Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Edição 268 – Brics versão expandida

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Logo após deixar o encontro dos Brics,  Xi Jinping pegou todo mundo de surpresa com uma rara visita a Urumqi, capital de Xinjiang, no último sábado (26). O governo chinês é acusado por pesquisadores e alguns países e ONGs de violência étnica-religiosa contra a população uigur, que vive na região. O que não causou espanto foi o tom do seu discurso sobre a necessidade de reforçar a prioridade de “estabilidade social” na região, combatendo o “terrorismo e o extremismo religioso”. De forma bastante direta, Xi falou sobre a “importância única” da região para a construção da nação chinesa, destacando os esforço do governo em sinicizar o islamismo e promover a unificação da identidade nacional. Estratégia repetida por Pequim em locais onde há divergências políticas e étnicas, como vemos no Tibete. O líder chinês também destacou a necessidade de desenvolver economicamente Xinjiang, especialmente por meio da ciência e tecnologia e ampliação do turismo. 

O sacrifício de uns pela salvação de outros? No começo do mês, fortes chuvas atingiram o norte da China, impactando a vida de milhões de pessoas na região que inclui Pequim, Hebei e Tianjin. Apesar de o fenômeno ter atingido toda a região, algumas zonas foram mais impactadas do que outras graças a uma ação governamental, responsável por desviar volumes de águas de um local para outro. Até aí, tudo parece ser uma solução, mas o que se viu foram queixas de pessoas afetadas por morarem — sem saber — em “áreas de armazenamento de cheias”. Esse tipo de desvio, mostra a Reuters, tem como base uma legislação que autoriza o governo central a fazer isso, sob a justificativa de proteger “o bem maior”. A reportagem fala em quase 1 milhão de desabrigados e protestos devido à falta de assistência pública. A controvérsia persiste, gerando debates sobre quem deve ser priorizado em  nome de quais sacrificados. A Far & Near traz a recomendação de dois pequenos documentários de Zheng Haipeng (do jornal iFeng) sobre a situação.

Sempre Grande assim… A China Evergrande Group segue acumulando perdas desde que suas ações voltaram a ser negociadas na Bolsa de Hong Kong, após 17 meses de pausa. Os papéis da empresa despencaram 79% até agora, resultando em uma perda de US$2,4 bilhões (R$11,66 bi). Essas perdas zeraram os valores da capitalização da empresa, de US$2,2 bilhões (R$10,69 bilhões). Desde 2021, a Evergrande vê a sua credibilidade questionada, bem como o risco de dar continuidade aos seus negócios. A realização de uma auditoria nas demonstrações financeiras dos últimos dois anos não pôde concluir com certeza a capacidade de a empresa seguir em operação e uma reunião para a reestruturação da dívida está marcada para setembro. Em situação também complicada está a Country Garden Holding, como explica a Caixin, que precisa realizar pagamentos de títulos avaliados em US$533 milhões (cerca de R$2,5 bilhões) até o início de setembro.

O novo Brics. Depois de muita expectativa, foi anunciada na semana passada a inclusão de seis novos países. Com isso, o bloco passará a contar — a partir de janeiro de 2024 — com Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia. O anúncio trouxe inúmeros questionamentos, que vão desde coisas mais básicas como a nomenclatura do grupo até o que ele de fato representará. Entre as análises que têm surgido está a de uma vitória da China em convencer países como o Brasil — que antes resistiam — a topar a expansão e formar uma nova ordem global. Em sua coluna para a Foreign Policy, C. Raja Mohan não vê uma vitória do país asiático e diz que a comemoração ou não da mudança depende do espectro político de quem vê. Diante das reações, Pequim apressou-se em afirmar que não se trata de oposição ao G7 e ao Ocidente. Isso também tem sido repetido por autoridades brasileiras, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Por falar no Brasil, o criador da legenda, o economista Jim O’Neil, criticou a expansão e falou em perda de espaço de Brasília. O assunto deve dar muito o que falar e voltaremos no assunto sempre que encontrarmos uma análise interessante nova. Vale ler essa matéria de Ana Clara Costa na Piauí sobre os bastidores do encontro.

No embalo, saiu a mais recente pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China sobre o fluxo de investimentos chineses no país. Essa edição – a 10ª – foi apresentada na terça (29), com comentários de especialistas convidados e destaca o aumento no número de projetos, apesar da queda no valor total. Esta matéria n’O Globo comenta alguns pontos, como o aumento do olhar para a área de TI e indústria. 

Sem rupturas. Dando sequência às visitas de autoridades estadunidenses a Pequim, esta foi a vez de Gina Raimondo, a secretária de Comércio dos EUA. Ela se encontrou com o primeiro-ministro Li Qiang na terça (29) e o vice He Lifang. Entre os destaques dos encontros está a afirmação de Raimondo de que seu país não quer romper com a China, porém acrescentou que preocupa Washington a forma como empresas estrangeiras são recebidas em solo chinês, passando por questões de segurança. Ela afirmou ainda que os empresários estadunidenses se queixam de que a China é um país “ininvestível“. Apesar de durante a visita a secretária ter tratado as relações comerciais dos dois países em tom mais amistoso, há menos de um mês a administração Biden anunciou restrições de investimentos no país asiático em áreas estratégicas. 

Por falar em questões estratégicas, o mandarim parece ter deixado de ser visto como uma língua prioritária para estudantes estadunidenses, como mostra a The Economist. A língua oficial da segunda maior economia global chegou a ser apontada por líderes como algo que deveria ser estudado, caso do ex-presidente Barack Obama. 

