Edição 236 – Covid segue em alta na China; Pequim condena atos no Brasil
Onde há caso, há controle. Desde a grande reabertura da China, para a qual dedicamos uma edição extra, as autoridades chinesas parecem estar mais dedicadas a controlar informações do que a circulação do coronavírus. Alguns obituários de pessoas renomadas, que indicavam a Covid-19 como causa da morte, foram deletados, de acordo com reportagem do Financial Times; já segundo a BBC, artistas, professores e empresários falecidos tiveram a causa do óbito escondida do público. A Sixth Tone chegou a publicar um artigo sobre como a morte súbita de pessoas de mais visibilidade levanta dúvidas sobre os números oficiais — mas o texto logo saiu do ar. Nas mídias sociais, contas que abordaram o assunto foram fechadas, como relata a AP.
No entanto, é difícil deduzir o número de possíveis mortes por Covid-19 uma vez que o número de casos não é divulgado desde 25 de dezembro — o que fez com que a OMS pedisse transparência. Diante do cenário complexo, permanece a dúvida sobre a capacidade hospitalar em atender a população: como o Ano Novo Lunar se aproxima, causando a maior migração humana no mundo, as estimativas são de um grande aumento de infecções, com 25 mil mortes por dia até o fim de janeiro.
Encerrando 2022, Pequim fez sua primeira interpretação da Lei de Segurança Nacional (LSN) de Hong Kong — e a resposta não foi exatamente o que se esperava. No final de novembro, o líder da Região Administrativa Especial (RAE) John Lee pediu que o Comitê Permanente do PCCh avaliasse se a LSN permite que advogados estrangeiros se envolvam em casos de segurança nacional; o esperado era uma negativa. Em vez disso, definiu-se que a aprovação de advogados estrangeiros deve ser feita caso a caso pelo líder de Hong Kong e pelo comitê estabelecido pela LSN — que anunciou, nesta quarta-feira (11), mãos à obra. Especialistas avaliam que essa devolutiva busca afastar acusações de interferência de Pequim sobre o judiciário da RAE.
O pedido de interpretação foi feito após Jimmy Lai solicitar o apoio jurídico de um advogado britânico, o que as cortes locais aprovaram reiteradamente, apesar da oposição de Lee. Um texto publicado pela The Atlantic explica porque o caso de Lai é importante para o PCCh. Em 2023, a LSN deve seguir dando trabalho para o judiciário de Hong Kong: a meta é concluir até fevereiro 6 mil investigações criminais relacionadas aos protestos de 2019.
A maior vendedora de carros elétricos do mundo é chinesa. Em 2022, a montadora BYD superou a Tesla e assumiu a primeira posição no mercado de carros não baseados em combustíveis fósseis. Foram 1,86 milhão de automóveis vendidos no ano passado, a maior parte na China. Ao contrário da Tesla, a BYD foca em modelos populares, cujos preços variam de 100 a 200 mil renminbi (aproximadamente de 80 a 160 mil reais). Segundo reportagem da The Wire China, agora que a BYD conseguiu consolidar-se no mercado chinês, a empresa visa a mercados internacionais. Este fio explica algumas implicações econômicas, ambientais e geopolíticas do domínio chinês na produção e no mercado dos automóveis elétricos.
China condena atos golpistas no Brasil. A chancelaria do país asiático afirmou na segunda (9) que se opõe firmemente ao ataque violento aos prédios do Congresso, Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto. O porta-voz do governo chinês Wang Wenbin disse ainda que Pequim confia que, sob a liderança do presidente Lula, o Brasil manterá a “estabilidade nacional e a harmonia social”. Wang se referiu ao país latino-americano como um “parceiro estratégico”.
Aliás, a BBC Brasil publicou uma reportagem sobre como deve ser a relação entre Brasília e Pequim no novo governo. Em coluna na Folha, Nelson de Sá pegou o gancho da posse de Lula para ver como o retorno do petista foi recebido pela mídia chinesa. Vale a leitura com calma deste texto publicado no Carnegie sobre porque, apesar do otimismo, o terceiro mandato de Lula não vai repetir a proximidade que o país tinha com a China entre 2003 e 2010.
Sob nova direção. A menos de dois anos no cargo, o atual embaixador da China nos Estados Unidos Qin Gang confirmou que deixará o cargo. Ele será Ministro das Relações Exteriores da próxima gestão de Xi Jinping. O diplomata publicou um texto opinativo, no The Washington Post, no qual afirma que o futuro do mundo depende de uma relação estável entre China e Estados Unidos. Já o site Politico não traz um tom otimista (para os estadunidenses) sobre a atuação de Qin como ministro, vale passar um bom café para ler os motivos.
Business as usual? A empresa chinesa Central Asia Petroleum and Gas Company, subsidiária da estatal China National Petroleum Corporation (CNPC) em Xinjiang, assinou um contrato de 25 anos com o Talibã para extração de petróleo no norte do Afeganistão. Embora Pequim não reconheça oficialmente o governo afegão desde 2021, a assinatura do acordo aconteceu na presença do embaixador chinês Wang Yu na última quinta-feira (5) em Cabul. A expectativa é de que a exploração do petróleo ajude o Afeganistão a sair da crise econômica e financeira em que se encontra. No entanto, a analista Catherine Putz ressalta que o contrato atual é apenas uma recauchutagem de um acordo firmado pela CNPC em 2011 que não foi para frente e cujos problemas de implementação não foram resolvidos.
