Fotografia em cores de trabalhadora da saúde chinesa em trajes de proteção bioquímica realizando coleta para exame de Covid-19 em pessoa fora d foco na foto. A foto foi tirada em Shenzhen.

Edição 231 – China vê casos de Covid-19 se agravarem

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

O que está acontecendo? O noticiário sobre a Covid-19 segue em alta na China. O país vive alerta com o aumento do número de casos, inclusive com o registro de três mortes pela doença, algo que não ocorria desde maio. Pequim, onde geralmente o cerco é mais apertado, voltou a determinar que as aulas sejam feitas online depois de um recorde de casos. Em Hong Kong, onde foi feita uma flexibilização há mais tempo, o líder John Lee testou positivo para a doença após viagem à Tailândia. Em meio a isso, novos sinais de esgotamento da população continuam aparecendo. O The Washington Post falou sobre o estranho fenômeno das “engatinhadas coletivas” de estudantes em campi universitários; e a RFI trouxe o incômodo de chineses que acompanham a Copa do Mundo do Catar e veem pessoas aglomeradas sem máscaras. Ainda sobre a pandemia, Pequim começou a oferecer uma nova forma de proteger sua população contra a doença:a vacina inalável. O imunizador foi aprovado em setembro, e Shanghai iniciou a distribuição em outubro.

Não, não é muito Black Mirror. Em 14 de novembro, agências do governo chinês publicaram um rascunho da lei para o Estabelecimento do Sistema de Crédito Social. O documento tem como base as experiências realizadas por governos locais e busca avançar uma futura implementação nacional do sistema. Como resumiu o repórter Zeyi Yang para o MIT Technology Review, a lei que se desenha é uma tentativa de regular a indústria do crédito financeiro, de permitir que agências do governo compartilhem dados entre si e de promover valores morais sancionados pelo Estado. O rascunho não traz muitos detalhes e já foi apelidado de “franken-lei” por Jeremy Daum por ser uma colagem de outros projetos. Mas pode ao menos trazer alguma paz para quem acompanha com preocupação o assunto desde que a ideia de crédito social foi divulgada em 2014, já que não parecem haver tecnologias muito avançadas em uso nos sistemas existentes. Confira a tradução do rascunho para o inglês, feita pelo China Law Translate.

O 20º Congresso Nacional do PCCh terminou há um mês, mas análises ainda estão sendo feitas. Um dos pontos que apareceram recentemente foi a questão da nova Comissão Militar e a modernização tecnológica no setor de Defesa, como discute este artigo para o The Diplomat. Outra análise que vale conferir sobre encaminhamentos do relatório do Congresso é o da pesquisadora Jie Gao, que investiga o que ele aponta para a área de Inteligência Artificial — inclusive seu uso militar. O tema ganhou maior destaque desde o encontro passado e deve fortalecer pesquisas em uso dual (civil e militar) da tecnologia. Isso se manifesta no investimento, por exemplo, que vem sendo feito em veículos não tripulados.

IA segue forte também no setor privado. Um exemplo é o caso recente da Tencent de usar reconhecimento biométrico da palma da mão para realização de pagamentos. A funcionalidade ainda está em fase de testes, mas já atraiu uma série de discussões sobre ética e casos de hack, como explica esta detalhada matéria de Zeyi Yang para o MIT Technology Review. Com o uso de máscaras por causa da política de Covid-19, a empresa vê a nova solução como uma alternativa ao reconhecimento facial e ao pagamento tradicional, já que os scanners não exigem toque direto. Os testes estão sendo realizados em troca de descontos para os usuários: ao contrário do uso de reconhecimento facial, cujos algoritmos podem ser treinados usando bancos de imagens de rostos, aqui é necessário incentivar cadastros, porque não tem tanta foto de palma da mão com todos os seus detalhes na internet. 

Algumas das preocupações com o uso desses dados também pelo governo ecoam críticas que foram feitas neste texto de Houchen Li que circulou pela internet chinesa em 2020 (tradução para o inglês por Jeffrey Ding) sobre a adoção dos códigos de saúde e o “Leviatã” digital.

