Edição 204 – Governo anuncia que lockdown em Shanghai acabará em junho
Seria o fim? Diante das muitas queixas de que o cenário de cidade-fantasma em Shanghai parece não ter data para acabar, o governo chinês anunciou um calendário para, gradativamente, ir voltando à normalidade, a partir de 1.º de junho. A data coincide com o último grande feriado do primeiro semestre na China: o Festival do Barco Dragão, o que gera certa reticência sobre o que vai acontecer. Enquanto isso, na semana passada, surgiram novas regras de contenção em Shanghai, com direito a protestos de trabalhadores de uma fábrica da Apple diante das medidas restritivas. A obrigatoriedade de quarentena em acomodações do governo também se estendeu para moradores que tiverem vizinhos positivados nos andares acima ou abaixo de seus lares. Quem não cumprir ou resistir ao isolamento paga uma multa de 500 renminbi (pouco menos de R$ 500) e vai preso.
Pequim não decretou oficialmente lockdown, mas muitas coisas seguem fechadas por lá. A população vem sendo testada diariamente em algumas regiões e há quem não possa sair de casa há um tempo, gerando descontentamentos. Um protesto de estudantes da Universidade de Pequim contra as medidas restritivas ganhou o noticiário no fim de semana. O South China Morning Post publicou um relato da repórter Luna Sun sobre o confinamento e o desespero de não saber quando isso chegará ao fim. A editora do Technode China Qin Chen compartilhou no Twitter sua experiência de confinamento em Shanghai. Ela conta que as medidas afetam de forma diferente pessoas de regiões distintas. Por falar em efeito, o Nexo fez uma edição de seu podcast sobre o impacto econômico do que está acontecendo na China para além de suas fronteiras.
Que tem gente criticando a forma como a China conduz a pandemia, não é novidade. Mas na última semana, a fala do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, incomodou as autoridades chinesas. Em entrevista coletiva, o dirigente do organismo internacional chamou a política de tolerância zero ao vírus de “insustentável”. A fala desagradou o governo chinês, que disse que Tedros estava sendo irresponsável ao fazer tal comentário. Uma projeção feita pela Universidade de Fudan indica que, se o modelo de Covid zero for abandonado, o número de mortes na China pode ultrapassar 1,6 milhão. Como o FT conta, esse cenário se daria pela baixa vacinação no país e pela ausência de imunizantes considerados mais eficazes, como aqueles feitos a partir de RNA modificado. Para saber melhor sobre a saia justa em que o dirigente da OMS se meteu, vale ler este texto do China Media Project.
Tá difícil entrar, mas também sair. A política de Covid zero levou a China a um polêmico controle na emissão de passaportes. A matéria do chinês Sixth Tone conta que desde 2021 há limite para liberação do documento para viagens consideradas não essenciais ou não urgentes. O resultado foi uma queda drástica em emissões. Como ensino e trabalho no exterior são razões aceitáveis para a confecção do documento, tem gente investindo em falsificação para burlar a regra. No GitHub, apareceu até tópico (num jogo de palavras com 润 ou rùn, que soa como “fugir”, em inglês) para trocar dicas sobre sair do país a trabalho, já que a plataforma é um dos principais sites de fora da China em que discussões não são barradas pela Great Firewall.
Regulações mais rígidas teriam sido anunciadas na semana passada (12) e o tema apareceu na mídia fora do país, como conta o China Digital Times (CDT), que reuniu também relatos de pessoas que tiveram seus passaportes apreendidos com a promessa de serem devolvidos “após a pandemia”. O CDT também compilou e traduziu postagens publicadas no Weibo sobre a questão. As autoridades negaram que passaportes estavam sendo apreendidos na entrada ou saída do país. Para o estatal Global Times, notícias na mídia ocidental com tais afirmações são tentativas de desinformar e criticar a política de combate ao Covid-19 da China.
Errata: o texto na newsletter sugeria que o tópico do GitHub é para conseguir falsificações, mas é um tópico sobre sair do país e seguir carreira fora da China.
