Fotografia em cores da Praça da Paz Celestial em Pequim, em dia de sol e céu azul.

Edição 242 – Pequim se prepara para as Duas Sessões

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

São as Duas Sessões chegando.Em 4 de março, tem início o encontro duplo do sistema legislativo chinês: do Congresso Nacional do Povo e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh). No ano passado, o foco foi segurança alimentar e desenvolvimento rural. Uma novidade esperada para este ano é a indicaçãodo novo primeiro-ministro, que encabeça o Congresso Nacional do Povo. O atual é Li Keqiang, que ficou de fora do Comitê do Politburo no final do ano passado. Ao que tudo indica, será substituído por Li Qiang, que foi secretário do Partido em Shanghai entre 2017 e 2022 e trabalhou sob Xi Jinping na província de Zhejiang no início da década de 2000. O encontro dará o tom para os próximos anos. A reunião também realizará a confirmação de quem será o presidente da China após o Congresso do Partido do ano passado, no caso, o terceiro mandato de Xi Jinping.

Entre os dias 26 e 28 de fevereiro, também teve outra reunião importante: a segunda plenária do Comitê Central do Politburo. Um dos resultados é um documento de proposta de reestruturação e modernização de diversos órgãos e da estrutura de governança, que será validado pelo Congresso Nacional do Povo.

O ano começou mesmo. Na semana passada, o governo chinês divulgou o Documento nº 1, que lista as prioridades para 2023. No destaque está a proposta da “revitalização rural” do país. Segundo a agência estatal Xinhua, serão promovidas nove tarefas para a obtenção deste objetivo. A ênfase está no esforço para estabilizar a produção, assegurar o fornecimento de grãos e de produtos agrícolas importantes, além de promover um reforço na construção da infraestrutura agrícola e de reforçar o suporte para a ciência, tecnologia e equipamentos na área. Além disso, é listada como prioritária a consolidação e expansão das conquistas de redução da pobreza. Para uma leitura mais detalhada ponto-a-ponto do documento, recomendamos esta análise feita pelo Tracking People’s Daily. 

Dar a volta ao mundo, ver o mundo girar. É o desejo de muitos chineses após quase três anos de isolamento provocado pela  Covid-19. As companhias aéreas da China continental já preveem forte recuperação para 2023 e, em Hong Kong, o tráfego de passageiros em janeiro foi 28 vezes maior do que no mesmo mês em 2022 — embora isso signifique modestos 2 milhões de pessoas, ou apenas 7% do volume de  2019. A expectativa é de crescimento contínuo, especialmente depois do anúncio de que a partir de 1º de março deixa de ser obrigatório o uso de máscaras de proteção em Hong Kong. Além de satisfazer a demanda popular — foram mil dias de máscara no rosto mesmo em espaços abertos e durante eventos esportivos —, a notícia alegrou o mercado do turismo por toda a Ásia: desde a reabertura de fronteiras no começo de janeiro, muitos países, como Tailândia e Camboja, já contavam com a chegada dos visitantes chineses para animar a economia e estão colhendo os frutos. Entre os países que preferiram dificultar a chegada desses turistas, a recuperação é mais lenta — tanto que, em meados de fevereiro, a União Europeia anunciou que deve deixar de exigir testes obrigatórios, uma barreira de entrada para chineses. Outro fator limitante é mais difícil de remediar: a dificuldade para pedir visto. Em Shanghai, o agendamento para obter visto para os Estados Unidos só é possível a partir de julho.

No aniversário de um ano da invasão da Ucrânia, a China manteve seu discurso de neutralidade, mas deu um passo além na proposta de mediação, algo que o Brasil também está motivado a fazer. Pequim lançou um documento de 12 pontos como plano de paz, que inclui um cessar-fogo e negociações pacíficas, com oposição a sanções e fim de ataques a civis. Não faltaram críticas — apontando que a China se absteve da votação recente na Assembleia Geral da ONU sobre o tema e que não há pressão em cima da Rússia para se envolver no plano. Moscou não se animou muito com a proposta, enquanto Zelensky basicamente agradeceu a preocupação, mas pediu ações concretas. Chamou atenção que o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, aliado de Putin, está em viagem à China nesta semana e uma declaração conjunta reforçou o pedido de cessar-fogo. Aproveitamos o gancho para recomendar essa publicação sobre a influência chinesa na ONU, de Courtney J Fung e Shing-hon Lam.

Mas será que o plano de paz é sincero? Nas últimas semanas, surgiram diversos relatos de que a China estaria apoiando a Rússia na invasão da Ucrânia mediante o fornecimento de equipamentos não letais e de tecnologias de uso dual (civil e militar). O The Wall Street Journal analisou dados aduaneiros russos e concluiu que a Rússia estaria equipando suas forças armadas com ajuda desse tipo de tecnologia. Como o próprio jornal ressalta, essa não seria uma atitude exclusivamente chinesa, pois aliados dos próprios EUA, como Turquia e Emirados Árabes, também mantiveram relações comerciais desse teor com a Rússia após o início da guerra. Contudo, o governo estadunidense suspeita que a China já esteja considerando a venda de material bélico para os russos a fim de evitar uma derrota para as forças ucranianas. Seja civil ou militar, o comércio bilateral sino-russo está de vento em popa, com marcas chinesas ocupando o espaço deixado por empresas europeias e estadunidenses, como mostra a Rest of World.

