Edição 190 – Pequim: um olho na Olimpíada, outro nos negócios
Os Jogos Olímpicos começaram e só se fala em bolha sanitária. Pequim iniciou há um mês um planejamento de contenção da Covid-19 durante o evento. Com a viagem de diversos correspondentes internacionais para a capital, o tema ganhou espaço na mídia internacional, com relatos como este de Selina Wang, da CNN, e do brasileiro Marcelo Ninio. A bolha consiste em um isolamento dos envolvidos na Olimpíada, incluindo não apenas atletas, mas também funcionários.
Além da bolha, outra pauta que brilhou foi o uso de tecnologia (inclusive no contexto de prevenção da pandemia). A Protocol China listou diversos motivos para celebrar (ou não) o momento do país se destacar na inovação e a Rest of World fez um resumão das tecnologias presentes no evento. Tem robôs fazendo de tudo, muito uso de serviços na nuvem e o app de controle de casos, que já apareceu aqui. Mesmo com boicote diplomático do governo dos EUA, o setor privado de tecnologia de lá está em peso no evento.
Com a abertura dos jogos na sexta-feira (04), não deu para escapar de uma centena de análises sobre seus significados, especialmente a vibe calma que tentou passar. Tem fotos e meme do Putin, para quem não aguentou a duração. Essa cobertura intensa não é novidade: a abertura de 2008 também rendeu muito comentário e — obviamente — base para comparação, ainda mais que ambas foram dirigidas por Zhang Yimou. Com o boicote diplomático por violação de direitos humanos rondando o evento, foi simbólica e bastante comentada a escolha de uma atleta uigur de Xinjiang, a esquiadora Dinigeer Yilamujiang, para ser um dos carregadores da tocha.
O caso de Peng Shuai, do qual falamos aqui e que reacendeu os debates sobre o boicote em novembro passado, parece ter arrefecido. O Comitê Olímpico Internacional afirma que só vai buscar investigação se a jogadora se manifestar. E foi o que ela fez: em entrevista por telefone na segunda (07), para um jornal francês, Peng negou as acusações de abuso sexual.
China prende 47 executivos da indústria do aço por falsificar dados de emissões de gases de efeito estufa. Segundo apuração da Bloomberg, os indiciados interferiram nos serviços de monitoramento de grandes poluentes para não ultrapassar a quota de poluição local. O fato aconteceu em Tangshan, perto de Pequim, um hub de produção de aço do país. Pelo ocorrido, os executivos podem encarar de 6 a 18 meses de prisão e as empresas devem arcar com multas de 4 a 7 milhões de yuans (de R$ 3,32 milhões a R$ 5,8 milhões, aproximadamente).
Vamos de economês? O Pekingnology, que citamos com alguma frequência aqui, dedicou uma edição recente à Teoria Monetária Moderna (TMM), uma vertente econômica que ganhou espaço recentemente questionando as bases do modelo que se tem como “padrão” nas democracias liberais. A TMM defende, sobretudo, que a economia de um país tem que estar fortemente baseada em seu poder de ser emissor de sua própria moeda, deixando de lado outros indicadores, como dívida, etc. O diferencial desta edição do Pekingnology é, por meio da tradução de um texto recente, colocar teóricos chineses nesse debate que tem sido muito mais focado nos Estados Unidos. Vale um bom cafezinho para entrar neste debate.
Não banque o herói e siga a tradição. Esse foi o recado dos oráculos para o ano do tigre em Hong Kong — e vale destacar que a mensagem sorteada anualmente no templo Che Kung é levada a sério. As interpretações tomaram dois rumos: o combate à pandemia e a eleição de um (possível) novo CEO para a região administrativa especial. Sobre o combate à pandemia, o governo declarou na última semana que seguirá com sua estratégia de tolerância zero contra a Covid-19 — agora chamada de dynamic zero infections, uma tolerância zero expandida. Nas últimas duas semanas foram registrados 1.921 novos casos, um recorde, sendo 320 de origem desconhecida.
