Newsletter 112 (PT)
Impulsionar empresas estatais? Parece que essa será uma das soluções chinesas para a crise. Um novo plano de três anos foi aprovado pelo governo, ainda que não apresente muitos detalhes. O apoio de Pequim às estatais chinesas é motivo de reclamações por parte dos EUA, do Japão e da União Europeia — que enxergam, há anos, uma competição injusta com as multinacionais privadas, já que essas estatais têm linhas de crédito especiais e mais facilidade em receber licenças. Durante a reunião de aprovação do plano, Xi Jinping afirmou a importância das estatais no modelo econômico chinês, anunciando que os próximos anos serão um momento crítico para a reforma das mesmas (algo que está na pauta há tempos), em relação também à sua competitividade, resiliência e capacidade de inovação, visto que tais empresas possuem importante papel na manutenção de uma economia de mercado socialista.
Falando em suporte estatal a empresas… No início da década de 2010, a venda de veículos elétricos (VEs) na China representava apenas cerca de 10% do total mundial. Atualmente, essa marca passa dos 50%. Como é possível, afinal, que o gigante asiático tenha se transformado, em tão pouco tempo, no maior fabricante e consumidor de VEs do planeta? A Macropolo explica. Não surpreendentemente, o Estado desempenhou um importante papel no fenômeno, lançando mão, tanto por meio do governo central como de autoridades locais, de uma série de iniciativas de subsídio e proteção. Já consolidada hoje, porém, essa indústria começa a caminhar por conta própria, e as perspectivas para seu futuro são ambiciosas — o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China prevê que, até 2025, veículos alimentados por novas energias, sendo eles majoritariamente VEs, representarão 25% do total de veículos vendidos no país (em 2019, esse número era de menos de 5%).
Se a Shūmiàn recebesse R$1,00 em doações a cada vez em que se fala sobre o colapso da China, já teríamos batido a nossa meta de arrecadação há meses. Mas a verdade é que, para a surpresa de muitos, o Partido Comunista Chinês (PCCh) é mais resiliente do que se imagina, e a China não deve entrar em ebulição tão cedo. De acordo com uma pesquisa publicada pela Universidade de Harvard, os chineses estão muito satisfeitos com o governo (administrações central e locais, no geral). Na verdade, é o maior nível de aprovação medido desde 2003. Como isso aconteceu? A expansão da classe média no país, somada ao aumento do consumo das famílias, é só uma parte da explicação. Segundo a pesquisa, há outros fatores importantes em jogo: ampliação da rede de proteção social para pessoas mais vulneráveis; combate à corrupção; e preocupação com o meio ambiente foram o pulo do gato na equação. O PCCh, mesmo com todos os desafios atuais, deve continuar sendo uma liderança respeitada no país por bastante tempo.
Como o país que tem o Partido Comunista Chinês (PCCh) como carro-chefe de liderança estatal pode ter, ao mesmo tempo, uma paradiplomacia tão forte e eficaz? Apesar de parecer contraditório que uma organização política tão centralizadora quando o PCCh permita que lideranças regionais tenham tamanha notoriedade, a prática faz muito sentido, principalmente quando olhamos para o rápido desenvolvimento econômico chinês da década de 1980, em que províncias criavam incentivos para exportação e procuravam vorazmente por investimento estrangeiro com políticas de atração de capitais especiais.
Missões paradiplomáticas auxiliam na criação de laços comerciais entre os vizinhos mais próximos, como é o caso da província chinesa de Yunnan com os governos da Tailândia, Laos e Myanmar. Por outro lado, o alto índice de descentralização da governança chinesa — ao mesmo tempo em que dá vazão à inovação e conduz a respostas mais rápidas para problemas locais, também cria um ambiente mais propício a casos de corrupção, devida à maior complexidade da estrutura. Você pode ler mais sobre o assunto aqui, com aquele tradicional cafezinho na mão para aproveitar a leitura.
Os embaixadores da China e dos Estados Unidos no Brasil encerraram a semana trocando farpas pelo Twitter. A confusão começou na sexta-feira, quando o estadunidense Todd Chapman compartilhou na rede social um relatório do Departamento de Estado dos EUA que acusa a China de promover esterilizações forçadas na província de Xinjiang. Em resposta, o chinês Yang Wanming afirmou que Chapman veio ao Brasil com a missão de espalhar o que classifica como “boatos e mentiras” sobre a China e aconselhou que o representante de Washington pare com atividades desse tipo.
Ankit Panda entrevistou Tong Zhao, do Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy, sobre controle de armamentos na relação entre EUA, Rússia e China, com a expectativa — em fevereiro de 2021 — do fim do Tratado de Redução de Armas Estratégicas entre Estados Unidos e Rússia. O acordo foi firmado em 2010, ainda no governo Obama, para reduzir o número de armamentos nucleares dos dois países. O governo chinês se recusou a participar das novas negociações, sob o argumento de que o seu arsenal ainda é pequeno demais para se submeter aos mesmos padrões dos outros dois países.
O ministro de relações exteriores chinês Wang Yi comentou sobre o que considera uma paranoia estadunidense semelhante à da época do Macarthismo nas atuais relações sino-estadunidenses. A fala foi proferida durante o China-US Think Tanks and Media Forum, que aconteceu no dia 9 (quinta-feira). O Macarthismo, durante a década de 50, em plena Guerra Fria, foi um movimento dos EUA por uma campanha incessante contra o comunismo, quando o país se viu recheado de denúncias de supostos apoiadores da União Soviética, muitas vezes sem provas. Wang Yi enfatizou que a China não tem intenção de substituir ou desafiar os EUA na ordem internacional e busca uma relação baseada em coordenação, cooperação e estabilidade. A fala, porém, não parece ter causado muito impacto.
