Edição 212 – Clima de preparação para o Congresso Nacional do Partido
Ao vencedor, as batatas: vem chegando o Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, que completa 101 anos de idade em julho, e é bom já ir entendendo melhor como funciona a política doméstica do país. A poucos meses do evento, o PCCh divulgou estatísticas sobre a composição do Partido com dados coletados até dezembro de 2021, indicando gênero, escolaridade, ocupação, etnia e idade. Como mostra Yang Liu no Beijing Channel, o número de filiados cresceu quase 4% em um ano, com quase 50% dos novos membros sendo mulheres, em um esforço para atingir maior paridade de gênero na composição do partido. O PCCh agora conta com um total de 96,7 milhões de pessoas em suas fileiras, ou 7% da população chinesa.
Mas, com tantos correligionários, como alguém pode se sobressair e atingir cargos de maior poder e influência? Ruihan Huang, do think tank Macropolo, explica como a experiência no governo das províncias é importante para se tornar liderança nacional. Huang também ressalta que o ápice da carreira política ocorre aos 55, após pelo menos 30 anos de serviço, e, se forem ocupados cargos diversos ao longo do tempo, melhores são as perspectivas. Também para a Macropolo, vale resgatar o texto de Damien Ma sobre como seria a rede profissional de Xi Jinping no LinkedIn e como ela teria evoluído ao longo do tempo para abarcar cada vez mais contatos militares.
A pergunta do milhão, no entanto, diz respeito à permanência de Xi ou não no comando do país e das políticas que serão adotadas pelo próximo governo. A Jamestown Foundation publicou um texto de Dominik Mierzejewski em que ele analisa artigos e discursos proferidos por autoridades no país em busca da resposta. Segundo ele, pode ser que esteja em curso uma disputa entre Xi e o premiê Li Keqiang, se não pelo cargo, ao menos pelo futuro da inserção econômica internacional da China.
Calote de bancos gerou protestos em Henan. Há algumas semanas, comentamos sobre um abuso na emissão de códigos de saúde para controle de Covid-19 nas viagens para a cidade de Zhengzhou, em Henan. O caso, que estava ligado a bancos locais em situação financeira periclitante, tinha resultado na prisão dos funcionários públicos envolvidos. Desde abril, quatro bancos locais da província de Henan haviam congelado saques, paralisado a remoção de fundos e não respondiam aos pedidos de comunicação. As idas para a capital, que foram afetadas pelos códigos de saúde, envolviam também petições públicas para as autoridades intervirem. Investigações levaram a prisões também de pessoas ligadas aos bancos, só que isso não foi suficiente para aplacar as frustrações que vinham se acumulando entre os clientes no último mês.
No final de semana, uma série de protestos em massa tomou as ruas de Zhengzhou, como conta essa matéria da Associated Press e este texto do Sixth Tone (que foi tirado do ar). Relatos e vídeos circularam pelas redes sociais mostrando ataques violentos contra os manifestantes, especialmente de um grupo de “homens de camiseta branca”, com vista grossa das autoridades. Se você acompanhou os protestos em Hong Kong, em 2019, é capaz de se lembrar que um grupo vestido de forma similar atacou manifestantes no metrô – naquele caso, especulava-se que se tratavam de membros das tríades locais (o julgamento não confirmou). Em meio às preocupações com a saúde financeira do país, as autoridades chinesas afirmam que os responsáveis pela crise nas instituições seriam uma “gangue”, que criou um esquema para tomar controle desses bancos rurais. O órgão regulatório responsável pediu que os pagamentos sejam feitos aos poucos, a partir dessa semana.
E falando em atualização, mais informações surgiram sobre o vazamento de dados de quase 1 bilhão de pessoas, que mencionamos na semana passada. O hack talvez não tenha sido propriamente muito elaborado: aparentemente qualquer um com o link poderia acessar facilmente a base de dados desde o ano passado, conta a matéria de Karen Hao (que a resumiu aqui no Twitter) e Rachel Liang. Apenas parte dos dados foi verificada até agora.
