Fotografia em cores de decoração celebrando as Olimpíadas de Inverno em Pequim 2022. Além de flores, a decoração traz estátuas dos mascotes dos jogos e de crianças estilizadas.

Crédito da foto: N509FZ, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Edição 188 – Aplicativo usado na Olimpíada acende alerta de segurança

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

My2022. O grupo de cibersegurança canadense Citizen Lab publicou um relatório sobre o app My2022 na terça-feira (18). O aplicativo é de uso obrigatório para todos os envolvidos na Olimpíada de Inverno de Pequim e oferece desde trocas de mensagens até envio de informações pessoais para a organização do evento. Segundo o documento, o app teria falhas de encriptação que poderiam ser facilmente exploradas para a coleta de dados dos usuários e uma lista (aparentemente inativa) de palavras-chave censuradas, como Xinjiang e Tibete. O Citizen Lab afirmou ainda que o aplicativo estaria em desacordo com os termos de uso da App Store (Apple) e da Google Play Store, além de desrespeitar diretrizes de proteção à privacidade do governo chinês. O Comitê Olímpico Internacional afirmou que o My2022, na verdade, não é de uso obrigatório, foi analisado por especialistas em cibersegurança e não tem “vulnerabilidades críticas”. Alguns países já vinham instruindo seus atletas a não levarem seus eletrônicos para Pequim, mas usarem equipamentos novos e descartá-los ao sair da China.

Falando em cibersegurança, na última semana o uso de códigos QR na contenção da pandemia deu um pequeno susto na China. Em Guangdong, uma alta na demanda de uso do aplicativo que emite códigos de saúde (tipo um passaporte de vacina) resultou em lentidão, indisponibilidade e causou emissão de códigos de liberação errados, como apareceu no Protocol China. Ao contrário do ConecteSUS, não foi hack. Outros casos de erros e dificuldades de uso foram pauta de alguns questionamentos nos últimos dois anos: em 2020, o The New York Times havia escrito sobre o uso, no combate à pandemia, de QR e os códigos coloridos — que já se tornaram famosos pelo mundo e tema de inúmeras discussões.

Nível recorde de produção de carvão na China preocupa ambientalistas, como apurado pela Reuters, The Guardian e CNN. O pico foi consolidado em dezembro de 2021, mas só agora vem à cena com dados atualizados do Escritório Nacional de Estatísticas que apontam um aumento de 4,7% em relação a 2020. Uma das explicações para o crescimento foi a maior demanda por energia impulsionada pelos esforços de recuperação econômica pós-pandemia. Para o analista chinês Yang Muyi, do Ember, um think tank especializado em clima e energia, o aumento foi consistente com a tendência de produção de carvão da China desde 2017 e faz parte do processo de descarbonização da economia chinesa, como também avalia a Carbon Brief. A China pretende atingir o pico de emissões de carbono até 2030 e a neutralidade carbônica até 2060.

A passo lento. Ainda que a China tenha se mantido a principal parceira comercial do Brasil durante o governo Bolsonaro, em que pesem as críticas do presidente ao país asiático, as negociações de um mecanismo de cooperação estão travadas. Uma reportagem da Folha de S.Paulo mostra que o atraso em negociações desde 2019 levou ao vencimento de dois acordos que dão norte à relação entre os dois países. A reportagem pondera que, mesmo sem a continuidade dos mecanismos, negócios e tratativas seguem em curso, mas o impasse reflete um enfraquecimento nas relações diplomáticas e políticas entre Brasília e Pequim.

Só na afinidade ideológica. Lá no final de dezembro, contamos aqui como a Nicarágua adotou o princípio da Uma Só China e abriu uma embaixada da República Popular no seu território. Na época, o governo de Ortega afirmou afinidade ideológica como guia da mudança. Coincidência ou recompensa, um mês depois, a Nicarágua oficialmente entrou na Iniciativa Cinturão e Rota, como conta a Panda Paw Dragon Claw. Na metade de janeiro, os dois países assinaram um acordo de cooperação econômica e um memorando de entendimento sobre a Iniciativa.

