Edição 284 – O que esperar da China em 2024?
Entre o final de 2023 e início de 2024, a China não ficou sem notícias. Mais uma vez, Xi Jinping fez o seu discurso de Ano Novo e saíram diversas análises pensando nessa fala para 2024. A Ginger River Review destacou cinco pontos, incluindo a autossuficiência tecnológica e Taiwan . O final do ano também viu a primeira Conferência central sobre trabalho relacionado a negócios estrangeiros em cinco anos (a última foi em 2018). O líder chinês estava lá discursando também, e a “Xiplomacia” aparece, bem como a ideia de “comunidade global com futuro compartilhado”.
A notícia de destaque do recesso foi o ministro da Defesa. Depois do sumiço e posterior demissão de Li Shangfu em outubro de 2023, Pequim anunciou o novo chefe do ministério, Dong Jun. Pela primeira vez, um militar da Marinha vai estar à frente do posto. Há quem considere isso um sinal da importância das questões do Mar do Sul e Mar do Leste da China — e de Taiwan — para o futuro próximo. No mesmo dia do anúncio, também houve o expurgo de nove figuras do alto escalão militar. As demissões (sob acusações de corrupção) foram de membros da divisão de foguetes, que lida também com parte do arsenal chinês de mísseis nucleares e pode estar relacionada com uma crise no complexo militar industrial do país.
O que vem em 2024. A Foreign Policy publicou este artigo de James Palmer com cinco desafios que a China pode ter em 2024. O primeiro é uma possível crise com Taiwan devido às eleições presidenciais. Em segundo vem a economia, com o possível agravamento da crise no setor imobiliário. O terceiro desafio é sobre a liderança política, sugerindo que as demissões no alto escalão em 2023 indicam uma possível volatilidade no Partido Comunista Chinês (PCCh), apesar do fortalecimento do poder de Xi Jinping. Em quarto lugar estão os desafios para juventude chinesa no contexto do pós-pandemia, enfrentando uma alta taxa de desemprego na sua faixa etária: uma situação que leva a mais emigrantes, aumentando o fenômeno que foi nomeado como “Runology”. Para fechar, não podiam faltar as constantes tensões entre China e EUA. Apesar de uma cúpula bem-sucedida entre Xi e Biden em 2023, as tensões estruturais entre os dois países podem resultar em uma retomada da “diplomacia do lobo guerreiro” por parte da China — lembrando que 2024 é ano eleitoral nos EUA.
BYD superou a Tesla em vendas globais trimestrais de carros elétricos. A fabricante chinesa anunciou um recorde de venda de 526.409 veículos totalmente elétricos no último trimestre de 2023, ultrapassando os quase 495.000 veículos da Tesla no mesmo período. No final do ano, a BYD reportou um aumento de 60% nas vendas em comparação a 2022 nos modelos híbridos plug-in, além de terem visto suas exportações aumentarem significativamente, alcançando 242.766 veículos eletrificados vendidos em mercados internacionais — um crescimento anual de 334%. No Brasil, a empresa é líder sem competidores no segmento, contando com mais de 18.000 emplacamentos somente no ano passado.
A coisa aperta em Hong Kong. Meses depois de ter sido solto, em junho de 2023, o estudante e ativista Tony Chung deixou Hong Kong rumo ao Reino Unido, onde busca asilo político. Chung foi uma das primeiras pessoas julgadas e condenadas pela Lei de Segurança Nacional. Ele foi considerado culpado por pedir a separação da cidade da China continental. A veículos estrangeiros, como Reuters e BBC, Chung afirmou que vivia sob intensa vigilância e que teria sido pago por autoridades para se tornar um informante de Pequim, delatando outros ativistas. Tudo isso aconteceu no apagar das luzes de 2023, e novos desdobramentos são aguardados. Enquanto isso, essa reportagem do The Guardian fala que o governo britânico está sendo acusado de negativas “absurdas” de pedidos de asilo político de hongconguenses. Como se não bastassem essas notícias, teve o caso de um homem que foi preso por três meses por ter usado uma camiseta pela libertação da ilha. No campo da oposição a Pequim, o Partido Cívico — fundado em 2006 — anunciou o fechamento de suas portas.
É neste sábado que Taiwan vai às urnas. O pleito chama atenção do mundo todo e, claro, Pequim e Washington acompanham os resultados e expectativas. A AP conta que honconguenses em Taipei apoiam o partido da situação, temerosos de que o que acontece em Hong Kong se replique por lá. Esta reportagem da CNN traz um relato sobre a questão da identidade chinesa na ilha, vale a leitura. O cenário por lá por enquanto é de empate, como contou a Folha em dezembro. Aguardemos os próximos capítulos.
Lembra do caso dos Dois Michaels? Foi um imbróglio diplomático que se arrastou por quase três anos, em que dois cidadãos canadenses (um ex-diplomata e um empresário) foram detidos na China sob acusações de espionagem na mesma época da prisão da herdeira da Huawei, Meng Wanzhou, no Canadá. A situação foi tratada principalmente como um caso de “diplomacia de reféns”. O plot twist é que agora em solo canadense, o empresário Michael Spavor acusa o outro Michael de ter usado ele para coletar informações para repassar ao Canadá, como explica esta matéria do The Globe and Mail. Virou um processo na justiça e o governo canadense ofereceu um acordo para os dois como compensação pelo período de encarceramento.
