Edição 230 – Xi viaja a Bali, onde se encontra com Biden
Mudou, mas não será o fim da política de Covid zero. De olho no impacto econômico, o governo chinês decidiu flexibilizar as regras de combate ao coronavírus, mesmo em meio à alta de casos e testagem massiva. Entre os pontos destacados estão a diminuição de períodos de quarentena, o fim do rastreamento de contato secundários de pessoas contaminadas e a eliminação de áreas de “médio risco”, mantendo apenas as categorias de “alto” e “baixo” risco. Outro ponto importante foi o fim das punições às companhias aéreas que tivessem casos positivos em seus voos. No total, foram 20 pontos alterados, que você pode conferir no Pekingnology. Com isso, a expectativa é de que as viagens dentro do país sejam facilitadas ou, pelo menos, menos complicadas. Apesar do anúncio de novas regras ter trazido alívio para uma população já cansada das medidas severas de combate ao vírus, isso não significa que o governo central vá pôr fim à “guerra contra a Covid”, como o The Guardian explica. O que isso significa? Muita gente ainda não sabe, e este fio do historiador e escritor Jeremiah Jene deixa claras algumas nuances dessas novas medidas. Outra coisa incompreensível, pelo menos para os falantes de mandarim, é o cantonês de Guangzhou – o que permite que as populações do sul da China consigam desviar da censura ao criticar a Covid zero na internet.
Crypto hub. Essa é a aposta para a economia de Hong Kong: criptomoedas. No final de outubro, o governo anunciou um novo regime regulatório que permitiria, em 2023, que plataformas licenciadas negociem criptomoedas no varejo. Se a estratégia parece ousada por ir na direção contrária das diretrizes locais de 2018 e pela crise atual causada pela FTX, vale considerar o contexto de uma economia que não vai bem: prédios de escritórios luxuosos estão esvaziados, a liberdade acadêmica em queda deve afastar estudantes internacionais e o grande retorno do tradicional torneio de rugby sevens contou com poucos turistas — e a rodada atual do torneio, na Coreia do Sul, já causou estresse político. A principal companhia aérea de Hong Kong, a Cathay Pacific, anunciou nesta segunda-feira (14) que só no final de 2024 deve voltar a operar em níveis pré-pandêmicos, quando a cidade era um centro da aviação global. O momento pede ousadia e ela pode compensar: Cingapura acaba de indicar uma regulação mais rígida para o uso de criptomoedas no comércio, o que pode favorecer Hong Kong.
A Conferência Mundial da Internet, evento organizado anualmente pela China para promover seu modelo de governança da web, foi realizada na semana passada em Wuzhen, na província de Zhejiang. Apesar do clima adverso devido às sanções estadunidenses, compareceram centenas de representantes da indústria de tecnologia, dos quais se destacam os CEOs de IBM, Intel e Cisco. Na abertura do evento, Xi Jinping divulgou uma carta pedindo por maior cooperação tecnológica global. A Conferência também serviu para a estreia de Li Shulei como chefe de propaganda do PCCh, cargo que assumiu no 20º Congresso Nacional do partido. Li criticou as atuais regras internacionais para a internet e citou o recém-publicado white paper sobre o ciberespaço como uma tentativa de aprimorar a rede. O documento pode ser lido na íntegra aqui.
O grande encontro. Xi Jinping e Joe Biden se reuniram pessoalmente pela primeira vez desde que o estadunidense assumiu a Casa Branca, em 2021. A conversa se deu nesta segunda-feira (14), em Bali, às margens do G20. Esta é a primeira vez que Xi participa presencialmente de um encontro de cúpula desde o surgimento da Covid-19. Os líderes das duas maiores economias globais estiveram reunidos por três horas. De acordo com relatos, o tom da conversa foi de gestão das divergências. O ponto de maior destaque foi tanto a China quanto os Estados Unidos concordarem que não pode haver uso de armamento nuclear no conflito entre Rússia e Ucrânia. Logo depois do encontro, em entrevista, Biden descartou a possibilidade de Pequim invadir Taipei no futuro próximo. Os dois lados se pronunciaram em notas mais amenas do que os relatos da imprensa. A versão chinesa foi publicada pela Xinhua e aqui você pode encontrar o informe da Casa Branca. Analistas viram com algum entusiasmo o encontro, mas há quem veja de forma cética o impacto da conversa para os negócios entre os dois países diante da alta competitividade atual. A NPR fez um belo resumo sobre os quatro pontos do encontro que mais importam e o The New York Times consultou diversos especialistas sobre o que está em jogo na ordem internacional.
Nem só de encontro com Biden se fez a agenda de Xi, que se reuniu com uma série de lideranças globais, inclusive com aliados dos Estados Unidos como chefes de Estado e governo de países como Austrália, França, Países Baixos e Coreia do Sul. Chamou atenção o comunicado do presidente francês, que, além de anunciar uma viagem a Pequim, ressaltou a confiança em que a China pode e deve mediar o conflito na Ucrânia. Essa foi uma oportunidade de reaproximação de alta cúpula após um período de distanciamento marcado pela Covid, guerra da Ucrânia e tensão entre China e EUA.