Iguaria na China, bexigas natatórias de peixes geram interesse na  Amazônia. As jornalistas Lulu Ning Hui (Initium Media) e Sarita Reed (Diálogo Chino) foram até o mercado Ver-o-Peso em Belém (PA) para investigar o lucrativo comércio de bexigas natatórias, que podem custar até R$41 mil por quilo em mercados de Hong Kong. Valorizado por suas propriedades na medicina tradicional chinesa, o “grude” (como é conhecido o órgão do peixe) passa de maneira quase indetectável nos dados oficiais de exportação do Brasil. Segundo a reportagem, o Brasil é o país que mais exporta o produto para Hong Kong, com 95% vindo do Pará. Estima-se que o mercado pouco conhecido já tenha movimentado mais de R$2 bilhões entre 2015 e 2020 e tenha levado à sobrepesca em alguns municípios paraenses.

As relações sino-africanas chegam ao telão. Como conta o China-Africa Project, a comédia My African Bride (ou, em tradução livre, Minha noiva africana) traz um tema conhecido de quem acompanha filmes dos EUA: a diferença de culturas e adaptação de uma família tradicional (aqui, chinesa) a um relacionamento inter-racial. No fim de 2021, uma série de sucesso na TV chinesa também tocou na questão das relações sino-africanas: Ebola Fighters. O seriado (disponível no YouTube) foca em uma equipe de médicos chineses atuando durante a epidemia de ebola que atingiu a parte oeste do continente em 2014.

Boleto atrasado. O valor do aluguel em 55 das principais cidades chinesas subiu em média 10%, no último ano. Em oito grandes metrópoles, chegou a mais de 20%. O resultado afetou desproporcionalmente jovens profissionais com ensino formal. O texto do sociólogo Xiang Jun conta como a maioria dos locatários são desse grupo (63%), com boa parte sendo migrante. Como mostra Xiang, o resultado afeta a percepção de felicidade desses jovens chineses. A questão se soma a outra que já falamos aqui algumas vezes: a pressão e o custo de formar uma nova família. Entre aluguel, comida e escola para os filhos, o orçamento da casa encolhe. O governo (ao nível nacional e local) vem estudando a criação de programas de subsídios e casas populares para os próximos anos.

Aliás, se o censo de 2020 já mostrou uma queda nos nascimentos, os dados publicados no último ano corroboram: apesar das tentativas do governo de incentivar casais a terem mais filhos, a matéria do The Economist conta como foram apenas 10,6 milhões de nascimentos em 2021. É uma queda de 1,4 milhão em relação ao ano retrasado.

Sobrou pro Hamtaro. No último domingo (23), Hong Kong atingiu sua maior marca de casos de Covid-19 nos últimos 18 meses, com 140 registros. Mas nesta segunda-feira (24) esse dado já estava bastante desatualizado: só no conjunto habitacional Kwai Chung Estate, foco de contaminação onde agora milhares de pessoas estão isoladas, o número de infectados já chegou a 173. Na quinta-feira (19), analisando um caso atípico, o governo levantou a hipótese de transmissão de ômicron em apenas nove segundos, em uma estação de metrô, entre pessoas usando máscaras cirúrgicas e sem contato direto. Em meio à pressão para zerar as transmissões locais, o governo decidiu exterminar mais de 2 mil hamsters, coelhos e chinchilas após funcionários e alguns animais de um pet shop terem sido diagnosticados com a variante delta. A medida causou reações contrárias da população, já que não há indícios de que pets possam transmitir o vírus para humanos. Apesar do número recorde de contaminações, não há casos graves no território em que 70,5% da população adulta já recebeu duas doses de imunizantes.