Capriche no alongamento das mãos. Depois de 18 meses sem a aprovação de nenhum jogo importado, no final de dezembro, o órgão regulador do governo chinês liberou 44 jogos estrangeiros adaptados para o mercado local, com destaque para Pokémon Unite e Valorant. Desta vez, os aprovados incluem títulos da Tencent e a NetEase, que haviam chamado atenção por ficarem de fora de listas anteriores. Também foram aprovados 84 novos títulos desenvolvidos na China. Segundo dados da Caixin em notícia da TechNode, 468 jogos domésticos foram aprovados em 2022, 38% a menos que no ano anterior e apenas um terço em comparação com 2020.
Melhor, mas nem tanto. As mulheres asiáticas acumulam — pela primeira vez — mais riqueza do que em qualquer outra região global, exceto a América do Norte. De acordo com o Boston Consulting Group, em pesquisa feita para o Nikkei Asia, o patrimônio das asiáticas ultrapassou o das europeias no fim de 2021. De forma coletiva, houve um incremento de 2 trilhões de dólares na riqueza das mulheres asiáticas desde 2019. A estimativa é de que esse crescimento continue nos próximos quatro anos, num ritmo de alta de 10,6% ao ano. Para este levantamento foram considerados patrimônios financeiros, como fundos de investimento, seguros de vida e pensões, ações, depósitos e títulos do tesouro, por exemplo. Importante ressaltar que os parâmetros excluem as mulheres japonesas — confira a íntegra aqui — dizendo que elas detêm uma fatia muito menor da riqueza nacional relativamente se comparadas com o mercado. O patrimônio das japonesas tem aumentado a um ritmo muito mais lento, de 2,6%. Mas a China também traz uma exceção. Quando se fala em mercado de trabalho e renda, a participação feminina no mercado de trabalho aumentou na Ásia nas últimas três décadas, com exceção à China. Se em 1991 as chinesas correspondiam a 40% da renda de trabalho do país, em 2019 essa fatia caiu para 33,4%.
Ricas ou não, a violência contra mulher é uma realidade no mundo todo, também para as asiáticas. O apresentador Zhu Jun, da CCTV, deve voltar ao canal quatro anos depois de ter sido denunciado por abuso sexual por uma estagiária, o que se tornou o caso mais emblemático de #metoo na China. Reportagem do South China Morning Post não conseguiu confirmar se ele retornará às telas, mas o assunto ganhou destaque nas mídias sociais depois de Zhu ter publicado foto na sede do canal com uma frase dizendo que não via a hora do ano novo chegar para ele retornar à televisão.
A situação não está mesmo fácil para as mulheres e as cortes chinesas passaram a pedir que casais em divórcio listem propriedades adquiridas juntos. Isso para evitar que as mulheres sejam passadas para trás no processo de separação.
O lobo guerreiro está on. A Nikkei Asia fez uma análise de dados do Weibo sobre o nacionalismo chinês representado pelas discussões sobre ruhua, expressão que designa acusações de insultos à China. Inicialmente, o termo era utilizado por contas do governo para denunciar casos de racismo: nos EUA em 2013, na Espanha em 2014, em uma campanha da Dolce & Gabbana em 2018 e com a Covid-19 a partir de 2020. Mas, recentemente, as discussões sobre ruhua passaram a ser conduzidas por indivíduos, tornando-se mais agressivas, mais focadas na economia (pedindo boicotes a marcas) e menos vinculadas a casos de racismo, chegando a impactar empresas e marcas locais.
Mas o cowboy também está on. Como mostra este texto da Semafor, em redes como YouTube, Twitter, e Facebook (que sinalizam contas associadas ao governo chinês), floresce a propaganda anti-China. Chama atenção especialmente um gênero de vídeos dedicados a “prever” contínua e repetidamente o colapso da China. Às vezes esse conteúdo está associado a agentes abertamente contrários ao governo chinês, como no caso da Falun Gong, associada ao The Epoch Times e The Vision Times; mas há também vídeos postados por pessoas com motivações mais simples: atrair milhões de espectadores em busca desse tipo de conteúdo.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Dinossauro: um fóssil do Microraptor foi encontrado na China com vestígios bem preservados de sua última refeição — um pé de um mamífero. Essa é a primeira evidência da dieta dessa espécie de dinossauro.
Nova sinologia: querendo renovar suas referências acadêmicas de estudos sobre a China? Vale dar uma olhada nestes textos reunidos pelo China Heritage.
Sobriedade: em sua coluna de despedida da Folha de S. Paulo, Tatiana Prazeres fez um bonito relato sobre sua experiência de escrever sobre a China. Ela recomenda humildade para quem quer saber mais sobre o país asiático. Nós concordamos.
Música: confira o top 10 de músicas mais ouvidas de 2022 no QQ音乐, popular serviço de streaming de músicas na China. Dica do Calebe.
Adeus ao Rei: o falecimento de Pelé foi notícia também na China. Confira a cobertura da Xinhua e a galeria de fotos do Rei no país asiático disponibilizada pelo Diário do Povo.
A biblioteca do chefe: volta e meia sai uma lista anual de livros recomendados por Xi Jinping. Dessa vez, o autor da Beijing Channel se inspirou e usou o vídeo de discurso de Ano Novo do líder chinês para compilar o que estava na estante.
Mais uma retrospectiva: o Sixth Tone lançou a lista de gírias e termos que tomaram conta da internet chinesa no ano de 2022. Já fica a dica para treinar o mandarim.