Foto em cores. Em primeiro plano, mãos enluvadas usam pipeta para colocar líquido dentro de pino. Ao fundo, o manipulador vestido em trajes de seguranças. Mais ao fundo, pode-se ler COVID-19 escrito 3 vezes.

Edição 182 – Em meio a nova variante, Xi promete enviar 1 bilhão de doses para África

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Sem “envelope vermelho” para você. Saiu a sentença de uma ex-editora do jornal estatal People’s Daily. Acusada de suborno, Ding Ting recebeu a pena de 13 anos e uma multa de 1,4 milhão de renminbi. Em 2016, ela trabalhava em Hainan, província no sul do país, e cobrava pagamentos do então diretor do Escritório de Desenvolvimento Urbano da cidade de Sanya. O dinheiro vinha em troca de boas matérias divulgando as iniciativas do governo local. Ambos os envolvidos foram expulsos do Partido. Na China, os envelopes vermelhos (conhecidos como hongbao 红包)com dinheiro são presentes comuns em aniversários e ocasiões especiais — mas viraram também sinônimo com suborno.

A história não é nova, como relata esse artigo do The Atlantic de 2012. Como conta o Financial Times, em 2014, uma série de jornalistas chineses, inclusive um famoso âncora da CCTV, também foram presos sob a acusação de subornos em troca de boa cobertura, em meio à campanha anticorrupção de Xi Jinping. Um dos casos, Li Ning, fazia parte do órgão estatal regulador de mídia do país.  

Mas tem quem diga que essas acusações podem ser usadas para silenciar críticos. Em 2019, um caso emblemático foi o do fundador e presidente do jornal Beijing News, Dai Zigeng, que também foi expulso do Partido e está preso sob a mesma acusação. O jornal era famoso pelas matérias investigativas que contrariavam o poder do Partido. O famoso ganhador do Nobel e dissidente contra o Partido, Liu Xiaobo, escreveu sobre corrupção no jornalismo em 2004.

Positive vibes only. Dando sequência à política de controlar a cultura de ídolos, a China agora anunciou mais uma lista das celebridades do país que tiverem “má reputação”. O órgão responsável por regular o ciberespaço emitiu um comunicado na semana passada afirmando que busca criar um “ambiente positivo” na internet por meio do controle de informações divulgadas sobre famosos. A lista contém 88 nomes — entre eles, o de Kris Wu, que foi preso este ano em meio a acusações de abuso sexual, como contamos aqui. Essa já é a nona lista com nomes de celebridades para esse sistema de alerta, criado em 2018. A ideia é que as figuras personalidades na lista não possam realizar livestreams nas plataformas digitais, o que deve ser garantido pelas empresas responsáveis pelas plataformas. A ideia não se deu sem protestos: o ator, diretor e produtor Li Xuezheng, que tem grande quantidade de seguidores no Weibo, fez uma postagem na rede social em tom crítico à lista de cancelamento de celebridades. 

Está todo mundo de olho em 2022, inclusive o Xi. Não é só no Brasil que o ano será emblemático para uma liderança de um país: estamos na contagem regressiva para o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, que deverá ocorrer em novembro de 2022. Era o esperado, após a realização da importante 6ª sessão plenária, que finalmente teve a sua resolução publicada na semana passada, como comentamos aqui. Um novo texto do sinólogo Jude Blanchette para a Foreign Affairs fala sobre como recentes ações (inclusive as tantas novas regulações) de Xi devem ser lidas como sinais de confiança e não desespero — e como as análises de Washington erram ao achar que o líder está em crise. Publicamos em nosso site um artigo exclusivo do nosso editor júnior, Bruno Gomes Guimarães, sobre o Congresso Nacional que vem aí. 

