expansão do uso de deep fakes nas redes sociais chinesas, em algum momento as autoridades iam dar as caras. Em março do ano passado, o governo chamou grandes empresas de tecnologia que trabalham com deep fake para uma conversa, como contou Zeyi Yang para o Protocol.
Como o Fundo de Kunming pode ajudar na proteção da biodiversidade na América Latina? Lar de 40% da biodiversidade do mundo, a região tem dificuldade de receber financiamento climático, mesmo sendo uma das mais afetadas pelo aquecimento global. E é aí que entra o Fundo de 1,5 bilhão de yuans anunciado pelo presidente Xi Jinping na primeira fase da Conferência da Biodiversidade (COP 15): a iniciativa chinesa é destinada especificamente para a proteção da biodiversidade de países em desenvolvimento. O Brasil pode se beneficiar largamente da iniciativa se demonstrar comprometimento real com a redução do desmatamento que, segundo os dados mais recentes, aumentou 29% em 2021 — sendo o maior nível em uma década. A reportagem é de Lívia Machado Costa (uma Shumianer!) para o Diálogo Chino.
Guillermo Lasso, presidente do Equador, planeja ida a Pequim para renegociar dívidas de US$ 4,1 bilhões (R$ 22 bilhões) atreladas ao petróleo. Prática já vista em países como Venezuela, Angola e Moçambique, é comum que a China faça contratos que estipulam como garantia do pagamento do empréstimo a venda obrigatória de barris de petróleo. Desde a administração de Rafael Correa (2007-2017), o Equador acumula mais de 15 empréstimos com esse tipo de garantia. A pressa de Lasso por renegociar a dívida pode ser explicada pelo aprofundamento da crise econômica no Equador e pela necessidade de cumprir com suas promessas de campanha que incluíam o aumento do salário mínimo e a criação de milhões de empregos no país. De acordo com a Reuters, o país sul-americano ainda deve enviar mais de 160 milhões de barris de petróleo cru para a China até 2024.
Aproveitando que estamos na região, vale a pena passar um cafezinho e ler o artigo de opinião de Jorge Heine, ex-embaixador do Chile para a China entre 2014 e 2017, sobre o que esperar das relações entre o país asiático e a América Latina com o retorno ao poder de governos de esquerda na região. Publicado no Global Times, o artigo de Heine faz uma recapitulação do período de 2003 a 2013, marcado pelo boom das commodities e amadurecimento de instituições regionais, como a criação da Unasul e Celac, e discute possíveis desafios atuais, como a “desindustrialização prematura”, baixo crescimento econômico e questões relacionadas à exploração do lítio na região.
Em meio às tensões entre Rússia e Ucrânia, a confirmação da viagem de Putin para a abertura da Olimpíada em Pequim chamou atenção e tem peso político, como conta a matéria da AFP. Putin tem um histórico político com o evento: a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 foi cerca de um mês após o fim da Olimpíada em Sochi. Por isso, surgiram boatos de que Xi teria pedido para o russo não invadir a Ucrânia durante o evento – o que o Ministério das Relações Exteriores chinês negou, como relata o SCMP. Putin reclamou da politização do evento, oferecendo apoio à Xi. Ele vai se encontrar com o líder chinês, mas não com os outros 30 chefes de estado confirmados.
É bom lembrar que a China levou à Assembleia Geral da ONU uma resolução para criar uma “trégua olímpica”, pedido reforçado pelo secretário-geral António Guterres, e aceito de forma unânime. A trégua se inicia uma semana antes do evento e dura até uma semana depois do fim das Paralimpíadas — ou seja, 20 de março, depois até das importantes reuniões do governo chinês, as Duas Sessões (que iniciam 4 e 5 de março). Uma matéria do Global Times enfatizou a relação do documento da ONU com a crise na Ucrânia, mas focando no papel dos EUA em não alimentar as tensões.