Quanto aos aspectos políticos da previsão, o caminho está aberto para o vintage. Na última semana, dois cidadãos foram condenados de acordo com uma lei antissecessão do período colonial britânico. Também é especulado que projetos reprovados no conselho legislativo quando a casa era composta por menos “patriotas” voltarão à pauta. E embora ainda não haja candidatos oficiais (relevantes) às eleições que ocorrerão em dois meses, a expectativa é de que Carrie Lam se mantenha no cargo — mas entre os possíveis candidatos estaria também o ex-CEO Leung Chun-ying. O que se sabe ao certo é que o período oficial de nomeações será de 20 de fevereiro a 5 de março e a pessoa vencedora será escolhida por um grupo de 1.463 eleitores de um comitê pré-selecionado pelo governo.
A política bilateral em meio aos Jogos. O monotema da semana é a Olimpíada de Inverno de Pequim, sabemos. Mas, para além dos jogos, a China tem fortalecido suas relações bilaterais aproveitando a visita de algumas lideranças. O principal caso é do russo Vladimir Putin, que chegou a publicar um artigo na agência estatal chinesa Xinhua no dia 03, véspera da abertura, sobre a parceria estratégica sino-russa. O saldo do encontro de Xi com Putin foi um acordo de fornecimento de gás entre a russa Gazprom e a chinesa CNPC, como apareceu na Reuters, e uma declaração conjunta criticando a OTAN.
Além de Putin, Xi Jinping tem aproveitado para colocar as conversas diplomáticas em dia com outros líderes mundiais que foram para Pequim, já que ele próprio não sai da China desde antes da pandemia. Uma conversa que chamou bastante atenção foi com o secretário-geral da ONU, António Guterres. Segundo relatos, Guterres cobrou de Xi a famigerada visita de Michelle Bachelet, a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, a Xinjiang. É uma situação que se arrasta desde 2018, principalmente pela expectativa de quão independente será Bachelet por lá.
A lista de presença em Pequim tem sido criticada pela mídia ocidental e por ONGs de direitos humanos por incluir poucas democracias que estejam saudáveis. Diversos países democráticos anunciaram boicote junto aos EUA. Mas outros países simplesmente disseram que não compareceriam por motivos de Covid-19. No contexto de tensões entre as duas maiores potências mundiais, teve país que simplesmente decidiu não ir, sem dar motivo.
A Índia se juntou ao bloco do boicote, após um soldado chinês que esteve no confronto de 2020 em Galwan (na fronteira sino-indiana) ser uma das pessoas carregando a tocha olímpica. A decisão de Pequim ficou estranha depois de tanto se falar em não politizar os jogos.
Los Hermanos no BRI. Confirmando as expectativas, a viagem do presidente argentino Alberto Fernández a Pequim selou a entrada do país na Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). A confirmação do acordo foi anunciada no domingo (6), após encontro de Fernández com Xi Jinping no Grande Palácio do Povo, na capital chinesa. Entre as medidas assinadas está um acordo para a construção de uma usina nuclear no país latino-americano, na casa de US$8 bilhões (R$ 42 bilhões), mas a promessa total é de um investimento na ordem de US$23 bilhões (R$ 121 bilhões) . O anúncio foi classificado como um “avanço crucial” por Fernández, que busca com os chineses o apoio para negociação de acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em meio à crise enfrentada pelo governo argentino.
Enquanto isso, no país vizinho… Pouco antes do Ano Novo Lunar, a montadora chinesa Great Wall anunciou investimento de R$ 10 bilhões no Brasil para a fabricação de carros elétricos e híbridos. A empresa automobilística vai produzir veículos em uma fábrica no interior de São Paulo que pertenceu à Mercedes-Benz. E, por falar na indústria de carros movidos a eletricidade, a Caixin mostra que este setor atingiu níveis recordes em 2021. A ver como isso se dará no Brasil nos próximos anos.
