Edição 201 – Vídeo sobre dificuldades em Shanghai viraliza e desafia censura
Vozes descontentes de abril. Que a população que vive na maior cidade chinesa não está nada feliz com o lockdown, não é novidade. Mas um vídeo publicado na última semana viralizou no país e para além das fronteiras, desafiando a censura de Pequim. Intitulado “Vozes de Abril”, a peça audiovisual traz uma imagem aérea de Shanghai que não mostra nada especificamente, mas surpreende com gravações de áudio em que chineses questionam a situação atual: falta de atendimento médico, ausência de respostas e insuficiência de alimentos. Em alguns momentos é possível ouvir grupos gritando em condomínios em tons de protesto. É incomum conteúdos como esse driblarem a censura nas redes sociais chinesas. Para entender o que aconteceu, vale ler este fio do What’s on Weibo. Também fez sucesso o vídeo de uma senhora que se recusou a cumprir a quarentena depois de testar positivo para Covid-19. Este fio mostra quantas vezes (e como) ela tentou escapar dos oficiais.
Mesmo que as autoridades locais venham tentando flexibilizar o fechamento, fica difícil saber quando, de fato, ele vai acabar, já que o número de mortes e de casos graves segue subindo. Até segunda (25), os falecimentos haviam chegado a 51. Já em Pequim, haviam sido registrados mais de 40 casos assintomáticos, levando a uma testagem em massa na cidade, sobretudo no distrito de Chaoyang, o mais populoso. Moradores da capital começam a se preparar para um eventual fechamento com uma corrida aos supermercados que deixou prateleiras vazias no fim de semana. Se há quem defenda que é hora da China rever a política de tolerância zero à Covid-19, as autoridades dão a entender que não há a mínima chance de isso mudar.
O segundo rascunho da revisão da Lei de Proteção dos Direitos e Interesses das Mulheres, sobre a qual falamos em janeiro, foi publicado na última semana. O foco das alterações no documento é a adição de medidas visando o combate ao tráfico humano, pauta de grande engajamento popular por conta dos casos Xiao Huamei e Tao. Foi definido que órgãos governamentais devem investigar suspeitas desse crime e que estabelecimentos de hospedagem devem reportar possíveis casos, estando sujeitos a sanções e multas. Outros acréscimos foram a proibição da sexagem de fetos para aborto seletivo e o estabelecimento estatal de licença maternidade e proteções ao desenvolvimento profissional de mães. Segundo o governo, o novo documento aborda questões levantadas em 420 mil comentários do público feitos sobre o primeiro rascunho.
Made in China. Se antes o rótulo era usado em muitos lugares como sinônimo de produto de má qualidade, os avanços de inovação no país já viraram uma das principais histórias dos últimos dez anos e da sua ascensão. Como isso aconteceu? Essa pauta é das longas, mas uma reflexão recém saída do forno é do pesquisador Matt Sheehan do think tank Carnegie. Sheehan escreveu para a Foreign Affairs e propôs uma reflexão sobre como o país chegou no momento atual, passando por planejamento do governo chinês, investimentos em tecnologia, colaboração em pesquisa e pelo semi-protecionismo garantido pela Great Firewall. Fica a dica de leitura.
Bora juntar milhas. Na última sexta-feira (22), o governo de Hong Kong anunciou que a partir de maio a cidade voltará a receber estrangeiros — algo que não acontecia desde 2020. Esses passageiros respeitarão os mesmos procedimentos que os honconguenses, apresentando comprovante de vacinação e realizando testes no embarque e na chegada, além de cumprir uma semana de isolamento em hotel. Também mudou o esquema que suspendia rotas de voo por uma semana quando um número de passageiros do mesmo avião fosse diagnosticado com Covid-19 ao desembarcar: o limite passou de 3 para 5 pessoas ou até 5% dos passageiros (o que for mais alto) e a suspensão agora é de 5 dias. Esse esquema vem sendo alvo de críticas por causar imprevisibilidade em voos que muitas vezes são de longa duração — de acordo com o Hong Kong Free Press, o mecanismo já foi acionado 25 vezes neste mês de abril. Segundo o governo, as mudanças levam em conta a queda de casos importados de Covid-19 e a capacidade local de responder às infecções. No dia do anúncio, a cidade havia registrado 15 mortes e 574 novos casos de contaminação, sendo 11 deles importados.