Tráfico humano no Sudeste Asiático. Na semana passada, retornaram ao país brasileiros detidos por uma milícia em Myanmar para a realização de golpes virtuais em condições análogas à escravidão. O esquema é similar ao que contamos em setembro, em que as pessoas são atraídas por promessas falsas de emprego e acabam entrando num esquema de golpes online. Muitos dos sequestros registrados são focados em atrair vítimas chinesas para o Camboja e região — mas as restrições de viagem no país parecem ter expandido a busca por vítimas de outros lugares, segundo esta matéria da BBC. O caso dos brasileiros, que foram levados da Tailândia para o Myanmar, foi revelado em uma reportagem da Record há um mês, e a negociação da liberação e repatriação foi conduzida pelo Itamaraty. Eles foram mantidos em cativeiro no complexo de cassinos KK Park, que algumas investigações indicam ser parte de um “escoamento” de vítimas que passa pela Zona Especial de Shwe Kokko — um empreendimento criado pelo empresário sino-cambojano She Zhijiang. Uma matéria recente do Nikkei Asia explica o aumento de crimes online e a relação com o tráfico humano no Sudeste Asiático. Envolvido em diversas atividades ilegais, She foi preso em agosto, sendo que já estava foragido desde 2012 e usava identidades falsas. Ele está em processo de deportação para a China. 

Nem só de Copa vive o Catar. A China assinou um acordo para garantir do país do Golfo Pérsico o fornecimento de gás natural por 27 anos. A tratativa — tida como a mais longa já firmada pelos signatários — acontece num momento de crise energética na Europa, em meio ao conflito entre Rússia e Ucrânia, e na China, por conta de períodos de seca. De acordo com autoridades cataris, negociações estariam sendo feitas também com outros países, sobretudo os europeus, que têm sido impactados pelo corte do fornecimento de gás russo.

Morde e assopra. Após o tão noticiado encontro com Joe Biden, Xi Jinping voltou aos destaques no noticiário do G20 pela “bronca” que passou no primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. Ainda que oficialmente o governo chinês negue que seu líder tenha criticado Trudeau por vazar o conteúdo da conversa deles, dá para ver neste vídeo que foi o que aconteceu, apesar do sorriso no rosto de Xi enquanto reclama do comportamento do canadense. 

Em homenagem ao fim da Protocol (que já citamos muitas vezes), vale se despedir com dois textos sobre como a relação entre China e EUA afeta a dinâmica em torno de legislação e cooperação sobre o uso de inteligência artificial. Os dois são da jornalista Kate Kaye: o primeiro é sobre como a corrida pelo desenvolvimento de IA acaba levando os EUA a investir em tecnologias de vigilância como forma de contraposição ao desenvolvimento tecnológico chinês. Isso tem afetado desproporcionalmente grupos vulneráveis — questão que é alvo de críticas na China, especialmente em relação aos uigures. Ao mesmo tempo, a legislação do país norte-americano estaria pecando em regulação, enquanto as autoridades na China avançam para restringir certos abusos de plataformas. O segundo texto discorre sobre como o nacionalismo nos dois países acaba atrapalhando a cooperação científica, especialmente com casos trágicos de acusação de espionagem. Passe o cafezinho e mergulhe.

Censura, cinema e esportes: artistas e atletas de Hong Kong estão se deparando com o cada vez maior escrutínio do governo sobre suas atividades. O The Washington Post relata como cineastas hongconguenses têm lidado com as consequências desse maior aperto. Segundo a matéria, os profissionais do setor estão se voltando cada vez mais para outros países em busca de financiamento e de espaço de exibição para suas obras. No mundo do esporte a história é outra. Nas últimas semanas, transmissões de jogos de rúgbi têm dado o que falar. Há dez dias, antes de uma partida disputada na Coreia do Sul pela seleção honconguense, a organização do evento tocou, ao invés do hino, a canção “Glória a Hong Kong”, símbolo dos protestos de 2019. O episódio deu início a uma investigação policial da União de Rúgbi de Hong Kong pelas autoridades da região administrativa especial. Conforme matéria do South China Morning Post, houve confusões semelhantes nas transmissões de pelo menos outros dois jogos ao longo de 2022. Nesta semana, a federação esportiva e comitê olímpico local publicaram orientações sobre como os atletas devem reagir em caso de erro na execução do hino nacional.