Na China continental, onde bichos de estimação também já foram causa de oposição a decisões do governo, a situação se agravou desde o surgimento de novos casos em Pequim na semana passada. Ainda nos preparativos dos Jogos de Inverno e do Ano Novo Lunar, as autoridades da capital endureceram as regras e estudam suspender o recebimento de correspondências e materiais do exterior. Além disso, a partir desta semana, quem comprar analgésicos terá de passar por um teste de covid e terá o código de saúde temporariamente suspenso, até que o resultado negativo seja liberado.

E quando mostrar a pobreza dá dinheiro? Alguns jovens da minoria Yi, na zona rural da província de Sichuan, ganham até 40 mil yuan (cerca de R$34 mil) por mês ao mostrar a precariedade do lugar em que nasceram. Os influencers locais vendem produtos típicos da região nas lives, ao mesmo tempo em que esperam comover consumidores dos grandes centros urbanos sobre suas condições de extrema pobreza, com as moradias precárias do vilarejo ao fundo e até mesmo usando roupas desgastadas. Vistos por alguns como uma “espetacularização da pobreza”, os streamings são uma oportunidade fora da curva para muitos jovens que iriam abandonar os estudos e trabalhar em condições de extrema vulnerabilidade nas megalópoles do país. Mas, para algumas prefeituras locais, como a de Liangshan, toda essa exposição não condiz com os avanços que foram feitos e chega a contradizer a narrativa oficial do fim da pobreza extrema na China. Elas sugerem outro modelo de geração de renda por meios digitais, como já falamos por aqui. A reportagem é de Ji Guangxu para o Sixth Tone e vale um bom cafezinho.

Força, Peng Shuai. Não é só o caso do tenista Djokovic que tem chamado atenção no Australian Open. Peng Shuai voltou ao noticiário esta semana depois que a organização do evento proibiu camisetas de apoio à tenista que ficou  desaparecida por semanas depois de ter denunciado um integrante do alto escalão do Partido Comunista Chinês por abuso sexual. A proibição gerou revolta entre atletas e netizens. A renomada tenista Martina Navratilova chamou a decisão de “patética”.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Léxico tecnológico: a palavra heikeji 黑科技 ou tecnologia obscura é o tema deste texto de Gabriele de Seta. A expressão surgiu no começo da década de 2010 nos debates da área de tech na China e se refere a tecnologias novas, mas pouco compreendidas em suas promessas ou ameaças.

Miniturismo: o artista Hank Cheng faz miniaturas hiper realistas de lugares e cenas cotidianas de Taiwan uma viagem possível em tempos de covid-19.

Prazer, eu sou o jazz: David Moser, sinólogo, linguista e jazzista estadunidense, residente de Pequim desde 1989, conta a história do jazz na China começando por uma Shanghai “dançante, nova e sexy” dos anos 1920 até os dias atuais.

Um uísque chinês: a China definitivamente não é conhecida por seus uísques, já que o baijiu 白酒 é a principal bebida nacional, mas esta reportagem do Sixth Tone mostra como a indústria de bebidas promete criar uma versão do uísque adaptada ao paladar dos chineses.

Podcast: o Chinese Literature Podcast está com uma série de episódios sobre o famoso escritor Lu Xun. Moderno, gênio, irônico, revolucionário são alguns dos adjetivos usados para descrever o autor. Já saíram três episódios.

Uma relíquia de Shanghai: o prédio Embankment já viu de tudo abrigo para judeus refugiados da Segunda Guerra Mundial, lar de uma companhia de artistas de Charles Chaplin e hoje, depois de 87 anos de sua inauguração, abriga ainda mais histórias riquíssimas de seus residentes. A matéria é de Pete Zhang para o NeoCha.

Imagem de fundo vermelho, com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 祸不单行 huòbùdānxíng.
祸不单行 huòbùdānxíng – a desgraça nunca vem sozinha (misery loves company, etc).
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