A corrida pela vacina. Desta vez não estamos falando aqui sobre a imunização contra o coronavírus, mas de um vírus já muito conhecido, o HPV. O South China Morning Post fez uma reportagem contando a dificuldade para que mulheres chinesas consigam se imunizar contra o vírus, cuja uma das variantes é responsável pelo câncer cervical em mulheres. Nós já falamos sobre a vacinação contra o HPV na China, aqui. De acordo com os dados mostrados pelo jornal, a estimativa da Organização Mundial da Saúde é de que 110 mil mulheres são diagnosticadas com a doença no país asiático a cada ano e que mais de 59 mil morram por essa causa anualmente. A vacinação completa em idade antecipada é a principal forma de prevenir a doença. O HPV, embora atinja homens e mulheres, é muito mais nocivo para pessoas do sexo feminino.
Não foi um 7×1, mas doeu. O time de futebol da China perdeu para o Vietnã por 3 a 1 nas eliminatórias asiáticas para a Copa do Mundo do Qatar de 2022 — uma derrota inédita. A frustração levou fãs a discussões online, chegando a mais de 1 milhão de menções no Weibo durante o jogo. O fracasso do desenvolvimento do esporte no país perdura apesar de incentivos governamentais e atração pesada de talento do exterior, como já falamos aqui. E por falar em rever, mencionamos recentemente um artigo de opinião de Cameron Wilson, via SupChina sobre a supervalorização do time nacional sobre os times regionais.
Se o time masculino de futebol tem dado bola fora, o time feminino da China venceu a Copa Asiática de Futebol Feminino no domingo (06). Apesar de tamanho sucesso e, nas palavras de alguns fãs, “reconquistar a dignidade do futebol chinês”, as jogadoras ganham bem menos que os homens no campo. Dados disponíveis e apurados pela Sixth Tone falam de uma disparidade de 90% entre o salário da melhor jogadora do time feminino e a média salarial dos homens.
Mesmo com o fim (no papel) do regime 996, a prática persiste. O modelo de trabalho 996 (das 9 às 9, 6 dias por semana) ficou, infelizmente, popular em startups e empresas de tecnologia. O recente relato de um trabalhador que se demitiu após a publicação de um relatório da chefia elogiando longas jornadas de trabalho reverberou entre chineses da área. Com 25 anos, Zhang era programador na gigante Tencent. Em uma postagem num grupo interno da empresa (que viralizou nas redes sociais depois), ele compartilhou sua frustração por ter que trabalhar 20 horas por dia para fechar um projeto. A chefia do app em que o jovem trabalhava agradeceu o feedback e prometeu ajustes. Vamos ver.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Música: a banda chinesa Underdog, de punk ska, lançou um ode nostálgico às mudanças na capital do país e ao ritmo acelerado da modernidade. O single Beijing, You Used to Be Cool também resultou em diversos comentários nas redes, concordando com a letra.
Errata: viajamos no tempo e divulgamos errado a banda Future Orients (e não Future Orientals, como escrevemos originalmente) em nossa newsletter. O álbum foi lançado em 2016, não recentemente. Pedimos desculpas pela confusão, mas reforçamos que vale conferir o som da Future Orients.
Cantopop: destaque na Gala do Ano Novo Lunar da CCTV, o cantopop teve um ótimo 2021 entre os honconguenses no Spotify. No gráfico interativo do The Economist também dá pra ver como o mandarim se saiu pelo mundo.
Já que estamos musicais: o rico universo das gravadoras independentes do cenário indie pop na China são o tema desta matéria, com músicas e ilustrações. Dica do leitor shumianer Pedro Silveira.
Bora curtir um filminho em casa: o Cinema em Cena publicou uma coluna com dicas de filmes do diretor honconguense Johnnie To disponíveis em plataformas de streaming por aí. Recomendamos o divertido Don’t go breaking my heart para quem quer relaxar.
Tac tac tac: na década de 40, Louis Lew viajou por diversas cidades para demonstrar o uso da máquina de escrever em chinês criada pela IBM. Essa história é o tema desta interessante matéria (que virou livro).
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