Edição 235 – A imprevisibilidade da Covid-19 na China em 2023
Cada um por si? O ano está chegando ao fim e terminamos falando mais uma vez das consequências do fim da política de Covid zero na China. Novas mortes foram registradas, mantendo o sinal de alerta. O What’s on Weibo publicou um mapa estimando quando os casos devem se concentrar em cada região do território chinês. Mas vai ser difícil saber se as previsões foram certeiras: a forma como as autoridades estão registrando os óbitos pela doença mudou, o que deve diminuir os números oficiais, como mostra a NPR. Em um relato para o The New York Times, a jornalista holandesa Eva Rameloo conta como a mudança de política para a doença no país passou de controle total para “cada um por si”. E cada um faz o que pode: cinemas na China estão oferecendo sessões separadas para pessoas com testes positivos e negativos, bancos de sangue diminuíram o período de veto pós-infecção para potenciais doadores, funcionários de crematórios estão preocupados com o que está por vir e os trabalhadores contaminados na fábrica da Foxconn… trabalham.
Enquanto isso, Pequim estuda a abertura das fronteiras com Hong Kong, que permaneceu isolada do continente ao longo dos últimos dois anos. A intenção, claro, é tentar reavivar as economias das duas regiões. Se isso acontecer, o número de casos pode e deve aumentar – e Hong Kong pode não estar preparada. Depois de dois anos de êxodo de profissionais, inclusive da área da saúde, Hong Kong abriu uma chamada para que médicos estrangeiros se cadastrem numa espécie de “revalidação” de diploma para trabalhar na ilha, e foi uma decepção: apenas 65 profissionais se inscreveram.
IA regulada. No final de novembro, o governo chinês publicou uma regulamentação sobre a oferta e consumo de serviços de “síntese profunda” – inteligência artificial (IA) para geração de conteúdos textuais, imagéticos ou sonoros. Em efeito a partir de 10 de janeiro, o novo documento detalha diretrizes que já haviam sido esboçadas na lei de algoritmos que entrou em vigor em março deste ano e preocupações já indicadas pelo governo: não é permitido criar conteúdos socialmente prejudiciais, politicamente sensíveis, que ameacem a segurança nacional ou fake news. A lei também especifica que a criação de deep fakes precisa contar com o consentimento da pessoa que está sendo imitada e que, se o resultado for muito convincente, deve haver um aviso de que o conteúdo não é criado por humanos. A lei chinesa acompanha algumas questões que surgem com o avanço da IA: o recente sucesso do app Lensa, por exemplo, levantou a questão da sexualização sem consentimento de mulheres, especialmente asiáticas; já o ChatGPT motivou diversos debates, que a newsletter China Talk resumiu neste texto.
Quem está vivo sempre aparece. Uma nova diretriz governamental está colocando pressão para que empresas estatais abandonem o uso de equipamentos e serviços de TI que sejam estrangeiros, conta a Caixin. No início do ano, o governo chinês já tinha dado diretrizes similares para órgãos públicos e empresas estatais, pedindo a substituição das máquinas estrangeiras por computadores produzidos nacionalmente. A ideia da nova diretriz vem de um plano anunciado na semana passada (14) para movimentar a economia ao aumentar a demanda doméstica, também enfrentando o protecionismo em algumas áreas, como na dinâmica com os EUA. O China Project comentou sobre esse empurrão para a TI chinesa e a importância das bases de dados nessa política nova. O texto enfatiza que a lógica lembra muito o Made in China 2025, projeto de 10 anos para aumentar seu poder e influência em setores estratégicos da tecnologia – e que anda meio sumido, ao menos em nome, há um tempo).
Foco no verde. Há muita expectativa de como será o governo Luiz Inácio Lula da Silva para as relações exteriores, sobretudo, como ficará a relação com a China, maior parceiro comercial brasileiro, após a conturbada gestão de Jair Bolsonaro. A chegada de Lula ao poder quase coincide com o desembarque do novo embaixador do país asiático em Brasília, Zhu Qingqiao. Em entrevista recém publicada pelo jornal O Globo, Zhu fala que o foco da relação bilateral será a economia verde. Mas o comércio não se limitará a isso, é claro. O novo embaixador fala da importância do agronegócio e acrescenta que Pequim pretende fortalecer empreendimentos ligados à área de Ciência e Tecnologia. Na conversa, Zhu evitou comentar se uma ida ao Brasil está no horizonte de Xi Jinping, que assumirá em breve o terceiro mandato à frente da China – o que se sabe é que até março Lula deve visitá-lo. Falando ainda em desenvolvimento sustentável, vale ler o artigo produzido por Karin Vazquez para o Cebri, com uma proposta de agenda para os parceiros.
Afinal, como está a relação China-EUA sob Biden? Tirando as declarações abertamente xenófobas do ex-mandatário estadunidense Donald Trump, nada parece ter mudado muito na relação entre os Estados Unidos e a China desde que Joe Biden está à frente da Casa Branca. Neste contexto, o China Briefing fez uma interessante timeline sobre a relação bilateral. O gigante asiático é um assunto que preocupa tanto os norte-americanos que a gestão de Biden acabou de lançar a China House, um centro de estudos e observações a tudo ligado ao país asiático, hoje o maior desafio econômico e geopolítico para os estadunidenses.