A volta dos que não foram. A teoria de que o vírus da Covid-19 teria se originado de uma falha no laboratório de Wuhan voltou à baila no noticiário estadunidense — e a China não gostou nada disso. No domingo (6), o The Wall Street Journal relatou ter tido acesso a um relatório classificado do Departamento de Energia dos EUA que concluiu ser essa a origem do coronavírus. Contudo, o próprio relatório diz ter baixo grau de confiança em suas conclusões, opostas às avaliações de outras agências do próprio governo estadunidense — o que virou motivo de piada de Stephen Colbert. Porém, quem não achou nada engraçado foi o governo chinês, que reclamou da politização da investigação por parte dos EUA. A virologista Angela Rasmussen, afiliada ao Center for Global Health Science & Security da Georgetown University, explicou neste fio como todas as evidências, na verdade, apontam para a transmissão zoonótica e não para um escape laboratorial. No Brasil, o divulgador científico Atila Iamarino também pontuou a falta de evidências para esta tese.

Está suspensa a exportação de carne bovina brasileira para a China após a confirmação de um caso de vaca louca no Pará. Como publicou a Folha, a decisão partiu do próprio governo brasileiro, fazendo valer os termos de um acordo assinado com o país asiático em 2015. Por meio deste protocolo, há um autoembargo após a detecção da doença. Em nota, o Ministério da Agricultura diz que tudo indica que o caso indica algo atípico, não havendo risco para a população brasileira. Em meio a isso, o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, se reuniu na terça (28) com o embaixador chinês, Zhu Qingqiao. No encontro, Alckmin disse que nos próximos dias os resultados dos testes de laboratório — feitos no Canadá — devem confirmar que se trata de um caso atípico, com isso, a expectativa é de que as exportações possam ser imediatamente retomadas. 

Fez sucesso na internet brasileira na última semana um vídeo da influenciadora Naomi Wu mostrando dezenas de jovens chinesas sentadas em calçadas com suas ring lights, fazendo streaming de conteúdo. A explicação para o fenômeno é simples: a expectativa é de que os aplicativos priorizem para seus usuários os conteúdos criados localmente — assim, quem estiver transmitindo de um bairro mais rico teria maiores chances de se comunicar com um público endinheirado, revendo melhores gorjetas. Mas tem também quem acredite que essa estratégia atrai doações por pena, como mostra esta reportagem da Hong Kong Free Press. A indústria do livestream movimenta 30 bilhões de dólares na China, o que tem levado o governo a regular o setor, buscando diminuir o tempo de exposição de jovens aos vídeos, a influência de pessoas desqualificadas, o excesso de gorjetas oferecidas a influenciadores e a evasão fiscal. Mas novos nichos continuam a surgir, inclusive companhia para sessões de estudo. 

Os robôs ‘falantes’ vieram para ficar? Antes do Carnaval, comentamos que a febre do ChatGPT e similares chegou na China também, inclusive com o lançamento em breve de versões locais. O Pekingnology traz uma edição sobre como está este debate por lá, com as preocupações sobre impacto no mercado e até nas guerras . Já Irene Zhang no China Talk traz um outro ponto de vista, incluindo quais as limitações de robôs desse tipo em língua chinesa. A discussão aqui se dá, sobretudo, sobre se a censura e forte controle da internet no gigante asiático não trará limitações para o funcionamento de uma ferramenta que depende de informações publicadas na web. No embalo da discussão sobre regulação de Inteligência Artificial, o Carnegie Endowment traz um apanhado de aprendizados a partir das iniciativas da China e da União Europeia sobre o tema. 

Segundo apoiadores e a organização Repórteres Sem Fronteiras, a saúde da feminista e jornalista chinesa Sophia Huang Xueqin está em grave deterioração. Huang está detida pelo governo chinês e aguardando julgamento há 500 dias, acusada de subversão. Tema de um documentário da BBC em 2022, a jornalista e o ativista da área do trabalho Wang Jianbing foram considerados desaparecidos em setembro de 2021, quando seus apoiadores denunciaram a possibilidade de prisão, posteriormente confirmada pela polícia chinesa. Essa estratégia de captura silenciosa de suspeitos causa especulações: em meados de fevereiro, o banco China Renaissance Holdings disse ter perdido contato com seu fundador, o investidor Bao Fan, iniciando boatos de que ele tinha sido mais um alvo da luta anticorrupção de Xi — mas uma semana depois a empresa declarou ter sido informada de que o empresário estaria cooperando em uma investigação do governo chinês.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Bom dia, trabalhador: tem o deadline do budget para entregar pro line manager? Não seja padrão e fique por dentro das frases que bombam no ambiente de trabalho chinês.

Nozes ao alto: não é apenas de cães e cavalos que vive a força policial. Chongqing decidiu inovar e incluir esquilos treinados para farejar drogas, com a vantagem de serem menores e conseguirem alcançar lugares estreitos e altos.

Livros: tem muita literatura chinesa que não chega na tradução para o português (e nem para o inglês), mas vale conferir esse compilado do China Talk com os livros com melhor avaliação no site Douban.

Beijo virtual: era o que faltava no mundo em que quase tudo pode ser feito online, um beijo remoto. Esse novo dispositivo — que configura em lábios de silicone acoplados num aparelho celular — seria uma “promessa” de monogamia para relacionamentos a distância. Vale ver as imagens, que causaram certa estranheza.

De volta às raízes: uma tendência atual entre marcas de luxo chinesas é investir em técnicas artesanais tradicionais do país. Isso está ajudando a resgatar algumas práticas quase esquecidas na fabricação de jóias e móveis, entre outros artigos, e impulsionando a estética chinesa nesse mercado.

 



Há 20 anos, Hong Kong iniciava sua luta contra a SARS, precursora da Covid-19 que deixaria marcas na cidade pelas próximas décadas.

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