Não era boato. A China confirmou um acordo securitário com as Ilhas Salomão na última terça-feira (19). Ainda não se sabe o teor exato do que foi firmado, mas o premiê salomonense Manasseh Sogavare afirmou que o tratado não inclui o estabelecimento de uma base militar chinesa no território do país-arquipélago. Em maio deve ocorrer uma cerimônia oficial em Honiara com a presença de uma delegação de Pequim para celebrar a assinatura do documento. A medida não ficou livre de protestos dos EUA e de seus aliados, que veem na aproximação chinesa uma ameaça à sua dominância política e militar do Oceano Pacífico. Os mesmos críticos vinham fazendo uma ofensiva diplomática para evitar que o tratado fosse firmado, como ressaltou o Politico. A propósito, Kathrin Hille publicou uma reportagem no Financial Times sobre como empresas chinesas vêm tentando adquirir ilhas e como isso não é necessariamente direcionado pelo governo central.
O governo chinês se disponibilizou a ajudar economicamente o Sri Lanka. O governo cingalês já interrompeu o pagamento de sua dívida externa e agora busca renegociar com credores, entre eles o FMI e a China. A grave crise econômica levou a protestos após falta de combustível e alimentos no país. O premiê do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, afirmou estar aberto a negociar um tratado de livre comércio com a China, além de estar em busca de um empréstimo de US$ 2,5 bilhões junto a Pequim para rolar a dívida externa e adquirir bens importados. A Índia, principal parceira comercial do Sri Lanka, reclamou do que classifica de “tratamento preferencial” de Colombo com Pequim. A mídia cingalesa repercutiu uma coletiva de imprensa com o embaixador chinês Qi Zhenhong, na qual ele ressaltou que a China não é o principal credor do país e que os empréstimos concedidos por Pequim são qualitativamente diferentes.
Por falar em desafios da pandemia, este foi um dos temas do discurso virtual de Xi Jinping para o Fórum de Boao, organização formada por 25 países asiáticos e Austrália. O jornal estatal Diário do Povo, segundo a newsletter Reading the People’s Daily, trouxe a fala do presidente chinês sobre as dificuldades enfrentadas atualmente, como a pandemia e que isso traz necessidades extras de esforço conjunto internacional tanto do ponto de vista humanitário, quanto econômico. Na fala de Xi, também chamou atenção sua proposta de uma nova “Iniciativa de Segurança Global”, a qual foi posteriormente elaborada pelo ministro das Relações Exteriores Wang Yi. A Xinhua traz o discurso traduzido para o inglês na íntegra.
E por falar em questões de gênero, existe futuro para o ativismo na China? Já contamos aqui sobre o caso da prisão de Huang Xueqin (jornalista e feminista) e Wang Jianbing (ativista de questões trabalhistas), em setembro do ano passado. Enquanto ambos enfrentam acusações de que tentaram subverter o poder na China, seus amigos promovem uma campanha no exterior para tentar reverter a situação deles. Esta entrevista publicada na Lausan traz as opiniões de dois militantes dessa mobilização, Yaya e Tony, sobre questões como o futuro dos movimentos sociais e da luta por direitos no país asiático. Eles ainda comentam a situação de Hong Kong, onde as liberdades vêm sendo cada vez mais restritas.
