Edição 205 – A chegada de Bachelet à China e os rumores sobre a liderança do PCCh
Xinjiang volta à pauta com a chegada de Michelle Bachelet à China, depois de muita negociação e preparativos. De segunda (23) a sábado (28), a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos vai visitar Guangzhou, além de Kashgar e Urumqi, ambas em Xinjiang. Ela deve conversar com oficiais nacionais e locais, organizações da sociedade civil, empresários e acadêmicos. A viagem é resultado de um pedido feito pela ONU em 2018 para verificar acusações de que a China estaria cometendo crimes contra os direitos humanos em Xinjiang. Como conta Marcelo Ninio, há expectativa e risco sobre a ida de Bachelet à região. O timing não é especialmente tranquilo: há quase duas semanas, uma lista de detentos uigures feita pela polícia chinesa teria sido vazada para ativistas, que a levaram à AFP para verificação. O documento contém os nomes de mais de 10 mil possíveis prisioneiros uigures da província de Xinjiang, além de detalhes sobre sua detenção. Esse pode ser o mais importante documento já divulgado sobre o assunto, embora não haja ainda apuração extensa sobre a veracidade das informações apresentadas. Ao final da missão, Bachelet deve fazer uma coletiva de imprensa relatando sua visita. Não há, no entanto, previsão para a publicação de seu aguardado relatório, inicialmente previsto para setembro de 2021.
À espera de um sinal. Nas últimas duas semanas, não faltaram especulações sobre as razões por trás do sumiço de Xi Jinping das capas do People’s Daily. A observação das edições do jornal do comitê central do PCCh tem sido usada como um possível indicativo de que o presidente pode estar perdendo força e que, portanto, não terá novo mandato após o Congresso do Partido, no segundo semestre deste ano. Porém, como mostra o China Media Project, é muito cedo (e os indícios são muito vagos) para tirar conclusões. No mesmo texto, o site mostra como o Financial Times cometeu um deslize parecido em 2018, nessa mesma temática.
Outro aspecto que ajudou a fomentar esse tipo de rumor foi o destaque dado ao premiê Li Keqiang nos últimos tempos, sobretudo na pauta econômica. Uma foto em que ele aparece sem máscara em uma visita a Yunnan também foi alvo de comentários: estariam ele e Xi discordando sobre a forma como o combate à Covid-19 está sendo feito no país? A condução do controle da doença segue forte na pauta política e gerou debate também envolvendo o ex-editor do Global Times Hu Xijin. Acontecimentos recentes, como o lockdown em Shanghai, o aumento do número de mortes e o fechamento parcial em Pequim, tornaram-se um tema de intensa discussão sobre os limites da política de Covid-zero.
Por falar em questões importantes envolvendo o PCCh, integrantes do alto escalão do Partido e seus familiares estão sendo desencorajados a ter ativos no exterior. A organização deve bloquear promoções para aqueles que não seguirem essa diretriz. A justificativa dada são as sanções ocidentais contra a Rússia.
Shanghai zera transmissões locais e a situação em Pequim se agrava. Enquanto a maior cidade chinesa parece finalmente viver dias melhores, Pequim não pode dizer o mesmo. Ainda que não haja um lockdown absoluto, a capital do país continuará com comércio, escolas e escritórios fechados por tempo ainda indeterminado, num cenário de aumento de casos de Covid-19. A cidade tem atualmente 11 áreas de alto risco e outras 45 de médio risco. Na segunda (23), foram confirmados mais de 90 novos casos da doença em Pequim.
A regulação das big techs e da economia digital é pauta recorrente nos últimos meses. Na semana passada (17), Wang Yang, que é membro do Comitê Permanente do Politburo, participou de uma sessão sobre o tema, organizada pelo Comitê Nacional Consultivo do PCCh (do qual ele também é presidente). A discussão girou em torno de aprofundar os vínculos entre a economia digital e a real, mantendo a inovação nos mecanismos regulatórios para proteção de dados — com cooperação internacional no setor e com a China tendo um papel de liderança na governança digital global. No mesmo encontro, o vice-premiê Liu He também ecoou essa discussão. O China File reuniu uma série de especialistas em tech chinesa para abordar se vai ter regulação pesada ou uma pisada de freio de Pequim e deixar o mercado reinar mais forte.Para pensar esse potencial todo de inovação local, a The Wire China publicou um texto do jornalista Chang Che sobre Zhongguancun, apelidado de “Vale do Silício” chinês, localizado em Pequim. Berço de uma série de importantes empresas de tecnologia do país, qual a sua capacidade de invenção e reinvenção hoje em dia?
A postura dos EUA em relação a Taiwan pode mudar? Em visita à Ásia, Biden voltou a falar que os EUA podem ajudar Taipei caso Pequim promova ação militar na ilha. Muito se especula se a fala pode representar uma mudança de postura do país norte-americano em relação à política de “Uma só China”. Em meio às repercussões, a Casa Branca se apressou em tentar contemporizar a fala do líder e dizer que seu discurso não significa uma mudança de política externa. Analistas ouvidos pelo SCMP avaliam que se trata de uma sinalização, mas não de uma nova orientação. Já o Global Times foi taxativo em um texto opinativo, afirmando que não se trata de gafe, mas sim de uma nova postura perante a China.
Ainda na viagem a países do continente asiático, que inclui Coreia do Sul e Japão, Biden disse em entrevista coletiva que considera reduzir tarifas impostas para produtos chineses.
Canadá exclui Huawei e ZTE do 5G. Chega ao fim um longo impasse sobre como o governo canadense se posicionaria sobre empresas chinesas na adoção da tecnologia de 5G, sobretudo a Huawei, com quem há um impasse há tempos. O anúncio de banimento foi feito na última sexta-feira (20), alegando problemas de qualidade do serviço e segurança dos cidadãos canadenses. A decisão foi tomada depois da resolução do imbróglio envolvendo dois cidadãos canadenses, conhecido como caso dos “dois Michaels”, que ficaram detidos na China por quase três anos, e a prisão domiciliar de Meng Wanzhou, herdeira da Huawei.
Com nova liderança, Filipinas fortalece laços com a China. O filipino Ferdinand Marcos Jr. foi declarado vencedor das eleições presidenciais no início do mês. Sua chegada ao poder não foi sem controvérsia já que ele é filho do ex-ditador do país. Marcos já demonstra que vai manter o alinhamento de Duterte com Pequim. Xi Jinping conversou por telefone na semana passada com o líder filipino, elogiando as relações bilaterais mantidas nos últimos seis anos (o tempo do mandato de Duterte). Segundo a Xinhua, a resposta de Marcos foi de que ele deseja fortalecer esse vínculo. Historicamente, as Filipinas são aliadas dos EUA, mas esse posicionamento mudou sob o governo Duterte (e deve seguir no de Marcos): o que tem sido motivo de comemoração em Pequim.
A chocante queda de avião que deixou 132 mortos no sul da China pode ter sido intencional. É o que indica uma reportagem publicada com exclusividade pelo The Wall Street Journal, ainda sem confirmações oficiais. Os autores do texto tiveram acesso a estudos feitos por peritos dos Estados Unidos, já que a fabricante da aeronave é a americana Boeing, que suspeitam que alguém dentro do cockpit tenha derrubado o avião propositalmente. Além da reportagem do WSJ, uma fonte ouvida pela agência de notícias Reuters corrobora o raciocínio e exclui a possibilidade de falha técnica diante das informações disponíveis até agora. A China Eastern, que operava o voo em questão, diz que tais suspeitas não têm fundamento.
Das profundezas. Chamou atenção a notícia de uma floresta primitiva em ótimo estado de conservação encontrada em Guangxi, no sul da China. A entrada para a floresta, com árvores de 40 metros, estava no fundo de um poço, numa caverna — formações comuns na região. Confira o vídeo da descoberta, feita no início de maio. Além das piadas sobre figuras mitológicas e dinossauros que podem sair de lá, o achado é importante do ponto de vista científico ao permitir estudos comparativos sobre o tipo de terreno carste ou karst e, segundo especialistas, pode ter novas espécies de flora e fauna.
Um documentário curto da BBC conta sobre o desaparecimento e a prisão da feminista e jornalista chinesa Sophia Huang Xueqin. Em 2021, ela e o ativista Wang Jianbing foram detidos e hoje enfrentam a acusação de subversão. Sophia estava a caminho do Reino Unido, onde iria fazer mestrado na Universidade de Sussex. Ela era uma das vozes ativas sobre a campanha do #metoo na China, ganhando destaque em 2017. Já falamos do caso de Sophia aqui.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
De casa: é possível assistir do conforto do seu lar um Festival de curtas brasileiros que está sendo exibido na China, também online por causa da pandemia. Confira!
Xiaomi bomba no BR: uma publicidade antiga do celular Civi foi resgatada, na qual pessoas aparecem fazendo as iniciais CV com as mãos. Os brasileiros fizeram uma associação com a organização criminosa Comando Vermelho, como o Núcleo Jornalismo explica.
Bora negativar: uma equipe de artistas lançou o projeto Stay Negative para angariar fundos para pessoas prejudicadas pelo lockdown em Shanghai vendendo NFTs de memes da quarentena na cidade.
Livros: dois novos livros escritos pelas jornalistas Louisa Lim e Karen Cheung exploram a história de Hong Kong (e com foco nos protestos de 2019), em diferentes escopos, mas discutindo identidade e nação. O texto de Yangyang Chen resume alguns pontos.