Os ricos também estão tendo de lidar com as mudanças políticas em Hong Kong: alguns escolheram se mudar para outros países. Nessa história, o número de milionários que habitam a região administrativa caiu 14%. O Financial Times reporta que os que permanecem agora estão causando um boom no mercado de artigos de luxo e obras de arte honconguenses. Um dos motivos para esse movimento parece ser as restrições a viagens ao exterior devido à pandemia de Covid-19.

A vida após a aposentadoria não é nada fácil para atletas paralímpicos. A partir da história do nadador Zheng Tao, um dos maiores desportistas da história da China, a Sixth Tone conta como muitas pessoas com deficiência veem no esporte uma chance única de escapar da pobreza, mas como essa é uma solução com dias contados. Zheng relata que a educação não tem prioridade — o foco é o desempenho — e muitos sequer terminam o Ensino Médio, o que dificulta a vida pós-esporte. Além de não ter diploma escolar, o nadador não cumpre os requisitos para tornar-se treinador por não ter os dois braços. Por isso, hoje Zheng, como tantos outros, encontra-se desempregado, sem fonte de renda e sem educação formal. Num país que se orgulha dos sucessivos êxitos nas últimas cinco Paralimpíadas, é triste a falta de apoio a atletas após os holofotes.

A menor taxa de crescimento desde 1949. Foram publicados na semana passada os dados demográficos oficiais da China relativos ao ano de 2021. Seguindo a tendência indicada pelas informações parciais divulgadas em julho deste ano, a população cresceu em apenas 480 mil indivíduos, a uma taxa de 7,52 nascimentos para cada mil pessoas. Como destacou o SCMP, das 31 jurisdições provinciais chinesas, 13 registraram mais mortes do que nascimentos no último ano. Não parece haver um perfil específico para as regiões afetadas, que vão desde as muito ricas às mais empobrecidas. Nesta segunda-feira (21), a cidade de Hechi, na região autônoma de Guangxi Zhuang, anunciou que não levará em conta o estado civil das mães que solicitarem subsídios para seus bebês, algo inédito no país, além de remover restrições ao número de bebês por casal que pode receber o benefício — o que poderia encorajar mais nascimentos, embora as iniciativas em nível nacional ainda não tenham surtido o efeito desejado.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

É pesado: durante mais de 200 anos, as enormes quantidades de chá produzidas na China eram carregadas por pessoas, os beifu 背夫. A National Geographic conta (com fotos) mais sobre o trabalho brutal que era ser carregador de chá, levando 100kg nas costas.

Silkpunk: o termo, cunhado pelo célebre autor Ken Liu, diz respeito à mistura entre uma estética inspirada na história, cultura e mitologia do leste asiático e uma inclinação punk de questionamentos e rebeldia. Esse novo gênero é analisado pela Sixth Tone com base nas obras de Liu.

Molho de bilhão: o The Guardian conta como o famoso molho apimentado da vovó (Lao Gan Ma 老干妈) está ganhando espaço em prateleiras no mundo todo e levou a Forbes a estimar a fortuna da proprietária em mais de 1 bilhão de dólares.

Caqui, agora! Não é só a Magali — durante o outono chinês, o caqui é a tendência. Essa matéria do The China Project conta que a fruta da estação ganhou o tratamento que a abóbora recebe nos EUA na mesma época: sobremesas, cafés especiais e pratos temáticos.

RIP Tuan Tuan:  a famosa diplomacia do panda passou por um revés essa semana, com a morte do panda gigante Tuan Tuan, no zoológico de Taipei. Este texto de Yuan Chih-Lung reflete sobre manter os pandas em cativeiro, os animais como “presentes” de Pequim e o animal como parte da relação com a ilha.

Futebol: não é só no Brasil que torcedores querem ver os jogos da Copa do Mundo de futebol masculino. Na China, tem gente que, para não se aglomerar em bares e restaurantes em meio à pandemia, está alugando quartos em hotéis para poder ver os jogos com amigos.

Imagem de fundo vermelho com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 半途而废 ou bàn tú ér fèi.
Fim de ano, sabe como é, né? A expressão dessa semana é 半途而废 ou bàn tú ér fèi, que significa deixar algo inacabado, abandonar no meio do caminho (“em 2023 eu resolvo”).
%d blogueiros gostam disto: