Edição 267 – Cúpula dos Brics tem início em meio a debate sobre expansão
A crise imobiliária está se alastrando para o restante da economia chinesa? Com diversas incorporadoras incapazes de pagar suas dívidas e de tomar novos empréstimos, há um temor de que a crise do setor esteja prestes a se converter em financeira. O The New York Times publicou uma reportagem mostrando como a leniência governamental em relação ao endividamento das empresas do setor imobiliário no início dos anos 2000 e a brusca mudança de postura 20 anos depois contribuíram para a crise. Apesar do pano de fundo pessimista, David Goldman argumenta no Asia Times que não há uma crise financeira se montando. Segundo ele, o que há é uma disputa entre governos locais e Pequim sobre quem vai arcar com a conta do esfriamento do setor, mas ele não considera que isso provoque um aumento no escopo da crise. De maneira semelhante, Hong Hao, economista-chefe do Growth Investment Group, também nota um excesso de pessimismo de investidores e comentaristas, dado que diversos indicadores setoriais se mantêm positivos. Ficamos no aguardo dos próximos capítulos…
A meta chinesa de zerar as emissões de carbono até 2060 depende fortemente de uma profunda mudança em sua matriz energética, hoje muito dependente do carvão. O China Dialogue esmiúça os principais eventos recentes do setor e por que é importante manter o carvão algo pouco lucrativo na China, e como fazer isso levando em conta fatores externos ao gigante asiático (a exemplo do conflito russo-ucraniano) assim como domésticos.
Abuso de poder. Quem acompanha a política chinesa já viu mais de uma vez casos de uso da legislação criminal que condena aqueles que “provocam brigas e causam problemas”. Não é tão incomum essa acusação genérica ser utilizada contra inimigos políticos de figuras da elite ou a críticos mais vocais do governo. Esse abuso da legislação e sua aplicação excessiva acontece (muitas vezes limitando o acesso a reclamações) também chamou atenção da Suprema Corte da China, como conta a Caixin. Segundo um relatório apresentado essa semana, o uso impactou de forma desproporcional migrantes, jovens e desempregados – com destaque nas zonas rurais. A reclamação também veio de um dos consultores da corte, o advogado Zhu Zhengfu, no ano passado. Apesar da popularidade do termo no uso contra dissidentes, também tem pesado no âmbito do tamanho do trabalho de julgar todos esses casos criminalmente, como diz Jeremy Daum.
É hora de aumentar os Brics? Assunto quase semanal aqui, a eventual expansão do bloco volta ao centro do debate já que a reunião de cúpula está em curso na África do Sul. Essa pauta foi confirmada pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira, logo antes do encontro. Nesta matéria do South China Morning Post, especialistas pesam as opções existentes, principalmente a questão da entrada da Argentina no bloco. Outros grandes interessados são a Arábia Saudita, Indonésia, Irã e Egito. E a discussão também apareceu no podcast Café da Manhã da Folha. A reunião tem recebido holofotes do noticiário internacional e, como diz o The New York Times, algo que não acontecia há anos – além da repercussão na China. Em reportagem sobre o encontro das economias emergentes, a Reuters destacou a divisão (ou as divergências) dentro do bloco.
Em sua segunda viagem internacional em 2023, Xi Jinping chegou a Joanesburgo na segunda (21), e foi recebido pelo presidente sul-africano Cyril Ramaphosa. Outro tópico do encontro foi a ausência de Xi de um evento com empresários, considerado chave como parte do encontro. Apesar de não ir, Xi mandou um discurso, que foi lido pelo ministro do comércio Wang Wentao. Mas ele falou durante a abertura da plenária do evento, comentando inclusive sobre os desafios em torno da inteligência artificial no mundo. A falta de Putin também foi notada.
O Tracking People’s Daily traz as consequências do encontro bilateral entre os líderes da China e da África do Sul, já que a viagem também inclui uma visita de estado nesse âmbito além do encontro do bloco. O planejamento de agenda também prevê um encontro com chefes de Estado africanos.
Mais veículos elétricos chineses na América Latina e no mundo. Apesar do saldo do mês de julho ter sido negativo, quando as exportações globais tiveram uma queda de 14,5% em relação ao ano anterior, segundo a alfândega chinesa. Tudo indica que o mercado de veículos elétricos ficou fora dos afetados, superando as exportações de ônibus como a maior categoria nas exportações de automóveis chineses. Comentamos nas edições anteriores como a China vinha investindo em peso na indústria automobilística brasileira e, além de terem sido bastante bem recebidos na Europa devido à alta demanda, essa categoria de veículos também ganhou força em países como o Equador, onde conquistou a liderança de vendas no país, aumentando seu mercado de 10%, em 2018, para mais de 30% em 2023.
