Um avião da Air China voando no céu azul

N509FZ, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Edição 344 – Viagem ao Sudeste Asiático contrapõe tensão com EUA

Política e economia

O copo cheio do tarifaço imposto pelos EUA foi o impulso às exportações do país asiático antes que tudo ficasse mais caro. Essa é uma das explicações dadas por analistas pela alta de 5,4% do PIB da China no primeiro trimestre de 2025, ante uma estimativa de alta de 5,1%. O lado vazio do copo, porém, é que esse crescimento não deve se sustentar nos próximos trimestres, já que as tarifas impostas por Donald Trump também devem prejudicar o ritmo das exportações. Essa análise publicada no South China Morning Post discute se a China se acostumará a um crescimento abaixo de 5%.

Confiança rachada. A derrocada da Zhongrong International Trust, uma das maiores empresas de investimento da China, escancarou a fragilidade do sistema financeiro paralelo do país. Conhecida por administrar fortunas da elite chinesa e aplicar em ativos de alto risco (especialmente no setor imobiliário) a Zhongrong foi oficialmente considerada incapaz de pagar suas dívidas e deve ser fechada, segundo avaliação feita por gestores nomeados pelo governo, deixando mais de 30 mil investidores sem acesso ao dinheiro aplicado. O golpe foi duro e muitos clientes perderam milhões que não terão nenhum tipo de resgate estatal.

Internacional

Nas vésperas da ida de Lula à China, o principal conselheiro do presidente brasileiro para assuntos internacionais, Celso Amorim,  afirmou que a China hoje oferece mais oportunidades que riscos ao Brasil. Amorim, que sempre foi bastante reticente a um alinhamento automático entre Brasília e Pequim, comparou a relação com o país asiático ao tarifaço americano. Na entrevista, o diplomata ainda criticou a posição dos EUA sob o comando de Trump de ameaçar o multilateralismo. Os comentários de Amorim acontecem poucas semanas antes de Lula embarcar para uma viagem que terá Rússia e China como destinos no início de maio. E logo após uma delegação de funcionários do governo chinês realizar uma visita ao Brasil para discutir a expansão do acesso ao megaporto de Chancay no Peru, inaugurado ano passado, como conta o SCMP.

Com amigos assim… Em meio à nova ofensiva tarifária dos Estados Unidos sob Trump, com tarifas de até 145% sobre produtos chineses , Xi Jinping embarcou em uma viagem estratégica pelo Sudeste Asiático. O tour incluiu Vietnã, Malásia e Camboja, três países-chave na rede de cadeias produtivas da região. Em Hanói, Xi foi recebido com honrarias e assinou cerca de 45 acordos focados em infraestrutura, cadeias de suprimento e proteção ambiental. No mesmo tom, a visita à Malásia selou 30 novos pactos, com destaque para cooperação em inteligência artificial, economia verde e logística. A mensagem é clara: a China se oferece como um parceiro estável e previsível no momento em que Washington radicaliza sua postura comercial. A ASEAN tem se tornado, assim, uma peça central na estratégia de Pequim para mitigar os impactos da guerra comercial e fortalecer rotas alternativas para exportações e investimentos. Em Kuala Lumpur, Xi falou em inaugurar uma “nova era dourada” nas relações bilaterais, propondo mais integração econômica e diálogo civilizacional entre o confucionismo e o islamismo. 

Falando em tarifas, em meio às negociações, Pequim chamou um novo responsável por cruzar essas águas turbulentas: Li Chenggang, que foi embaixador da China na Organização Mundial do Comércio, e substitui Wang Shouwen, vice do Ministério do Comércio, no processo. Algumas das confusões recentes incluem o cancelamento da compra de aviões da Boeing na semana passada, que derrubaram as ações da empresa estadunidense. Ao mesmo tempo, a China parece estar se preparando para levantar algumas das sanções impostas à Europa e tenta reanimar o EU-China Comprehensive Agreement on Investment – que morreu em 2021 em meio a discussões sobre a situação em Xinjiang, conta o analista Noah Barkin. E o estadunidense The Atlantic pergunta: e se a China ganhar a guerra comercial?