Por falar em reunião multilateral, a COP27 segue a todo vapor. O enviado chinês, Xie Zhenhua, afirmou durante o encontro que a China pretende contribuir para um mecanismo de compensação a países mais pobres para indenizar danos climáticos, embora o gigante asiático não tenhaa obrigação de contribuir financeiramente para o fundo – a OMC classifica a China como um país em desenvolvimento, ainda que seja a segunda maior economia global. Logo depois da fala de Xie, um porta-voz de Pequim afirmou que a contribuição chinesa não seria por meio de ajuda financeira, mas pelo encorajamento de ações por parte de países desenvolvidos. O The Guardian destacou a fala de Xie sobre os Estados Unidos precisarem “limpar as barreiras” nas conversas com a China sobre a pauta ambiental.
Começaram as negociações para um tratado de livre comércio com El Salvador. Na quarta-feira (9), o presidente salvadorenho Nayib Bukele e o embaixador chinês no país anunciaram o início das tratativas comerciais. Em 2018, o país centro-americano deixou de reconhecer Taiwan e passou a ter relações diplomáticas com Pequim. A mudança ocasionou a suspensão de um tratado comercial com Taipei, espaço que agora deve ser preenchido pela China continental. O começo das negociações aconteceu dias depois de Pequim ter se oferecido para comprar títulos da dívida pública salvadorenhos.
Não é fácil ser mulher em lugar nenhum, e em alguns lugares da China, os problemas se agravam ainda mais diante de uma prática bastante controversa de homens chineses contratarem agentes para “buscar noivas” em países vizinhos, como Camboja e Vietnã. O The China Project conta essa história sob a perspectiva de mulheres que vivem no pequeno vilarejo de Huajiahe, bem longe da fronteira da China com o Vietnã. Elas narram seus principais desafios, que vão desde a dificuldade de ficar sem ver a família durante a pandemia à necessidade de renovar visto anualmente. Isso acontece não por um movimento migratório típico, mas pelo fato de haver uma desproporção no número de homens e mulheres na China, como já falamos aqui. Com a pressão para que eles se casem, muitos optam por recorrer a países vizinhos para encontrar uma esposa. Não precisa ter muita criatividade, mas talvez alguma consciência de gênero, para entender que não parece uma boa ideia para as mulheres. Conforme um relatório publicado pelo Fundo Populacional da ONU, desde 2010 a prática, que antes se limitava a zonas de fronteira, como na província de Yunnan, difundiu-se para todo o país. Isso inclui apenas imigração e casamento legais, não o tráfico de mulheres que mencionamos aqui.
Não é magia, nem tecnologia — é lei. No começo do mês, uma reportagem do programa estadunidense 60 Minutes viralizou ao se referir ao Douyin como “espinafre”, enquanto sua versão global TikTok seria “ópio”. A narrativa foi criticada por ignorar o papel do governo chinês em legislar sobre o funcionamento de plataformas digitais, o que garante as qualidades atribuídas ao Douyin na reportagem. Ainda no começo do mês, o TikTok também foi notícia ao anunciar que seus funcionários chineses (e brasileiros) poderiam acessar alguns dados de usuários da União Europeia — aqui, agindo de acordo com a lei de proteção de dados da Europa. Enquanto isso, na China, aplicativos como o TikTok são usados para ensinar milhares de mulheres da classe trabalhadora e muitas de minorias étnicas a ler — mas também para monitorar uigures.
Mas se o TikTok fosse o ópio chinês no mundo, o que dizer sobre a estadunidense Apple? Na semana passada, uma atualização do sistema operacional para iPhones comprados na China continental passou a limitar o uso do AirDrop. O recurso permite que usuários de aparelhos da Apple troquem arquivos entre si via Bluetooth, evadindo a censura governamental na internet. O recurso foi amplamente usado por manifestantes de Hong Kong em 2019 e, mais recentemente, por chineses da porção continental para compartilhar informações sobre o protesto na ponte Sitong. Agora, o AirDrop só pode ser ativado por 10 minutos, o que evita que ele seja usado para o envio de spam — ou de panfletagem digital.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
O feio: se o Instagram é palco para expor comidas belas, essa exposição em Hong Kong tem a inusitada proposta de colocar à mostra imagens de comidas feias.
Visão missionária: o que missionários europeus que estavam na China durante a queda da dinastia Ming podem nos revelar sobre o período? O South China Morning Post traz um resumo.
Celebridade: você conhece Zhang Qingyang? Ele se tornou a primeira pessoa a ter mais de 100 milhões de seguidores no Douyin (TikTok no Brasil). Entenda como uma pegadinha no dormitório universitário o levou ao estrelato das redes sociais nesta matéria do The China Project.
Arquitetura: em Shenzhen, uma campanha governamental para uso eficiente e inovador do espaço em escolas atraiu muitas ideias e designs inusitados.
Esporte: Jing Xinyu escreveu (em mandarim) sobre a realização da Maratona de Pequim no início de novembro após dois anos de cancelamentos devido à pandemia.
Minimundo: a Sixth Tone conta sobre o universo de miniaturistas chineses especializados em replicar vilarejos do interior num misto de arte e terapia; a onda surgiu como uma maneira de aplacar as saudades de pessoas que viram as casas onde cresceram serem demolidas.