O futuro da cooperação científica entre China e EUA está em risco. Não é novidade o aumento das tensões tendo impacto no campo científico (tanto na pesquisa quanto no ensino). Agora, um dos mais antigos acordos bilaterais entre os dois — firmado há 44 anos — está na corda bamba, como explica este texto do Axios: o U.S.-China Science and Technology Agreement (STA), assinado inicialmente em 1979. Ele está em fase de renovação, mas está ameaçado por uma série de questões geopolíticas, pânico de espionagem e xenofobia. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, recebeu uma carta da comissão da Câmara do país — principalmente por pressão do Partido Republicano — recomendando a não renovação do acordo. Mas como explica este artigo (e o fio) de Karen Hao para o The Wall Street Journal, a situação é mais complexa para os estadunidenses, que possuem uma dependência de pesquisa chinesa em diversas áreas importantes — ao contrário do que muita gente acha. De fato, os papers científicos sino-estadunidenses sempre impactam a literatura e o fim dessa colaboração é ruim para todo mundo.
Mesmo assim, continuam as visitas oficiais de autoridades dos EUA à China. Essa semana é a vez da secretária de comércio Gina Raimondo, que chega a Pequim no domingo (27) e fica por quatro dias, onde manterá encontros com autoridades e empresários e para discutir restrições recentes de investimentos.
Mulheres solteiras comprando casa própria? Esse é o tema de uma matéria do The New York Times, que conversou com Guo Miaomiao, de 32 anos, para entender o que a levou a adquirir um apartamento em Guangzhou. Guo conta que desde pequena sentia muita insegurança em relação a ter onde morar. Isso porque, na China, tradicionalmente as mulheres vão morar com a família (ou na propriedade) do marido e em famílias que possuem mais de um filho, as casas são transferidas para os filhos homens. Por isso, assim que se formou, passou a juntar dinheiro para comprar uma casa própria. A decisão faz ainda mais sentido levando-se em consideração o novo entendimento dos tribunais chineses acerca da posse de imóveis após separações. Desde 2011, as cortes chinesas consideram que a casa da família pertence a quem deu a entrada ou fez o pagamento na íntegra — até então era considerada posse compartilhada —, o que na prática deixou inúmeras mulheres divorciadas sem teto. Ajustes na legislação recente cobram a listagem de propriedade conjugal exatamente para evitar que as esposas sejam passadas para trás.
Como Guo, muitas mulheres chinesas estão em busca de imóveis como modo de garantir sua independência: de 2010 a 2020, o percentual de mulheres não casadas donas de imóveis subiu de 6,9% para 10,3%, segundo pesquisa do governo. Além de uma significativa mudança de atitude entre jovens, que aceitam com naturalidade a ideia de mulheres solteiras adquirirem uma casa própria, o salário médio entre mulheres tem subido consideravelmente nas últimas décadas, dando força à tendência. A atual crise do mercado imobiliário e a consequente queda dos valores dos imóveis também está dando uma ajudinha nos últimos meses, que também viram o mercado se voltar para esse público especificamente.
Digitando… o tema de como adaptar a escrita do mandarim para os teclados alfabéticos fascina alguns integrantes da nossa equipe. Esta matéria de Zeyi Yang conta como a dependência de instalar um aplicativo de terceiros para digitar pode ser um risco de segurança para usuários chineses. Diversos apps oferecem texto preditivo dos usos dos mais de milhares de caracteres do idioma. Um estudo do think tank CitizenLab, da Universidade de Toronto, demonstrou falhas na criptografia em um dos mais populares, o Sogou, permitindo que invasores possam ver dados sensíveis que estejam sendo digitados. O relatório foi compartilhado com os desenvolvedores do aplicativo, que lançaram uma versão atualizada na quarta-feira (23).
Relato: o pesquisador Jacob Mardell está fazendo um tour por países que fazem parte da Iniciativa Cinturão e Rota e recentemente publicou um breve relato sobre o que viu na Sérvia, analisando as relações do país com a China.
Arte: a Sixth Tone conta da exibição THE PALETTE, que reúne jovens chineses com vivência em ambientes internacionais e que cresceram num ambiente multicultural.
Mini Mundo: esta bela matéria do The New York Times mostra as miniaturas detalhistas feitas por artistas chineses. As obras são um resgate nostálgico de vilarejos e casas que foram demolidas com o avanço urbano e industrial do país.
Videorreportagem: a Xinhua fez uma curiosa matéria sobre o cultivo de pimenta na China e como a introdução de novas tecnologias, como o 5G, está gerando renda em comunidades rurais.
A cara dos Brics: a gente muda muito em 14 anos, então vale conferir esse fio com fotos dos encontros da cúpula do bloco ao longo do tempo.
Causada pelas chuvas, a crise na produção de trigo em Henan, responsável por ¼ da colheita do país, é o tema deste vídeo.