A Tencent foi proibida de atualizar e lançar novos aplicativos. A medida, temporária, foi imposta pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação na última quarta-feira (24). Além do gigante WeChat, utilizado por mais de 1 bilhão de pessoas, a Tencent é dona de pelo menos 70 aplicativos e 100 jogos disponibilizados em plataformas e lojas de aplicativos. Segundo matéria do SCMP, não há previsão de quanto tempo deve durar a proibição e o governo não deu explicações mais detalhadas; a empresa disse estar cooperando com autoridades na inspeção de seus aplicativos. Daniel Ahmad fez um fio explicando que a suspensão da Tencent se limita à China continental e que o governo chinês teria encontrado violações à proteção de dados de usuários.

Quem quer vacina? O Fórum entre China e África ganhou a imprensa brasileira após o anúncio de uma super doação de vacinas. O evento, sobre o qual falamos aqui, começou hoje (29) em Dakar, no Senegal.  Xi Jinping já chamou atenção do mundo com a promessa de enviar 1 bilhão de doses de imunizantes contra a Covid-19 para países africanos. Desse 1 bilhão de doses, 600 milhões serão disponibilizadas por doação e 400 milhões serão produzidas em cooperação, entre empresas chinesas e africanas. Isso acontece em um momento em que o mundo presta atenção na chegada da variante ômicron, cujo epicentro atual parece ser a África do Sul, o que faz com que as palavras de Xi sejam ainda mais bem-vindas. Já falamos aqui sobre a disparidade global na distribuição de imunizantes afeta desproporcionalmente países da África e que a diplomacia da vacina chinesa é uma das alternativas.

Cursos profissionalizantes para o mundo? Nos últimos meses, o governo chinês se comprometeu a abrir pelo menos 10 Luban Workshops (escolas técnicas) em países asiáticos, sobretudo da Ásia Central. Em artigo para o The Diplomat, Niva Yau e Dirk van der Kley analisam essa rede de instituições que oferecem cursos técnicos e profissionalizantes em países onde as empresas chinesas atuam. Inicialmente uma medida estritamente empresarial, logo foi abraçada por autoridades públicas como uma maneira de capacitar populações locais e treiná-las para usar tecnologia chinesa. Para os autores, os Luban Workshops são um excelente instrumento da política externa chinesa, pois aumentam seu soft power ao capacitar a mão de obra em países em desenvolvimento e, de quebra, ajudam a difundir tecnologias da China.

IA na ONU. Na última terça-feira (23), a China esteve entre os países que assinaram um texto da Unesco com recomendações éticas para sistemas de inteligência artificial. Focado em limitar os impactos sociais negativos dessas tecnologias, o documento levou a especulações de que este poderia ser o fim do sistema de créditos sociais chinês. Vale lembrar que a regulamentação da inteligência artificial e dos algoritmos de recomendação é assunto na China há algum tempo — e, nesse sentido, os compromissos declarados na Unesco não trouxeram nada muito diferente.

Para se aprofundar no assunto, sugerimos esta análise comparativa, feita pelo World Economic Forum, com base nas diretrizes da União Europeia e da China, ambas de 2019. A conclusão dos pesquisadores é de que, embora diferentes, as diretrizes são complementares e têm valores comuns — e que, assim, uma adoção das duas, combinadas, seria positiva. A respeito do sistema de crédito social chinês e de como ele não é exatamente o panóptico que inicialmente se imaginou, recomendamos esta análise do pesquisador Jeremy Daum.

Sinais trocados. Em nova sinalização controversa, o governo de Joe Biden convidou Taiwan para integrar uma Cúpula sobre Democracia em dezembro. A China prontamente classificou o convite como um erro dos estadunidenses. A decisão acontece na sequência de alguns passos dados pela atual gestão da Casa Branca no sentido de dar sinais de que apoia a independência da ilha, considerada por Pequim como parte de seu território. Na edição passada, falamos aqui sobre a conversa entre Xi Jinping e Biden sobre o tema, vale reler. 

*Errata: Na semana passada, falamos erroneamente que a Lituânia teria aberto embaixada em Taipei, quando a informação correta é de que Taiwan abriu uma embaixada em Vilnius. A informação correta já foi atualizada em nosso site.