O vazamento de um acordo de cooperação entre Irã e China previsto para cobrir uma diversidade de temas descritos de maneira bem ampla, ao longo dos próximos 25 anos, ganhou destaque também na mídia ocidental. O documento ainda não foi aprovado internamente no Irã, e existem vozes críticas de que significaria uma cessão excessiva de vantagens para o governo chinês, como a venda de petróleo com desconto e a ativa participação chinesa em zonas econômicas especiais. Outros destaques seriam o uso de RMB para as transações de petróleo, não USD, e a cooperação em defesa e segurança. Não há dúvidas de que a aproximação entre os dois países será mais uma peça na pilha de tensões entre os Estados Unidos e a China, visto que o governo Trump tem isolado cada vez mais o Irã. Contudo, as acusações de que o acordo seria secreto e teria sido elaborado como resposta à retirada, pelo governo Trump, dos EUA do acordo nuclear com Teerã, parecem não ser verdade — o texto já estava sendo elaborado desde 2016.
Conforme se desenvolvem as tensões entre China e Índia, crescem também, entre os indianos, movimentos favoráveis a boicotes aos produtos e serviços das empresas dos vizinhos chineses. Para Nova Delhi, porém, se afastar do gigante asiático não vai ser tarefa fácil. Interligada a Pequim por relações marcadamente assimétricas de comércio, investimentos externos e tecnologia, a Índia precisaria de um longo período para construir alternativas aos seus laços com a China. Acelerar esse processo pode acabar por incorrer em importantes choques à economia indiana e aos consumidores do país.
Em artigo para a Foreign Policy, a jornalista chinesa Tracy Wen Liu relata que a censura de Pequim em torno do novo coronavírus não acabou com a morte do médico Li Wenliang em fevereiro deste ano. Atuando na cobertura da crise em torno da COVID-19 desde janeiro, Liu alega que, conforme a situação foi melhorando na China e se deteriorando no restante do mundo, o governo chinês passou a reforçar ativamente narrativas que o apresentavam como um regime responsável que não somente tinha contido o vírus, mas que também liderava o mundo em direção à superação da pandemia. Jornalistas, parentes de vítimas e trabalhadores do setor de saúde, dentre outros, permanecem, por sua vez, sendo silenciados em suas buscas pela coleta e exposição de informações contrárias a esse direcionamento.
A última semana na China foi marcada pela realização do Gaokao (高考), maior exame de acesso ao ensino superior do mundo. A prova — originalmente prevista para junho, mas adiada em um mês devido à pandemia da COVID-19 — contou, neste ano, com mais de 10 milhões de participantes. Oportunidade única de ascensão social, o Gaokao é tido por muitos na China como o momento mais crucial na vida dos jovens do país. Seu modelo estritamente meritocrático, porém, é criticado por reforçar as desigualdades sociais chinesas, privilegiando aqueles com mais recursos educacionais e materiais, e, ainda, por fortalecer um sistema de ensino antiquado centrado na absorção e reprodução mecânica de informações.
Cuidar do meio ambiente seguirá sendo prioridade na China no pós-pandemia? Ao que tudo indica, o tema não será deixado de lado, como o próprio Li Keqiang indicou nas Duas Sessões. Quatro pontos podem ser destacados: a modernização de um sistema de governança ambiental; a adição de pontos sobre proteção do meio ambiente e uso sustentável de recursos no Código Civil recém aprovado; a permissão de litígios preventivos para questões de interesse público ambiental; e a popularização da discussão da relação do país com os animais selvagens e a natureza — devido ao surgimento da COVID-19.
Cinco anos depois, a segunda semana de julho ainda é lembrada pela falta de respostas a amigos e familiares de suas vítimas. Trata-se do dia 9 de julho de 2015, conhecido como a “repressão de 709”, em referência ao dia em que mais de 200 advogados e ativistas que lutam pelos direitos humanos na China foram presos arbitrariamente pela polícia por todo o país. Apesar de a maioria já ter sido solta, muitos advogados e ativistas permanecem na prisão — sendo que vários deles tiveram julgamentos secretos, acusações duvidosas e não puderam se comunicar com familiares. Para analistas de direitos humanos na China, a “repressão de 709”, na verdade, persiste de diferentes formas até os dias de hoje.
Quando a fome bater: que tal diversificar as refeições aprendendo a fazer comida chinesa? A 小高姐的 (Sister Gao, em inglês) ensina a fazer os pratos mais famosos de maneira fácil e acessível durante a pandemia.
Podcast: já que o assunto é comida, não perca o último episódio do China Eats sobre as culinárias históricas chinesas, com participação do cientista e tradutor Sean J.S. Chen.
Ficção científica: o texto escrito pelo (polêmico) historiador Niall Ferguson usando a trilogia de Liu Cixin para argumentar sobre a visão pessimista da política externa chinesa gerou uma penca de discussões — desde gente que pensa que é bobagem, até uns que julgam que vale a discussão. Tem até artigo acadêmico sobre isso.
Áudio: o livro Under Red Skies da jornalista chinesa Karoline Kan conta a história de três gerações da sua família, passando pela transição da China na época de Mao para os tempos atuais. A BBC Sounds fez uma adaptação em áudio, com cinco episódios, que ficará disponível até final de julho.
Kanye: você sabia que o Kanye West morou na China aos 10 anos? Pois é.