Do Brasil ao Japão, violência política toma as notícias. Na sexta-feira (8), o ex-primeiro-ministro japonês, Abe Shinzo, levou um tiro fatal durante um discurso. Com um histórico conservador e nacionalista, Abe não era bem visto pelo público na China, tanto por seu papel na renovada militarização do Japão na última década, quanto por sua negação de que o exército imperial japonês usou mulheres de países vizinhos, notoriamente Coreia e China, como escravas sexuais (ou “mulheres de conforto”). Em 2014, num momento tenso das relações sino-japonesas, ele e Xi se reuniram para discutir disputas territoriais — e prometeram restaurar as relações bilaterais. O líder chinês mencionou o encontro na sua nota de condolências sobre o falecimento de Abe. Mas, se Pequim decidiu manter a postura diplomática, nas redes sociais (e na mídia, como neste texto do Global Times) a reação foi mais diversa e mais visceral — com destaque para alguns comentários nacionalistas comemorando o ataque, como conta Shannon Tiezzi. Violência política no Japão contemporâneo não é tão rara quanto se imagina, como explica este texto no The Conversation.
No domingo (10), dois dias após o assassinato, o Japão teve eleições da Câmara Alta do parlamento. O Partido Liberal Democrático (PLD), de Abe, foi o vitorioso. Partidos que, como o PLD, favorecem uma reforma constitucional para alavancar a militarização do país formaram uma maioria de ⅔, o que permitiria emendar a constituição do Japão. A China está de olho nessa movimentação japonesa, especialmente após a realização da primeira reunião da OTAN com a participação de Tóquio.
Próximo aos Estados Unidos. Este é um dos motivos que explicam o aumento do número de fábricas chinesas no México, já que o país governado por Joe Biden mantém dificuldades tarifárias para que as exportações chinesas cheguem a bons preços à maior economia global. Essa história é contada com mais detalhes pela Caixin. Aliás, as exportações chinesas para os mexicanos estão em alta. O gigante asiático corresponde a 19,9% de todas as importações feitas pelo México, que bateram recordes nos últimos dois anos. Entre os principais produtos vindos da Ásia estão telefones, materiais para produção de computadores, peças automotivas, transformadores elétricos e produtos ligados a telefonia e televisão.
Espionagem. Na última quarta-feira (6), o diretor geral do MI5 e o diretor do FBI fizeram um anúncio conjunto em Londres para alertar contra a espionagem industrial e acadêmica do governo chinês. Segundo os britânicos, mais de 50 estudantes chineses teriam deixado o Reino Unido nos últimos três anos por conta de ligações com o Exército de Libertação Popular — uma pequena fração dos 150 mil estudantes chineses no país. O representante do FBI destacou que o birô inicia uma nova investigação relacionada a possíveis casos de espionagem chinesa a cada 12 horas, em média. Em seu discurso, ambos pediram que empresas ocidentais estejam mais atentas à infiltração de agentes cooptados pelo PCCh e que colaborem com as investigações dos seus respectivos governos. O porta-voz da embaixada chinesa no Reino Unido comentou que britânicos e estadunidenses são famosos por sua espionagem, que mentem com o objetivo de criar um sentimento contrário à China e ao sistema político chinês e que precisam abandonar a mentalidade de Guerra Fria. Nossa editora Júlia Rosa já escreveu sobre o sistema de inteligência chinês — e a teoria de oficiais ocidentais de que todos os chineses são espiões em potencial.
Aconteceu o primeiro encontro diplomático de alto nível entre China e EUA desde outubro. A reunião entre Wang Yi, ministro das relações exteriores da China, e sua contraparte estadunidense, Anthony Blinken, ocorreu na esteira da cúpula do G20 financeiro em Bali, na Indonésia, no sábado (9). Como reportou a DW, a conversa tinha o objetivo de distensionar as relações bilaterais e alinhar expectativas quanto a temas quentes, como a invasão da Ucrânia e a questão de Taiwan. Vale lembrar que há semanas, o governo Biden vem estudando aliviar as tarifas comerciais sobre produtos chineses para combater a inflação no seu país. Negociações comerciais foram pauta de outra reunião bilateral, com menos alarde, que aconteceu também essa semana entre equipes econômicas de ambos os países. A perspectiva é de arrefecimento da guerra comercial. Contudo, pelo menos cinco empresas chinesas foram recentemente sancionadas pelos EUA por supostamente estarem apoiando a Rússia, o que foi recebido sob protestos do governo chinês, que acusa a ilegalidade da medida. O pesquisador Turvia Gering publicou uma análise das reações da elite chinesa à política externa para a China do governo Biden.
