Edição 226 – Congresso Nacional do Partido inicia com discurso de Xi
Só se fala nisso. Neste domingo (16), teve início em Pequim o 20º Congresso Nacional do PCCh, o evento mais esperado do ano e que dá início a um processo que culminará na escolha do próximo secretário-geral do Partido e presidente da China. Os dias que antecederam o evento foram marcados por tensão. Um protesto contra Xi Jinping, evento raro, ganhou a atenção de chineses e do mundo: cartazes críticos ao líder e à política restritiva contra a Covid-19 foram pendurados em uma ponte em uma região próxima a várias universidades, no noroeste da capital do país. O China Digital Times fala como o evento furou a censura online, pelo menos por um tempo.
Não foram só protestos que geraram preocupações de autoridades em Pequim, mas o surgimento de novos casos de Covid-19. Uma das formas de minimizar contaminações se tornou o novo terror dos chineses e fonte de reclamações online: receber um pop-up no celular, vinculado ao código de rastreamento de Covid-19 obrigatório, o que traz dor de cabeça e restrições de circulação. Vale ler com calma este fio, no qual é detalhado um rastreamento das redes chinesas nas vésperas do Congresso, com mais informações na matéria do The Wall Street Journal.
A grande abertura do evento, no domingo, foi um discurso de Xi Jinping — que na verdade era a leitura parcial do seu relatório (integral em inglês aqui) — que durou cerca de 2 horas. Em 2017, o discurso durou 3 horas e teve até foto do Jiang Zemin (que não comparece neste ano) dando uma dormidinha. O primeiro dia também incluiu entrevistas de delegados participantes do Congresso. Dá pra assistir tudo no canal da CGTN. Mas, se estiver com preguiça, é possível ler algumas reações iniciais aqui ou nesse resumo na Folha de S. Paulo. No What’s On Weibo, confira as cinco hashtags que explicam o que bombou nas redes durante e depois do discurso: Taiwan, ascensão pacífica, tempos conturbados, segurança e combate à corrupção. Zichen Wang, do Pekingnology, também compilou alguns pontos interessantes (como menções à Iniciativa Cinturão e Rota) e comparou com relatórios de congressos passados. A questão da tecnologia mereceu destaque, conforme analisa a pesquisadora Kendra Schaefer neste fio e Karen Hao e Sha Hua nesta matéria para o The Wall Street Journal, com o foco em soberania e autossuficiência na produção e nas cadeias de suprimentos.
Além da seriedade, também teve um compilado de gente dedicada assistindo o discurso e comentários sobre a tintura de cabelo dos membros idosos do Partido — que, aliás, é uma pauta mais interessante do que parece.
Contudo, a plenária do Politburo é só no dia 23. É nela que a nova liderança será confirmada, não apenas o Secretário-Geral do Partido, mas também os outros membros do órgão máximo. Uma dúvida que paira é sobre a representatividade feminina na configuração que virá. Atualmente, o Politburo conta com apenas uma mulher entre seus 25 representantes. Além de ser a única a ter assento no Politburo, Sun Chunlan deve se aposentar. Já o comitê permanente, a mais alta esfera de poder, não tem nenhuma representante do sexo feminino entre seus sete membros. Como ficarão as mulheres na nova estrutura?
Mini Zheng He do Congresso: A nossa gerente de mídias (também coordenadora de comunidade no Observa China) Aline Tedeschi participou de uma entrevista na Band News sobre o Congresso Nacional. O melhor infográfico que você vai ver sobre a organização da liderança atual do Partido Comunista da China (do Fairbank Center de Harvard). Em português, vale conferir esse explicativo na Folha de S. Paulo.
Desvalorização do renminbi. Nas últimas semanas, a depreciação da moeda chinesa ante o dólar estadunidense vem chamando a atenção do mercado. No dia 15 de setembro, a taxa de câmbio ultrapassou a barreira de ¥ 7 RMB para cada US$ 1 pela primeira vez desde julho de 2020. Às vésperas do Congresso do PCCh, o banco central chinês procurou ancorar a taxa de conversão em torno de 7,10 para evitar flutuações durante a realização do evento. Há duas semanas, o órgão também advertiu contra a especulação financeira sobre a moeda. Apesar de acender alertas, a depreciação do renminbi não tem gerado pânico devido a diversos fatores, entre eles o alto acúmulo de reservas internacionais e a políticas bem calibradas do banco central, como explica o China Policy.
A “ameaça” que a China representa. O noticiário internacional sobre a China também foi quente na última semana. Em dificuldades para permanecer no cargo, a primeira-ministra Liz Truss estaria decidida a declarar o país asiático como uma ameaça. As fontes citadas pelos jornais falam que a formalização disso se daria até o fim do ano. Analistas internacionais veem na intenção de Truss um risco para as relações diplomáticas entre Pequim e Londres. O Global Times publicou um texto dizendo que isso seria um erro diplomático. Para complicar as relações entre os dois países, um manifestante de Hong Kong teria sido espancado por funcionários do consulado chinês de Manchester durante um protesto em frente ao órgão. Um porta-voz da primeira-ministra declarou que o caso é profundamente preocupante e diversos políticos manifestaram choque em relação ao ocorrido. A polícia de Manchester anunciou que o caso será investigado.
Sanções dos EUA ao setor de semicondutores paralisam a indústria chinesa. Logo depois de o país norte-americano publicar restrições no segmento, o gigante asiático foi listado formalmente como o principal desafio econômico para os Estados Unidos, segundo documento publicado pela Casa Branca na semana passada. De acordo com a Estratégia de Segurança Nacional do governo de Joe Biden, a China tem destaque sobretudo na concorrência econômica.