Tensões sino-britânicas. A embaixada chinesa no Reino Unido decidiu rotacionar seis autoridades do consulado de Manchester envolvidos em um caso de violência contra manifestantes honconguenses em outubro. Assim, resolveu-se o empecilho que a imunidade consular representava para a investigação do episódio. Em outro impasse envolvendo os dois países, o julgamento de Jimmy Lai foi adiado para o ano que vem depois que o comitê permanente do PCCh não se manifestou sobre o pedido para avaliar se um advogado britânico poderia defender Lai em um caso de segurança nacional. Agora, o julgamento deve acontecer entre 23 de setembro e 21 de novembro. Jimmy Lai segue preso, condenado por usar a sede do jornal Apple Daily para operar uma empresa de consultoria e por organizar um protesto em memória aos acontecimentos da Praça da Paz Celestial – condenação que pode ser revertida, como ocorreu com a advogada Chow Hang-tung na semana passada. Nesta quarta-feira (21), a Corte de Apelação local decidiu que o Departamento de Justiça de Hong Kong deve arcar com os custos jurídicos das tentativas infrutíferas de barrar o advogado de Lai, um total de HK$855 mil ou pouco mais de 100 mil dólares estadunidenses.
Caçadores de li(u)xo. No imaginário do brasileiro criado vendo filmes de Hollywood, não é uma imagem distante ver pessoas recolhendo mobília abandonada nas ruas dos Estados Unidos. E o que isso tem a ver com a China? Este texto do The China Project conta como o stooping — termo em inglês para designar essa prática — vem crescendo entre jovens chineses, especialmente em cidades como Pequim e Shanghai. A reportagem traz um personagem, Luo Yufei, que tem passado tempo recolhendo material das ruas chinesas enquanto dá um tempo no trabalho, se recuperando de um burnout. O Asian Times relata que o desemprego de jovens é uma situação que vem causando preocupações na China, inclusive por aumentar a insatisfação política.
Crowdsourcing contra o excesso de educação. Na semana passada, o Ministério da Educação chinês lançou, junto com outros 12 departamentos governamentais, novas diretrizes a fim de extinguir aulas particulares ilegais até junho de 2024. Segundo o ministério, existem atualmente pelo menos 3 mil escolas ilícitas oferecendo reforço estudantil após o banimento desse tipo de atividade em julho de 2021. As novas orientações buscam promover um “gerenciamento comunitário” para coibir a prática em locais como cafés, prédios residenciais e comerciais. Um dos principais objetivos do fim das aulas extracurriculares, pelo menos oficialmente, é diminuir os custos de criar filhos no ambiente escolar super competitivo chinês – para isso, o governo lançou sua própria plataforma de educação suplementar em março, que em seis meses atingiu 600 milhões de usuários. Nesse meio tempo, na iniciativa privada, professores viraram streamers, escolas viraram e-commerce de vegetais e vários postos de trabalho para jovens recém-formados deixaram de existir.
Linguagem e método dos protestos recentes na China. A questão da censura de termos nas redes sociais é algo que os chineses já aprenderam a navegar. As manifestações recentes contra a política de Covid zero ganharam não apenas a mídia internacional, mas também a diáspora chinesa: este texto de Cheng Yangyang reflete sobre tentar entender a sua própria nação de longe. Nesse ínterim, as redes sociais que não estão liberadas na China, como Twitter e Instagram, também foram lugares importantes para os protestos: o professor Li ficou famoso no Twitter e, na rede social do lado, bombaram as páginas de memes voltadas para quem vive ou acompanha a China – esta matéria de Caiwei Chen conta mais. Para fechar, vale esse fio da Cátedra de Estudos de China da Universidade de Tübingen sobre como Pequim lida com protestos.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
O blockbuster do ano: é um pouco fora do comum. Home coming é livremente inspirado na evacuação de 30 mil chineses da Líbia durante a crise de 2011. Este texto do The China Project explica a política do filme.
Ciência e poder: na década de 1950, o engenheiro chinês Qian Xuesen trabalhava com pesquisa em Defesa nos EUA. A paranóia anticomunista do governo levou Qian a ser detido e eventualmente voltar para a China – onde revolucionou a área cibernética e também a política de natalidade. Imperdível história por Dylan King na Palladium.
Advinha: neste episódio do podcast This American Life, a imigrante Fan Jiayang, nascida em Chongqing, diz que pode adivinhar a idade com que um chinês migrou para os EUA a depender de seu sotaque. A habilidade dela virou um game show.
Literatura: Xi Xi, a mais famosa escritora de Hong Kong, morreu no domingo (18), aos 85 anos. A revista Chinese Literature Today disponibilizou de graça (até o fim do ano) sua edição especial sobre a autora.
Acadêmico: saiu a Cultural China 2021, publicação do centro de cultura contemporânea da China da Universidade de Westminster. Os textos analisam de culinária, cinema, TV e política a puericultura e saúde.
Three-body problem: em dois dias, a mais recente animação baseada na trilogia de Cixin Liu atingiu 130 milhões de exibições. Os 15 episódios estão sendo lançados aos poucos, por enquanto apenas em mandarim.
Lançamento: saiu a 1ª edição do Guia Observa China, com foco no 20º Congresso do Partido Comunista, apresentando discussões resultantes e membros do Politburo.