Apostando na política de zero-dinâmico, o governo de Macau declarou o fechamento de cassinos e outros serviços não essenciais por uma semana, a partir desta segunda-feira (11), para conter a atual onda de Covid-19. Todos os residentes maiores de idade foram instruídos a permanecerem em casa ou a utilizarem máscaras de alta qualidade nas ruas, sob pena de prisão de até dois anos, e haverá novas testagens em massa. A atual onda de infecções em Macau, iniciada em 18 de junho, já causou duas mortes e 1.374 contaminações até este domingo (10). Na última semana, um dos cartões-postais da cidade, o hotel-cassino Grand Lisboa, foi fechado e seus 500 ocupantes isolados por conta de 13 casos de Covid-19 identificados entre funcionários. Este é o pior momento da região administrativa especial desde o início da pandemia e a primeira vez que um cassino tem sua operação interrompida — os jogos são responsáveis por 50% do PIB de Macau. Cerca de 90% dos residentes já receberam duas doses de vacina.
E não é só por lá que novas ondas de Covid-19 estão batendo. Na província de Anhui, um lockdown foi iniciado na semana passada para tentar conter novas infecções – e evitar que elas cheguem às vizinhas Jiangsu e Shandong, o que parece estar acontecendo mesmo assim. Xi’an também iniciou um isolamento de uma semana nos últimos dias e Shanghai lida com alta de casos e retomada das testagens em massa. O desafio contínuo oferecido pelo vírus diante da política de tolerância zero leva a novas especulações sobre a resiliência da economia chinesa.
Acorrentados. A Suprema Corte da China deve começar a usar blockchain e acelerar a transformação digital do sistema judiciário, segundo proposta publicada pelo órgão em final de maio. O objetivo da proposta da Corte é adesão total até 2025, como a matéria do Coin Geek explica. Blockchain é uma tecnologia de registro descentralizado, que funciona como um livro-razão, usado na contabilidade, e que tem como objetivo aumentar a confiança em transações entre pessoas físicas e jurídicas. A tecnologia é usada notoriamente em criptomoedas (que o país praticamente baniu) e NFTs (com as quais o governo também tem uma relação complicada). Contudo, isso não impediu o crescimento do mercado de blockchain na China, como conta essa interessante matéria de Yaling Jiang. O uso principal é em contratos inteligentes, serviços jurídicos e financeiros, se adaptando às regulações de Pequim.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Bambu: cidade mais vertical do mundo, Hong Kong surpreende visitantes por usar tradicionais andaimes de bambu para erguer e reformar construções. O SCMP fez um especial sobre essa tradição.
Ilustrações: confira os belos desenhos de Ayin Sung, com destaque para as ilustrações feitas na parte antiga de Kashgar, em Xinjiang.
Entendendo a mente do jovem: o Douban funciona como agregador de avaliações sobre obras audiovisuais e livros na China. O Beijing Channel está fazendo uma série de quatro edições sobre os filmes e livros mais populares na plataforma. A primeira, segunda e terceira partes (sobre os 250 filmes) já estão online, com alguns dados e comentários.
Lianhuanhua: o cartunista chinês Thomas Bini fez uma resenha de onze adaptações de Star Wars para lianhuanhua, o estilo de quadrinhos tradicional da China. Vale ler também esta tradução completa de um deles, dos anos 1980.
Relato: o jovem filipino Jaime FlorCruz foi para a China em 1971 achando que ia ficar só um pouco, mas, com as mudanças na política do seu país, acabou exilado por 20 anos em Pequim e foi colega de turma de Li Keqiang na Universidade de Pequim. O texto apareceu na Sixth Tone.
Linguagem: os dialetos chineses são muitos e há, como em muitos países, dificuldade em preservar esse conhecimento. A Wikipedia pode oferecer uma alternativa.