Mais do que isso, a nova política do governo Biden levou à demissão em série de funcionários estadunidenses que trabalhavam em empresas de semicondutores chinesas. O impacto, explicado nesta edição do ChinaTalk, veio a partir de um documento, lançado na sexta-feira (7), que impõe uma série de sanções no setor, inclusive exigindo licenças para seus cidadãos trabalharem com essas tecnologias na China e exigindo inspeções em uma lista de fábricas selecionadas. A Associação Chinesa da Indústria de Semicondutores (CSIA) respondeu às mudanças, criticando a decisão de transformar uma questão comercial em tema de segurança nacional. O discurso de Xi Jinping — sobre autossuficiência — parece estar em consonância com o perigo que a nova política oferece para a indústria chinesa, conforme comentou Jordan Schneider.
A China é para os chineses. Essa é a conclusão a que chegou um estudante tanzaniano que faz seu PhD em Wuhan com subsídio do governo chinês. Esse e outros casos são relatados em uma reportagem da pesquisadora Dr. Natasha Robinson na .coda — vale uma leitura atenta. As experiências que os entrevistados compartilharam são significativamente negativas e marcadas pelo racismo contra pessoas negras, uma realidade na sociedade chinesa que parece ter ganhado força desde o início da pandemia de Covid-19. Elas vão de dificuldades em se comunicar em inglês a despejos e restrições de movimentação fora dos campis universitários. O governo chinês oferece mais bolsas de estudos para acadêmicos oriundos da África do que todos os países líderes do ocidente combinados — mas, ao que tudo indica, os investimentos podem não se traduzir em soft power.
A Iniciativa Cinturão e Rota segue viva, sim. Estão a pleno vapor as obras do porto de Chancay, um megaprojeto chinês no Peru, perto da capital Lima. Se der certo, será o maior porto do Pacífico e um ponto-chave para a expansão comercial e o escoamento de produção para a China – não só dos produtos peruanos, mas também chilenos e equatorianos. Isso poderá tornar a relação sino-peruana muito mais importante do que é hoje. Contudo, seus impactos ambientais preocupam, como explica esta matéria recente da BBC. Além do meio ambiente, a obra pode prejudicar também os vizinhos do setor portuário no Chile — que devem perder espaço. Aliás, Niu Qingbao, o embaixador da China no Chile, deu uma entrevista no mês passado e falou sobre as relações com o continente e com os chilenos e o papel da Iniciativa neste âmbito.
Você já leu livros virtuais? O The China Project publicou uma longa e profunda matéria sobre os impactos que a ficção na web têm tido na sociedade, cultura e economia da China. O país asiático é o principal mercado mundial de plataformas de literatura online: são mais de 500 milhões de leitores ávidos e 20 milhões de autores e autoras envolvidos nesse meio. Só a China Literature, maior plataforma do país, alega ter adicionado mais de 1,2 milhões de novos títulos em 2021. Os gêneros são variados, mas todos têm algo em comum: são obras de literatura escapista e popular, antes proibida na China, publicadas em formato de série (muitas vezes um capítulo por dia), como a gente já falou por aqui. A febre é tão grande por lá, que aproximadamente 40% dos programas de televisão mais populares lançados desde 2019 são baseados nesses livros virtuais. Mas nem tudo são flores: autores e autoras reclamam de contratos de trabalho exploradores e do nível absurdo de competição entre si. Vale um cafezinho – e lembrar do nosso Clube do Livro, que se encontra na semana que vem, dia 24, para conversar sobre Viúva de Ferro, de Xiran Jay Zhao.
Trabalho não pago. A tecnologia é normalmente vendida como uma grande aliada e solucionadora dos problemas humanos. Mas a gente sabe que não é bem assim e um exemplo recente mostra como trabalhadoras domésticas chinesas foram afetadas pela falência de plataformas como a Guanjiabang. Esta reportagem da Caixin explica como isso se deu e deixa claro que quando algo dá errado, as pessoas mais afetadas, claro, são mulheres, sobretudo as pobres da zona rural. A crise vem na leva das perdas por causa da pandemia, mas também parece ser um problema com o modelo de negócios, expansão exagerada e gastos excessivos em marketing.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Pôsteres de filmes: a arte de fazer pôsteres para filmes parece ter sido posta em segundo plano em Hollywood, mas a NeoCha conta como a artista Luo Xiran vem tentando mudar essa tendência com belas obras feitas à mão. Não deixe de conferir.
Luz na passarela: a Shanghai Fashion Week foi realizada presencialmente na última semana de setembro e o The China Project mostra quais foram as novidades do mundo da moda por lá.
Esporte: o The New York Times publicou uma entrevista com o astro da NBA, Jeremy Lin. Ele fala que somente 10 anos depois de se tornar uma celebridade global, passou a curtir a “linsanidade”, o fenômeno que o tornou um ícone cultural nos EUA e na China.
Música: o reggae vem se popularizando na China nos últimos anos, o que pode espantar numa primeira olhada. Porém, a The World of Chinese explica que a relação do país asiático com esse gênero musical é profunda e bastante antiga.
Acadêmico: o think tank MERICS publicou uma breve análise sobre como preocupações com segurança alimentar estão levando Pequim a intensificar as relações com países africanos no contexto da atual crise internacional de alimentos.
Outra perspectiva: o Fairbank Center for Chinese Studies de Harvard fez um apanhado para ler a China a partir do pensamento de intelectuais negros e das relações entre China e África.