A linha de suprimentos alimentícios em Shanghai está cheia de gargalos nas tele-entregas e também no sistema logístico de caminhões, como analisa James Palmer para a Foreign Policy ou este fio de Liza Lin. Uma solução que tem aparecido bastante nas notícias é a auto-organização de vizinhanças para realizar compras em grupo ou em comunidade, normalmente estruturadas em torno da lógica de comprar em atacado com os amigos — maior quantidade, mais desconto. Elas são uma forma de e-commerce que se popularizou e expandiu muito na China desde 2020 e foi uma das principais tendências exportadas. Inclusive, o governo está de olho na regulação e o lotado setor está encolhendo, como conta a Caixin, em texto traduzido pela Folha de S. Paulo.
A estrutura residencial e de organização local de muitos bairros de Shanghai permitiu o estabelecimento de um serviço de compras coletivas tocado por voluntários — que recebem mensagens o dia todo. Virou praticamente um emprego em período integral, ainda que sem remuneração, como conta esta reportagem da Sixth Tone. A revista chinesa entrevistou quatro organizadoras (todas jovens mulheres) e mapeou a trabalheira que dá. No The Wall Street Journal também saiu uma matéria sobre as compras em grupo e até a pressão por escambo por parte de quem não consegue fazer suas compras.
O sci-fi tá diferente. Ficção científica é pauta recorrente na newsletter e no nosso Clube do Livro. Apesar do nome de um clássico da literatura chinesa, o filme de sci-fi Jornada para o Oeste (ou Journey to the West) não é mais uma adaptação. De modo similar à obra homônima, o longa-metragem é uma odisseia pessoal um pouco cômica — nesse caso, sobre um homem buscando provar a existência de vida extraterrestre. Dirigido pelo estreante Kong Dashan, foi premiado no festival de Pingyao, circula em outros festivais internacionais e tem sido bem elogiado. Como conta este texto da Sixth Tone, o longa de Kong difere de obras de ficção científica que ganharam destaque recentemente, como a adaptação da obra de Cixin Liu Terra à Deriva e (o mal avaliado) Shanghai Fortress. Jornada é um filme de baixo orçamento (mas com financiamento de estúdios gigantes como a Wanda Pictures e o Alibaba Pictures Group), com estética dos anos 80 e 90 e sem pretensões de ser um épico dos efeitos especiais. Isso pode vir do fato que Kong é de uma geração chinesa mais nova que a de Liu, tendo nascido em 1990 (Liu é de 1963). Confira uma cena e leia esta ótima crítica.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Nem só de Zheng He: Zheng Yi Sao foi uma rainha pirata temida pela dinastia Qing, portugueses, britânicos e todo mundo que navegava pelos mares da China na virada do século XVIII para o XIX. Sua história é contada pelo SupChina.
Receitinha: as dicas de comidinhas aqui sempre são sucesso, então aproveita e pega esse mapa do Epicurious para descobrir a diversidade regional da culinária chinesa e já anota umas receitas de cada local.
De olho na missão: a Biblioteca Nacional lançou um dossiê digital sobre a missão brasileira à China em 1880, resultado da pesquisa de André Bueno. Confira o material, que está imperdível. É para acompanhar com aquele bom cafezinho.
NY, babe: a Neocha traz um texto (recheado de imagens belíssimas) sobre o trabalho da fotógrafa Ni Ouyang, que experimenta uma abordagem inovadora para retratar a presença de jovens imigrantes chinesas em Nova York. Confira.
Estudando muito: na semana passada, contamos como a China vê um número recorde de pessoas fazendo o exame de pós-graduação. Deixamos aqui o registro fotográfico dessa odisseia, com imagens de Chen Dong tiradas ao longo de quase 20 anos.
No escurinho do cinema: filmes chineses no Fantaspoa podem ser vistos nas salas do festival em Porto Alegre ou online (e gratuitamente!) na Darkflix até domingo (dia 01/05). Recomendamos os curtas Double Helix, de Qiu Sheng, e Gold is eating people, de Xia Su.
Literatura: nosso Clube do Livro já completou 12 encontros e foi assunto em uma matéria do Dia Internacional do Livro. Em maio tem mais, será a vez de lermos Flores Matinas Colhidas ao Entardecer, de Lu Xun. Sobre a obra, vale ler resenha recente no jornal O Globo.