Boa vizinhança. Uma pesquisa do Hong Kong Public Opinion Research Institute em parceria com o Hong Kong Free Press revelou que a maioria dos honconguenses priorizam a reabertura das fronteiras com a China continental em relação ao restante do mundo. A questão foi motivada pela declaração da Chefe Executiva Carrie Lam, no começo de outubro, de que retomar viagens com a China continental seria a “aspiração comum” da população. 

Realizada com 1.011 residentes locais falantes de cantonês, a enquete indicou que 50% dos entrevistados prioriza a reabertura de fronteiras com a China, enquanto 38% preferem uma reabertura internacional, sendo possível escolher apenas uma das opções. Vale observar que os resultados variaram de acordo com as inclinações políticas dos entrevistados: entre os mais velhos e pró-governo, a China se mantém como prioridade — mas entre os mais jovens e em oposição ao governo, o foco foi internacional. Por enquanto, Hong Kong segue fechada, seguindo Pequim na estratégia de tolerância zero à covid. Independentemente dos resultados e inclinações políticas, priorizar a China continental faria muito sentido econômico: como já comentamos por aqui, sem a entrada dos chineses continentais, com êxodo de locais e diminuição de chegada de expats, a região está passando por um esvaziamento populacional a ponto de causar a fusão de escolas.

Beleza tem padrão? Uma publicação feita no Weibo pela renomada fotógrafa chinesa Chen Ma foi um dos temas da última semana em seu país. Na sua postagem, ela pede desculpas pela forma como retratou padrões de beleza das chinesas em trabalhos feitos no passado. O assunto ganhou a opinião pública por conta da exibição de uma das fotos de Ma , feita para a marca de luxo Dior, em Shanghai – o que chamou a atenção e as críticas dos netizens para outras de suas representações de mulheres chinesas. Para entender melhor como isso se deu, vale ler este texto do SupChina.

A passo lento? A sentença de um homem condenado a oito meses de prisão por ter estuprado sua então esposa ganhou forte repercussão na imprensa chinesa. Isso porque o reconhecimento desse tipo de violência entre parceiros é visto como novidade na Justiça chinesa: como mostra este texto da Sixth Tone, a lei chinesa não vê estupro marital nem como crime ou como uma ofensa. O caso, que tem como réu um homem de sobrenome Zhao, ocorreu em abril de 2020 e a sentença foi publicada este mês.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Pega a pipoca: entrou na Netflix o documentário Found sobre três jovens dos EUA que foram adotadas na China. Elas viajam até Guangdong para buscar a sua origem. Além disso, está no Mubi o drama psicológico Nina Wu, do diretor Midi Z, sobre uma atriz numa situação de abuso.

Sci-fi: o escritor Chen Qiufan já apareceu aqui antes. Um dos grandes nomes da nova ficção científica, lançou um conto novo, disponível aqui (em inglês) para a abertura do museu M+, em Hong Kong. Ele também vai estar neste painel, falando sobre o seu novo livro AI 2041: Ten Visions for Our Future, escrito com o também famoso Kai Fu-Lee.

Aleatório: vídeo, recomendado pelo SupChina, de um pikachu gigante cercado de pikachus pequenos dançando no teto de um shopping recém-inaugurado em Shanghai. Porque sim.

Música: o Global Voices publicou um ótimo artigo (e uma playlist!) traçando os 17 anos de atuação da banda indie honconguense My Little Airport. Pense Belle & Sebastian em cantonês com um ranço anticolonial.

Carreta furacão na China? Virou hit no Twitter brasileiro a notícia de que os famosos passinhos da Carreta Furacão viraram febre no Tik Tok por meio de interpretação de chineses. Vale conferir. 

Imagem de fundo vermelho, com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 心神不宁 (xīn shén bù níng).
xīn shén bù níng: expressão usada quando alguém se sente mal sem nenhum motivo aparente, ou fica mal do nada.
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