A radiação do vizinho é mais verde. Na semana passada, o Japão iniciou o descarte de água dos reatores de Fukushima no Oceano Pacífico. O material tratado apresenta níveis de radioatividade abaixo dos padrões internacionais de segurança e recebeu aprovação da ONU. Ainda assim, ocorreram pequenos protestos na região contrários à ação do governo japonês. A maior reação veio do governo chinês, que optou por estender para todo o Japão o banimento da importação de frutos do mar, antes restrito à região de Fukushima, alegando preocupação com a qualidade dos alimentos. Mas há ainda quem acuse Pequim de hipocrisia: uma usina chinesa na província de Fujian — próxima a Taiwan — descarta regularmente no oceano três vezes a quantidade de trítio (isótopo radioativo do hidrogênio) que o Japão está descartando, e o mesmo é feito pela Coreia do Sul, que criticou a decisão de Tóquio, mas aprovou o plano de descarte. O governo chinês se defendeu afirmando que, no caso de Fukushima, a água esteve em contato com os reatores. A relação bilateral sino-japonesa é historicamente complexa e este episódio só tem contribuído para exacerbar a tensão: além do boicote alimentar, o turismo também deve sofrer impactos e casos de xenofobia vêm sendo registrados, ao ponto do governo nipônico orientar cidadãos vivendo na China a evitarem falar japonês em voz alta em público.

Bola no campo. No começo do mês, a região rural de Rongjiang na província de Guizhou se destacou por duas coisas: ter sido um dos últimos distritos da China a sair do nível de pobreza e ter se tornado a maior atração turística para os amantes de futebol do país, carinhosamente apelidado de Village Super League. Ainda que as duas coisas não pareçam dialogar muito bem, essa matéria da Sixth Tone conta sobre como o primo distante do futebol de várzea viralizou na internet e impulsionou o turismo na região, transformando o distrito em um dos destinos turísticos mais populares da China neste verão. As partidas, que são jogadas pelos próprios moradores, passam longe de um rigor técnico e profissional, o que deu corda para alguns entusiastas do esporte criticarem o evento. Ainda assim, a paixão persiste.

Dormindo com um traidor? Não, não estamos falando aqui de relação extraconjugal ou monogamia, mas de uma acusação que chocou uma mulher chinesa quando a polícia bateu à sua porta em maio de 2021 para levar seu marido preso. Sem ter muito direito a explicações, Bei Zhenying ouviu de autoridades chinesas que seu cônjuge há 20 anos, Ruan Xiaohuan, havia atentado contra a segurança nacional. Há mais de dois anos ela não consegue falar com o marido e não pode ouvir a versão dele dos fatos. Mas sabendo de que havia suspeita de que ele escrevia e publicava informações críticas em um blog anônimo, ela mesma passou a fazer suas investigações, usando um VPN para furar o firewall chinês. Convencida de que se tratava de textos do seu marido e de não haver gravidade dos fatos pelos quais Ruan era acusado, Bei passou a cobrar por respostas das autoridades. Após expor o caso nas redes sociais chinesas (e passar por represálias), ela foi atrás de veículos de fora do país. Conversou com a NPR e em episódio de podcast divulgado nesta terça-feira (29), a correspondente do NYT Vivian Wang conta que depois de trazer o caso a público, Bei está incomunicável.  

Ouvindo os mais velhos. O que áreas montanhosas da China podem nos ensinar sobre agricultura, gênero, globalização e mudanças climáticas? É o que explora Miaomiao (Mira) Qi em artigo publicado no China Dialogue, em que ela visita áreas montanhosas nas províncias de Hebei e Yunnan. Qi mostra como o conhecimento milenar de povos tradicionais propiciou uma grande agrobiodiversidade em áreas de difícil plantio e que são, com frequência, deixadas de lado em políticas públicas voltadas à agricultura. Olhando para essa questão a partir de uma perspectiva de gênero, Qi aborda como esse trabalho de segurança alimentar local recai com mais intensidade sobre as mulheres e pessoas mais velhas, já que homens e jovens com frequência abandonam zonas rurais rumo à cidade grande em busca de melhores oportunidades.  

reforma electoral en Hong Kong

Cansaço: este texto do psiquiatra Cui Qinglong traduzido pelo Reading the China Dream discute o tema de burnout na China no contexto atual de pós-pandemia e reflexões que surgiram do período. 

Decolonialidade: o que é China? Quem são os chineses? E como a perspectiva de quem explora essas questões influencia as respostas? O pesquisador Gregory B. Lee debate esses assuntos neste texto

Macau: deixe o autor Paul French te apresentar alguns lugares menos conhecidos mas fascinantes da ex-colônia portuguesa.

Escorrega: Chiang Kai-shek tinha uma rota secreta para fugir do Grand Hotel de Taipei caso o exército chinês invadisse a cidade. O jornal The Guardian conta a história, mas este vídeo dá uma ideia da “experiência” que o líder teria.

↗↘↗: o China Digital Times explica alguns truques criativos usados na internet chinesa para falar sobre quem não pode ser nomeado.

O heimer de Barbieheimer: após Barbie ter algum buzz nos cinemas chineses, chega a vez da “dupla” Oppenheimer estrear no país asiático – com direito a visita de Christopher Nolan, um feito relativamente inédito de diretores de Hollywood.

 

Na época do aniversário de 100 anos do Partido, contamos do lançamento da série Awakening Age sobre os anos antes da fundação do PCC. Antes só em mandarim, agora ela começa a ser disponibilizada em espanhol no YouTube.

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