Se você acompanhou o caso dos chineses que foram lutar na Ucrânia, não deixe de assistir/ler essa entrevista recém traduzida pelo China Digital Times com um cidadão chinês que virou mercenário e que conta sobre a brutalidade da guerra e as complexas relações com os russos. Ainda em dúvida se vale a pena? A entrevistadora é a famosa jornalista Chai Jing, que em 2015 lançou o documentário Under the Dome – que ajudou a criar um debate que mudou o rumo de políticas públicas na China sobre poluição do ar.

Sociedade

Enquanto avança para cumprir o “sonho espacial” de Xi Jinping, a China enviou três novos astronautas para a estação espacial Tiangong. A bordo da nave Shenzhou-20, lançada do deserto de Gobi, estão o veterano Chen Dong, agora em sua terceira missão, e dois estreantes: o ex-piloto Chen Zhongrui e o engenheiro Wang Jie. Durante os próximos seis meses, o trio fará experiências de física e medicina e instalará proteções contra detritos espaciais, um risco crescente em órbita. Um experimento curioso será observar planárias (vermes aquáticos conhecidos por sua capacidade de regeneração) para entender melhor como o ambiente espacial afeta a recuperação de tecidos. Impulsionada por investimentos bilionários e ainda isolada da Estação Espacial Internacional (da qual foi barrada pelos EUA), Pequim agora busca novos parceiros como o Paquistão para internacionalizar seu programa.

Em um dos relatos mais surpreendentes sobre os bastidores da moderação digital na China, o escritor Murong Xuecun revelou no The Guardian como Liu Lipeng — um ex-moderador da plataforma Weibo — se tornou seu aliado anônimo. Por anos, Liu deletou posts, seguiu ordens e conheceu de perto os mecanismos de controle estatal, mas também burlou o sistema: restaurou contas, salvou arquivos e, no último dia de trabalho, vazou provas internas para ajudar Murong, cuja conta famosa havia sido apagada por criticar o Partido Comunista. Hoje exilado nos EUA, Liu trabalha com arquivos de censura no China Digital Times, enquanto seu antigo superior, Peng Bo, cumpre pena de 14 anos por corrupção e “colapso ideológico”.

Zheng He

“Como se fosse da família”: esta matéria fotográfica da Sixth Tone conta – de forma um tanto romantizada – a história de diversas ayis ou “tias”, mulheres que trabalham como domésticas em residências chinesas. Com seus salários, várias conseguiram ascender socialmente, sustentar a família e pagar pela educação dos filhos.

Música: o zimbabuense Jo Stak foi um fenômeno musical na China – com sua forte presença no Douyin e aparições na TV cantando em mandarim. Contudo, ao voltar para o seu país de origem, Stak não teve a mesma sorte. Esta matéria da Al Jazeera conta a trajetória do músico.

Caliente: vale conferir o texto traduzido pelo Jeffrey Ding para o ChinaAI sobre o editorial quente da Beijing Cultural Review sobre o desenvolvimento de IA, venture capital, DeepSeek e as percepções erradas do Ocidente sobre a China.

Pé no chão: falando em IA, o cientista Zhu Songchun do Beijing General Artificial Intelligence Institute fez um discurso poderoso durante o Zhongguancun Forum pedindo menos deslumbre e mais análise sóbria sobre o desenvolvimento da tecnologia no país. O evento foi realizado na capital no final de março. O China Media Project escreveu sobre a história.

 

A dica no Aurora foi da obra do artista Cai Guo-Qiang, que trabalha com fogos de artifícios e pólvora, já teve exibição no Brasil e foi responsável por diversos momentos explosivos na Olimpíada de Pequim em 2008.

 

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