Evergrande, você voltou? Dessa vez, não. Mas o caso é bastante parecido. A também incorporadora imobiliária Sunac, chefiada pelo bilionário Sun Hongbin, deu um calote em uma dívida de mais de 700 milhões de dólares na última quarta-feira (11). A empresa também já deixou avisado à bolsa de valores de Hong Kong que provavelmente não poderá arcar com o restante de suas obrigações financeiras neste ano e em 2023. Os motivos apresentados pela Sunac foram praticamente os mesmos da Evergrande: as novas regulações do governo central, que dificultaram o acesso ao crédito de empresas do ramo. Aos credores, Sun pediu paciência e compreensão, especialmente devido aos impactos das medidas de combate à pandemia no mercado imobiliário.
Empresas chinesas de tecnologia estão saindo da Rússia na maciota por causa da invasão da Ucrânia. Segundo reportagem do The Wall Street Journal, grandes companhias como Lenovo e Xiaomi estão interrompendo entregas para o mercado russo para não sofrerem as penalidades das sanções impostas pelos EUA contra Moscou. A limitação dos negócios com a Rússia, no entanto, não é acompanhada por declarações que condenem a guerra, uma vez que Pequim se opõe abertamente às sanções estadunidenses. As exportações chinesas de produtos de tecnologia para a Rússia caíram significativamente desde o início do conflito. Fornecedores estadunidenses estariam pressionando compradores chineses a obedecerem às sanções. Vale notar que até agora Pequim ainda não usou a Lei Antissanções para advertir as empresas chinesas que estão seguindo as regras impostas pelos EUA.
Entretanto, outros laços comerciais entre China e Rússia se intensificaram nos últimos meses. Uma matéria da Reuters conta como os bancos russos estão contratando empresas chinesas capazes de fornecer chips para cartões bancários, os quais estão em falta na Rússia desde a imposição de sanções por EUA e União Europeia. Já o SCMP relata que as exportações russas de gás natural para a China aumentaram 60% nos primeiros quatro meses de 2022.
No meio do imbróglio diplomático enfrentado pela China desde a invasão russa da Ucrânia, a classe política do país asiático parece estar sofrendo consequências também. Segundo análise de Logan Wright para o The Wire China, tecnocratas e políticos estariam em rota de colisão sobre o que fazer com relação à guerra na Europa.
Mais um episódio de animosidade entre a Wikimedia Foundation e o governo chinês. Desta vez, a China rejeitou que cinco escritórios da organização participem como observadores das reuniões do Comitê Permanente de Direitos Autorais e Direitos Conexos da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, integrante do sistema das Nações Unidas. A justificativa para a rejeição seria a “cumplicidade” dos escritórios de França, Alemanha, Itália, México, Suécia e Suíça em “divulgação de desinformação”. Este é o terceiro ano seguido em que os chineses bloqueiam a participação da fundação no comitê responsável por discutir políticas globais de direitos autorais, patentes e marcas registradas. Em setembro do ano passado, a Wikimedia baniu da Wikipédia sete superusuários chineses que teriam ameaçado usuários de Hong Kong.
Um episódio envolvendo a OTAN pouco lembrado fora da China foi destaque na mídia do país na última semana. Durante uma conferência de imprensa do Ministério das Relações Exteriores, o porta-voz chinês Zhao Lijian criticou a organização ocidental, afirmando com palavras fortes (“atrocidades”) que a China não esquecerá o bombardeio de sua embaixada em Belgrado e nem permitirá que se repita. Ele se referia ao ataque ocorrido em meio à intervenção militar da OTAN na Iugoslávia em 7 de maio de 1999, quando aviões dos EUA bombardearam a embaixada chinesa na capital do país. A ação causou a morte de três jornalistas chineses e feriu mais de 20 membros do corpo diplomático. Além disso, tensionou as relações entre China e EUA, levou a protestos contra os estadunidenses (O Resgate do Soldado Ryan parou de ser exibido nos cinemas chineses), a um pedido de desculpas do presidente Bill Clinton e a compensação para as famílias das vítimas. Até hoje, não há consenso sobre o ataque ter sido proposital ou não, com afirmações de que a embaixada seria alvo por estar passando informações para o governo iugoslavo. Segundo investigação da OTAN/EUA, o alvo real era um prédio a 350m da embaixada. A Rússia e a China se opunham à intervenção da OTAN, realizada sem autorização da ONU.