O direito da mulher incomoda muita gente. A revisão de uma lei que trata dos direitos e da proteção das mulheres se tornou alvo de um intenso debate nas redes chinesas. O rascunho propõe atualizações em uma lei de 1992, que já foi revisada em 2005. O tema é tão relevante que, desde 24 de dezembro até o fim de janeiro, foram recebidas mais de 390 mil mudanças, propostas por mais de 80 mil pessoas. Especialistas falam em pontos progressistas na lei, como o esclarecimento do que configura violência sexual. Porém, como mostra a Sixth Tone, o debate não foi todo elogios, com reações de homens que demandam ser ouvidos.
O texto vem em um momento em que a sociedade chinesa debate as respostas do governo a casos extremos de violência que ganharam repercussão recentemente, como o de uma mãe de oito crianças que foi encontrada acorrentada, e que viralizou no Weibo. A resposta inicial do governo foi afirmar que não havia nenhuma ilegalidade na situação. Outro exemplo foi de um homem flagrado batendo em sua esposa em frente ao filho — ele foi detido por cinco dias.
As desigualdades e os desafios dos migrantes ganharam destaque nas últimas semanas para a elite chinesa, como conta o China Digital Times. O caso de um migrante, Yue Zongxian, que foi para Pequim em busca de seu filho desaparecido, mostra o dia a dia difícil e precarizado de muita gente que tenta a sorte nas grandes cidades. A história dele veio à tona devido à publicação do seu itinerário por conta do sistema de contact tracing (rastreamento) de pessoas com Covid-19.
Menos laowai na China. Se o país asiático nunca foi visto como o mais aberto para a entrada de estrangeiros, a pandemia reduziu ainda mais o número de laowai 老外 (gíria usada para se referir a estangeiro em mandarim). A Sixth Tone traz uma série de reportagens que abordam o tema. Um dos textos fala sobre um dos grupos mais afetados, os estudantes internacionais. Os campi das universidades seguem com restrições de circulação e, em alguns casos, são mantidas aulas online. Muitos dos universitários que ficaram fora do país não conseguem regressar devido à política de tolerância zero à Covid. Tendo deixado para trás todos seus estudos e pertences, ainda seguem sem expectativa de quando tudo voltará à “normalidade”. O título desta outra reportagem chama atenção pelo fato de que, para quem ficou fora da China após a pandemia, regressar ao país tornou-se quase tão difícil quanto ganhar na loteria. A diminuição do número de estrangeiros levou ainda a uma mudança no mercado de trabalho, já que empresas não têm conseguido contar com mão de obra de outros países.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Brasil na terra dos pandas: o governo brasileiro oficializou a abertura de um novo consulado em Chengdu. A representação se soma aos consulados de Guagzhou, Shanghai, da embaixada em Pequim e dos escritórios comerciais em Hong Kong e Taipei.
Abertura dos Jogos: o diretor de cinema chinês Zhang Yimou será o responsável pela abertura da Olimpíada de Inverno em Pequim, no dia 4. De acordo com o SCMP, ele pretende dar um ar de superação da pandemia.
No escurinho: esta matéria do The World of Chinese conta a história do início do cinema na China. A primeira exibição no país foi em 11 de agosto de 1896, em Shanghai — a cidade-berço do cinema chinês.
Livro: o CEBRI lançou uma publicação de doze ensaios escritos ao longo de quase 20 anos sobre China e Brasil, da pesquisadora Anna Jaguaribe, que faleceu ano passado.
Boa sorte: o jogo viral Wordle (e sua alternativa BR termo) ganhou versões também em jyutping (cantonês) e pinyin (mandarim) — no caso do pinyin, a ideia é adivinhar um chengyu diário.
Música: a banda 莊稼人 fez um álbum de músicas folk taiwanesas da tradição linguística nativa hokkien, mas misturadas com rock. Vale dar um play.
Ilustrações: de Jiangsu para o mundo, as ilustrações de Lli Yulong são carregadas de alegria, humor e bons trocadilhos em mandarim. De Pete Zhang para o NeoCha.
Me chame pelo seu nome: sempre quis saber quais os nomes mais populares na China? O relatório anual de registros de nomes saiu.