O Ministério da Segurança de Estado, que lidera o sistema de inteligência chinês, não teve recesso. Na segunda (8), o MSS relatou que havia detido um cidadão estrangeiro de sobrenome Huang por espionagem: ele trabalharia para o MI6 – o Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido. Huang chefiava uma empresa de consultoria e teria iniciado o trabalho para o MI6 em 2015, com viagens pagas para a China para coletar informações, tendo repassado segredos de Estado. No mesmo tom, vale destacar que o The New York Times publicou um texto longo sobre os esforços do MSS em modernizar o serviço de inteligência chinês, especialmente usando inteligência artificial, e a competição com a CIA.
Sanções ocultas a Israel? No final de dezembro, o YNet publicou uma matéria sobre as dificuldades que empresas israelenses têm encontrado para importar componentes tecnológicos chineses, sobretudo aqueles de uso dual, tanto para fins civis quanto militares. A Al Mayadeen explica que nenhuma regra nova foi imposta pelo governo chinês, que agora estaria apenas aplicando correta e diligentemente suas regras para exportação de tecnologia dual, gerando uma barreira burocrática para as empresas israelenses. Autoridades israelenses dizem que o surgimento desse obstáculo está claramente relacionado ao início da ofensiva de Israel sobre Gaza em resposta ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 — o que Pequim nega —, dando vazão à ideia de que essas seriam “sanções ocultas”.
Somando-se a esses empecilhos burocráticos, no início de janeiro, a chinesa COSCO, uma das maiores empresas de logística marítima do mundo, anunciou a interrupção de seus serviços em Israel, impactando sobretudo o porto de Haifa, mas sem apresentar motivos. Nas últimas semanas, no entanto, diversas empresas do setor tiveram de abandonar rotas pelo Mar Vermelho devido às ações de rebeldes iemenitas contra navios dirigindo-se a Israel. Nesse contexto em que a China está mais cuidadosa em suas relações com o país, as Forças de Defesa de Israel disseram ter encontrado armamentos chineses sob posse do Hamas — informação que não pode ser verificada independentemente.
Juschina. O Judiciário chinês está se tornando menos transparente, segundo explica esta matéria de Zeyi Yang para o MIT Technology Review. Muitos dos veredictos das cortes do país estavam disponíveis no site China Judgements Online (CJO), que foi criado em 2013. Contudo, a migração para uma nova plataforma até o final de 2023 colocou boa parte disso atrás de um acesso restrito a usuários internos. Pesquisadores e interessados não poderão mais analisar, estudar e tudo o mais que o acesso da base permitia – inclusive o entendimento sobre o sistema judiciário e sobre o país de modo geral. O CJO também ajudava ativistas a encontrarem casos de comoção pública, como o de tráfico humano de Xiao Huamei e de detenções em Xinjiang. Segundo o texto de Zeyi, o CJO já vinha sofrendo redução de informação desde 2022 – tanto por falta de novos uploads quanto de remoção de casos antigos.
Extreme makeover. Algumas das milhares de instalações que foram utilizadas como locais de isolamento e quarentena durante o ápice da pandemia da COVID-19 estão sendo transformadas em apartamentos acessíveis para jovens trabalhadores. Nomeadas como Jinzhan Colorful Home, essas residências estão localizadas em Pequim e agora estão sendo designadas e reformuladas como “habitação para aluguel a preços acessíveis”, na tentativa de impulsionar a economia e atrair pessoas para as cidades. O objetivo das autoridades locais é revitalizar a economia após quase três anos de lockdowns e tentar combater a disparidade entre os altos aluguéis e os salários baixos dos jovens. No entanto, alguns possíveis moradores têm se sentido divididos com a ideia de morar nos locais que antes eram sinônimo de isolamento total.
Fotografia: as fotos de Shanghai vista de cima são um dos destaques dessa matéria da Sixth Tone sobre o fotógrafo Lu Jie — que se pendurava de aeronaves na época antes dos drones.
Mais fotografia: os registros e relatos de pessoas que foram presas em Xinjiang e fugiram para o Cazaquistão são o foco desta matéria do The Guardian.
Retrospectiva musical: esta lista publicada no China Talk por Jake Newby é o link necessário para ouvir o que se destacou musicalmente na China no ano que passou. Tem som para todos os gostos.
Entrevista: Yan Xuetong, um dos mais conhecidos acadêmicos chineses da área de Relações Internacionais, deu seus palpites sobre o estado do mundo em 2024. A Sinification traduziu para o inglês.
O curta-metragem Astonishing Little Feet reimagina a história de Afong Moy, a primeira mulher chinesa de que se tem registro a chegar nos EUA, na década de 1830. Ela foi levada de Guangzhou para Nova York com cerca de 16 anos para ser exibida e ajudar a vender produtos chineses.