Fora dos rankings. No final de abril, Xi Jinping visitou a Universidade do Povo (ou Renmin), em Pequim, uma das mais importantes instituições do país na área de Humanidades e Ciência Política. Lá, ele discursou em um simpósio, no qual falou sobre a construção de universidades de nível mundial, mas sem seguir modelos estrangeiros de forma acrítica. Na semana passada, junto com a Universidade de Nanjing e a Universidade de Lanzhou, a Renmin decidiu se retirar dos rankings internacionais, como conta a Caixin. O tema gerou discussões acaloradas, falando de nacionalismo, mas também gerando preocupação em estudantes com perspectivas de se inserir numa carreira fora da China. Questionar os rankings de universidades e seus critérios é algo que vem se tornando mais comum, visto que eles impactam diretamente a alocação de recursos e investimentos para as instituições. As três universidades em questão são parte do famoso Projeto 985, criado em 1998 por Jiang Zemin, que buscava direcionar recursos e apoio para a China desenvolver universidades reconhecidas mundialmente.
Um PCCh pra gen Z? Depois do Partido Comunista ter completado 100 anos em julho de 2021, agora é a vez da Liga da Juventude da agremiação comemorar o seu centenário. O Sixth Tone fez um texto debatendo as mudanças da juventude chinesa neste período e, por meio de mini entrevistas com jovens, discutiu a necessidade da mensagem do partido se renovar também, acompanhando as movimentações do tempo. Por falar nisso, o China Neican fez uma edição explicando o que é o Congresso Nacional do PCCh. Eles trazem também um vídeo sobre o centenário da Liga. Por fim, o China Media Project traz uma análise dos pontos do discurso de Xi Jinping em torno do centenário.
Resgatar animais de rua faz bem. Isso é o que diz o monge budista Zhixiang, responsável pelo Templo Bao’en no distrito de Fengxian, em Shanghai. Em 1994, ele começou a resgatar gatos de rua e, em 2017, começou a resgatar e cuidar de cães abandonados, em vias de serem sacrificados no canil da região. Todo ano mais de 5 mil cães passam pelo templo e hoje ele é responsável por 9 mil gatos e cachorros que, após cuidados, são adotados por famílias no mundo todo. Zhixiang contou que já recebeu muitas críticas por sua atuação, mas afirma que salvar vidas é a melhor maneira de praticar o budismo. Não deixe de assistir à videorreportagem da Sixth Tone.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Turismo: vale ler este relato de viagem de um dos cruzeiros para lugar nenhum estabelecidos em Hong Kong para ajudar o turismo marítimo durante a Covid-19. Esquisitíssimo.
Por uma lente: é do ano passado, mas está imperdível esta edição da newsletter Chaoyang Trap sobre urbanismo e a arquitetura (ou espaços) wanghong (algo como “instagramável”).
Identidade: o SupChina fez uma entrevista com a fotógrafa Teresa Eng sobre seu trabalho recente, China Dream, em que a artista discute as cidades chinesas e a identidade do país por meio de imagens.
Taipei ink: curte desenhar no corpo? O Neocha traz um texto sobre a visão artística do mundo das tatuagens em Taiwan. Confira!
Balada do metaverso: o Radii China publicou um interessante (e surpreendente) texto que mistura doguinhos dançantes, memes, metaverso e balada na China. Melhor clicar para entender essa viagem psicodélica.
Clube do Livro: na segunda-feira dia 23 de maio, teremos mais um encontro do clube de literatura chinesa. O livro será Flores Matinais Colhidas ao Entardecer, do famoso escritor Lu Xun. Ainda dá tempo de se inscrever. Aliás, saiu um livro novo de contos do autor em português.